Pular para o conteúdo

O dilema dos CEOs

A história é simples e surpreendente. O fato ocorreu com Elon Musk, o icônico presidente da Tesla, uma das empresas mais inovadoras do mundo e fabricante de carros elétricos de última geração. A Tesla oferece para seus clientes nos Estados Unidos os chamados postos Supercharger, onde o cliente estaciona o seu carro elétrico para receber uma poderosa recarga da bateria do automóvel. O caso abaixo aconteceu em um desses postos.

No dia 11 de dezembro de 2016, um cliente da Tesla ficou insatisfeito com uma situação ocorrida num posto Supercharger na Califórnia. Imediatamente, postou uma mensagem no Twitter direcionada a Elon Musk resumindo o fato. Vinte minutos depois, recebeu uma mensagem do Elon pelo próprio Twitter, dizendo que a ocorrência relatada estava se tornando um problema generalizado e afirmando que iria tomar uma atitude. Seis dias depois, a Tesla anunciou publicamente uma medida para atacar aquela situação que recorrentemente estava acontecendo nos postos Supercharger da Tesla naquele país.

Elon Musk é um executivo diferente. Gosta de interagir com seus clientes. É um sujeito que se expõe continuamente. Atua pessoalmente nas redes sociais e toma decisões com uma velocidade incrível. Ele comanda uma empresa com valor de mercado acima de US$ 30 bilhões e com mais de 15 mil funcionários como se fosse uma startup, o que deixa os funcionários enlouquecidos, mas também permite que fatos como o descrito acima aconteçam.

Eu já li a biografia de Elon Musk. O livro me deixou pirado. Ele tem uma trajetória surreal e um foco extraordinário nas relações públicas, interagindo, executando, assumindo o protagonismo nas situações em que acha ser oportuno ou necessário. Essas são algumas das razões pelas quais é tão bem sucedido e admirado, mesmo que sua história de vida pareça uma montanha russa das mais radicais. É um cara que está sempre jogando o tudo ou nada, e não é unanimidade no quesito líder empresarial.

Recomendo fortemente que você leia a história completa ocorrida. Saiba dos detalhes através do próprio cliente que viveu a experiência. Veja como os fatos se sucederam, o conteúdo dos posts e a medida tomada por Elon e a Tesla em tempo recorde. Vale a pena.

Anos atrás, escrevi outra história envolvendo também uma grande marca e seu líder. O caso foi com a Starbucks e parecido com o reportado acima, mas num outro contexto e com um grau de importância completamente diferente. Um cliente da rede de cafeterias Starbucks no Reino Unido postou uma mensagem no Twitter reclamando do “cheirinho” do banheiro de uma das lojas. O presidente da Starbucks no Reino Unido à época, Darcy Willson-Rymer, viu a mensagem e respondeu imediatamente que ia tomar providências. Um ponto relevante é que esse cliente da Starbucks é um comediante conhecido no país e na época era seguido por 90 mil pessoas, ou seja, o “cheirinho do Starbucks” ganhou espaço para discussão. A história tem muito mais detalhes, até irônicos, mas o resumo acima é suficiente para expor, a seguir, o meu ponto.

O que diferencia o caso do Elon Musk daquele vivido pela Starbucks no Reino Unido?

Acredito que a maioria dos especialistas em mídias sociais vai afirmar que ambos os casos são excelentes exemplos de como as empresas podem e devem se relacionar com os seus clientes e sociedade nas redes sociais, ou seja, uma resposta rápida, assertiva e vinda de um líder da empresa. Mas tenho duas observações.

A primeira é conceitual. As redes sociais são um tremendo canal de relacionamento com os clientes, funcionários e sociedade, mas também formam um poderoso instrumento de distração e devaneio. Estou convencido de que tais redes podem causar distúrbios imensos nas lideranças das empresas, fazendo com que gastem tempo e recursos em coisas que não valem a pena. Será que a rede Starbucks realmente tem “cheirinho” de banheiro? Será que o que esse sujeito escreveu tem realmente relevância ou causa algum impacto para a imagem da Starbucks, mesmo considerando que ele tivesse mais de 90 mil seguidores? Mesmo que haja alguma relevância, a mensagem do comediante não foi direcionada à Starbucks, logo, não havia qualquer expectativa dele de receber resposta da rede de cafeterias. O post poderia ter passado desapercebido. Depois do caso, acho que o presidente da empresa deve ter colocado um monte de gente para cheirar os banheiros.

Não quero me alongar na comparação dos dois fatos, mas são bons exemplos de como uma situação efêmera nas redes sociais pode movimentar empresas gigantes e influenciar as prioridades e estratégias das organizações.

Um segundo ponto fundamental é a discussão a respeito da atuação dos CEOs das empresas nas redes sociais. Será que eles devem realmente investir tempo nas mídias sociais? Isso é bom ou é ruim? A maioria das pesquisas aponta que os CEOs não estão presentes nas redes sociais em geral – 61% dos CEOs da Top Fortune 500 nos Estados Unidos não têm qualquer presença nas mídias sociais, segundo relatório da CEO.com. Apenas 60% dos CEOs que têm contas no Twitter mostram alguma atividade. A maioria daqueles com contas nas mídias sociais não as usam regularmente, ou seja, têm contas abandonadas. Dito de outra forma: os poucos que estão nas mídias sociais não estão lá genuinamente, com algumas exceções.

Os dados acima comprovam que a maioria dos líderes empresariais não avalia as mídias sociais como um canal valioso de relacionamento e engajamento pessoal com clientes e sociedade. Os casos de Elon Musk e da Starbucks inglesa são exceções e por isso ganharam repercussão.

Eu não tenho uma conclusão clara sobre isso. Meu ponto de vista pessoal é que no mundo de hoje me parece inconcebível que os CEOs das empresas não tenham presença nas mídias sociais. Também entendo, por outro lado, que é uma ilusão imaginarmos um CEO pendurado em seu smartphone respondendo a mensagens e posts que chegam por todos os lados, o dia inteiro. Existe um ponto de equilíbrio a ser buscado aí, mas ele não passa pela ausência completa do mundo social online.

A única coisa da qual tenho certeza é que se um CEO está presente numa determinada rede social ele deve estar lá de forma genuína e por inteiro, comprometido e tendo uma atuação regular junto àquele canal. Não dá para abandonar ou entregá-lo 100% para alguém o gerir por ele. Claro que é compreensivo que um canal público de um CEO de uma grande organização precise de uma estrutura por trás, olhando o que está acontecendo (que pode ser uma pessoa ou uma ferramenta tecnológica monitorando e agindo, mas com o CEO sempre no comando, afinal é o nome dele que está à frente daquele espaço). Uma pergunta sempre roda na minha mente: por que um CEO gasta uma hora do seu tempo preparando o discurso para um evento e não investe o mesmo tempo para cuidar de seu canal numa mídia social que pode estar interagindo continuamente com milhares de pessoas?

Mídias sociais não podem ser encaradas como aventuras empresariais. Exigem planejamento e, claro, senso de propósito. Os dois casos descritos acima são emblemáticos e excepcionais para estudo.

E você? Tem um ponto de vista sobre isso? Não quer compartilhar comigo aqui nos comentários?