Desconfiado do que ia encontrar, cliquei no link do artigo chamado “Como eu construí uma cultura de trabalho mais emocionalmente inteligente do que eu” da Fast Company. Gostei do que li.
Foi curioso constatar que o autor do artigo, Peter Holgate, é dono de uma empresa e se reconhece como uma pessoa muito difícil de se lidar. Ele diz ser um líder abrasivo (achei interessante essa expressão usada por ele), impaciente, que não consegue se relacionar bem com as pessoas e com pouca empatia.
Ao ler sua auto descrição, identifiquei um perfil de líder comum nas empresas. Estou falando daquele gestor autocrático, rigoroso, um pouco solitário, às vezes intolerante e que muitas pessoas percebem como um líder perverso.
Acredito que a maioria de nós convive no trabalho com pessoas que têm “traços difíceis” de personalidade. Um grande desafio é que muitas dessas lideranças não são capazes de fazer uma autocrítica, não têm consciência de sua personalidade real e, portanto, não tomam iniciativas para se tornarem melhores líderes.
No artigo, Peter diz que trabalhou conscientemente ao longo dos anos para melhor identificar e reconhecer suas próprias deficiências emocionais no trabalho, bem como encontrar alternativas para tratá-las. Mas ele também reconhece que, até certo ponto, estará sempre preso à personalidade que tem, por mais que tente melhorar. E concluiu, brilhantemente, que o melhor a fazer é jogar com as suas virtudes e gerenciar os seus pontos fracos. Com isso em mente, ele assumiu uma prioridade na empresa e para ele próprio: construir uma cultura de trabalho que não reflita e amplie os traços mais danosos de sua personalidade. Achei isso super nobre e surpreendente. Como dono, ele certamente tem uma influência fundamental no desenvolvimento da cultura organizacional da empresa que lidera.
No texto, Peter apresenta algumas formas criadas por ele e que foram implementadas na empresa, de forma colaborativa, para moldar um local de trabalho mais “inteligente emocionalmente”. Algumas parecem básicas, simples no conceito, mas não tão fáceis de serem implementadas.
Achei tudo legal, útil, mas o que mais gostei foi ele dizer que compensou a sua própria falta de inteligência emocional trazendo para trabalhar perto dele os “sábios emocionais”. Ou seja, ele procurou se cercar de pessoas que complementavam as suas deficiências e gaps emocionais. Vi isso como um jogo de Lego, encaixando as peças.
Ele conta um exemplo de que gostei. Ele se autoavalia muito bom em estabelecer conexões individuais com pessoas, mas se acha péssimo em ler emoções em uma configuração de grupo. Por outro lado, um dos líderes de sua equipe, chamado Bob, é ótimo nisso. Portanto, ele procura mapear os grupos através do Bob, que o faz saber quando alguém está se sentindo desmotivado ou negligenciado – algo que Peter raramente identificaria sozinho – para que ele possa buscá-lo para uma discussão individual. Ter essa consciência me parece formidável.
Quando olhamos as organizações, de forma geral, elas se organizam por especializações e competências técnicas. Assim se constrói e funciona o mapa de uma empresa desde a revolução industrial. Os gaps emocionais existentes dentro de um grupo de trabalho raramente são analisados sob o ponto de vista do grupo, mas quase sempre sob a ótica individual.
Quase sempre buscamos um modelo ideal de funcionário, moldado em cima de um conceito imaginário de inteligência emocional, como se todos nós pudéssemos ser iguais e oriundos de uma fornada.
A realidade é que somos muito diferentes uns dos outros, repletos de forças e gaps, heterogêneos em corpo e mente. Seria maravilhoso se as organizações pudessem ser concebidas não somente sob a perspectiva técnica, mas também sob a perspectiva emocional. Ou seja, analisar os comportamentos e habilidades emocionais individuais, e com isso montar grupos de pessoas que se complementam, que aprendem emocionalmente umas com as outras, resultando em grupos ecléticos, porém, equilibrados em termos comportamentais. Às vezes, fazemos isso de forma empírica, mas raramente uma empresa faz isso de forma estruturada, intencional, aplicando isso como uma filosofia organizacional e de gestão empresarial.
O excelente documento “The Future of Jobs”, publicado pelo World Economic Forum no ano passado, aponta que as habilidades comportamentais serão muito mais importantes para o trabalhador do futuro do que as técnicas, até porque quase todas as profissões estão passando por grandes transformações, exigindo profissionais com fortes caraterísticas camaleônicas.
Em resumo, a excelente reflexão publicada na Fast Company me trouxe um ponto de vista diferente sobre as organizações, que resumo a seguir.
Temos que pensar em organizações mais centradas em inteligência emocional e não apenas em inteligência técnica.
Como profissionais, o nosso desenvolvimento não deve privilegiar somente a aproximação com colegas de trabalho com maior skill técnico e maior experiência, mas também com colegas emocionalmente diferentes de nós, que nos ajudem a evoluir como seres humanos, permitindo trabalhar nossos gaps comportamentais e explorar adequadamente nossas virtudes e forças.
Para isso, precisamos desenvolver uma habilidade de olhar para dentro de nós mesmos, de forma holística. Essa é uma espécie de responsabilidade individual. Enfim, autoconhecimento emocional, vontade de mudar e aprendizado contínuo são importantes para qualquer um, especialmente para os líderes de organização, cuja cultura organizacional normalmente reflete o pensamento e personalidade de seus líderes.