Esse caso é verdadeiro e aconteceu comigo, mas o nome é fictício.
Uma vez trabalhei numa empresa que tinha um enorme contingente de força de vendas. Vendíamos produtos básicos, de pouco valor agregado. O foco da organização era preparar vendedores agressivos, com grande capacidade de persuasão e obstinados por resultados. Obviamente que o clima era de constante pressão, o que implicava numa rotatividade regular de funcionários. Porém, surpreendentemente, havia aqueles considerados intocáveis, aqueles que sempre alcançavam ou superavam suas metas, mesmo nos períodos mais difíceis da economia e mercado.
Havia um vendedor cujo nome era Moacir, carinhosamente chamado de Moacirzão. Tal apelido tinha origem no seu jeito de ser, de falar, um pouco bronco, rude nas palavras, alto, um pouco gordo, sempre usando roupas apertadas, e esbaforido. Apesar do seu estilo parecer incompatível com o que imaginamos de um vendedor de sucesso, Moacirzão era um dos melhores vendedores da equipe, constantemente na frente da maioria e sempre regular em seus resultados. Os clientes o adoravam, pois ele estava sempre disponível, cultivava uma relação saudável e de transparência nas relações comerciais e sempre tomava a iniciativa quando alguma coisa não funcionava. Era uma máquina de trabalhar, sempre motivado e nunca feliz com seus resultados, sempre queria mais.
Certa vez, com o crescimento da operação comercial, a empresa resolveu criar uma nova posição de gerente de vendas. Tal gerente assumiria parte da operação e ele passaria a ter 12 vendedores sob seu comando. A diretoria analisou as possibilidades e avaliaram que era hora de reconhecer o Moacirzão.
Passados alguns meses, a diretoria convoca toda a equipe de vendas, pouco mais de 300 pessoas. Todos foram convidados para uma reunião no auditório, uma espécie de kick-off de vendas. Sem avisar ninguém, nem o próprio Moacirzão, os diretores explicaram a evolução da empresa e informaram que o crescimento dos negócios estava permitindo criar uma nova gerência de vendas.
Moacirzão não tinha ideia do que estava acontecendo. Como sempre, com seu tradicional estilo introspectivo, ele estava lá atrás do salão, doido para terminar aquilo tudo e sair para visitar clientes, fazer aquilo que ele sabia fazer muito bem: vender.
No final da reunião geral, o diretor sobe ao palco e avisa a novidade: a criação de uma nova gerência de vendas. De repente, sem menos esperar, ele cita com orgulho que Moacirzão, pelo seu histórico de resultados e paixão pela empresa, foi escolhido para ser o novo gerente, e chama-o ao palco. Constrangido, sem saber muito bem o que se passava, Moacirzão é empurrado pelos colegas para frente do grande auditório. Ele se arrastou, envergonhado em seus sapatos surrados, olhando o reverberar das palmas e caminhando trôpego para o palco. O diretor entrega o microfone. Moacirzão olha para ele. Era a primeira vez que tinha um microfone nas mãos e que tinha que falar para tantas pessoas.
Balbuciando e falando com sofrimento, Moacirzão disse algo mais ou menos assim: “Eu agradeço muito tudo isso. Eu não sabia. Eu não estava preparado”. E virando-se para o diretor: “O senhor me desculpe pelo que vou falar, mas eu não vou aceitar não. O meu negócio é vender, é sair pra rua, estar com meus clientes. É isso que eu sei fazer e quero continuar fazendo. Não quero ficar no escritório longe dos clientes e mandando nos outros”. E devolveu o microfone para as mãos do diretor, com a plateia boquiaberta e um silêncio constrangedor. Andando lentamente, com a cabeça baixa, Moacirzão desceu do palco e voltou para o fundo do auditório.
Nas semanas seguintes, Moacirzão pouco apareceu no escritório, talvez um pouco constrangido com tudo aquilo. Foram as semanas em que ele bateu todos os recordes de vendas. Nunca ninguém chegou perto dele nos resultados em tão pouco tempo.
Essa é uma história real que eu presenciei. Saber falar não quando todos diriam sim é uma arte.