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1969: O mundo estava na Guerra Fria enquanto minha cabeça estava na Lua

Lembro que há alguns anos, num treinamento gerencial, o instrutor pediu para que cada participante trouxesse consigo uma imagem que tivesse marcado a adolescência e que ainda continuasse na mente. A maioria levou fotos da família, da primeira namorada ou namorado, do cachorro e até da escola. Eu fui o único que levou a imagem da pegada do primeiro homem na Lua.

Eu tinha exatos 9 anos quando o Neil Armstrong pisou na Lua pela primeira vez. Aquilo parecia um sonho. Eu ficava olhando a Lua, tentando ver a silhueta do homem que naquele momento estava por lá. Passei parte da minha infância sonhando em ser astronauta, adorava brincar de foguete e estudava astronomia. Eu sabia de cor e salteado os nomes das luas de Saturno, os nomes das galáxias no céu e todas as missões lunares.

Nem passava pela minha cabeça que a corrida espacial não era algo somente idealista e desbravador. Era, na verdade, uma das frentes da intensa batalha política e militar entre americanos e soviéticos. O mundo estava na Guerra Fria enquanto minha cabeça estava na Lua. Meu interesse pelo assunto foi despertado quando li que a URSS tinha enviado, em 1957, o primeiro ser vivo para o espaço. Era a cadela Laika. Na minha imaginação, eu pensava numa cadela linda, entrando na aeronave espaçosa, com o rabo abanando de alegria e voltando do espaço, feliz, para o seu dono. Somente décadas depois é que fui descobrir que a Laika foi enviada pelos soviéticos para morrer no espaço. Ela embarcou numa cápsula super-apertada, numa viagem sem volta, já programada dessa maneira. Não foi acidente. Essa era a missão. Enfim, ela era uma mártir e eu não sabia.

Na minha cabeça de hoje, a pegada lunar é a imagem de um tempo onde eu sonhava. Sonhava com um mundo diferente, num futuro distante e quase inatingível. Depois que virei adulto, a vida e a dura realidade cuidaram para eu guardar essa imagem no fundo do baú da minha memória.

A imagem da pegada lunar voltou a minha mente hoje quando soube da morte de Neil Armstrong, meu herói. A foto da marca deixada por sua bota me fez sonhar de novo, mas só um pouquinho, é verdade.

Tenho a impressão que a juventude dos dias de hoje sonha pouco. Será mesmo? Quando sonham, o futuro sonhado é mais próximo e pragmático. É um futuro quase imediato. O mundo apressado, conectado, online, abundante e acesso fácil à informação faz a gente não se desgrudar da realidade. Quando a gente começa a sonhar, aparece um whataspp ou twitter para fazer a gente pousar de novo na Terra. Ou seja, o módulo lunar não decola. No mundo atual, certamente eu não levaria décadas para saber que a Laika decolou rumo à sua morte. Talvez apenas alguns minutos.

Na minha infância, eu brincava nos terrenos baldios, nas praças e nos parques. Era lá que encontrava os meus amigos e falávamos da vida. Era sempre a mesma turma. Quase sempre jogando futebol com bola murcha e tênis velho, as vezes jogando bolinha de gude. Viajar era algo especial e, quase sempre, inesquecível.

A infância de hoje é repleta de tecnologia. Os facebooks da vida são os terrenos nada baldios de hoje. Falamos com um número enorme de pessoas que não conhecemos e que, muitas vezes, são chamados de amigos após poucas horas de relação virtual. Joga-se games tecnológicos o tempo todo. E viajar… bem, viajar, é algo que fazemos quase todos os dias na web. Estamos o tempo todo descobrindo o desconhecido na rede. O mundo perdeu suas fronteiras.

Por favor, não entendam mal. Eu não estou afirmando que o mundo de hoje é pior que antigamente. Longe disso. Acho que vivemos num mundo mais democrático e mais consciente de suas mazelas e desafios. Mas não posso deixar que senti hoje, ao lembrar da imagem da pegada da lua, que o mundo está menos sonhador.

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