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A maior barreira na adoção da tecnologia são as pessoas

Os elevadores automatizados, quando surgiram, provocaram reações no mercado de trabalho porque os ascensoristas perderiam os seus empregos. Hoje, raramente nos deparamos com cabineiros, forma como os ascensoristas são chamados em algumas cidades. No Rio de Janeiro, durante muitos anos, existiu uma lei que obrigava a existência de ascensoristas nos prédios comerciais, independentemente do tipo do elevador. A pressão da classe trabalhadora e dos sindicatos foi muito grande. Eu confesso que não tenho certeza se essa lei ainda está em vigor, mas sei que esse tema foi muito tempo discutido dentro da assembleia legislativa.


Quando os primeiros automóveis apareceram, os fabricantes não consideraram que os próprios donos iriam dirigi-los. Os primeiros carros a motor tinham a cara das velhas carruagens puxadas por animais e o assento do motorista era desenhado num lugar alto assemelhado ao espaço antes destinado ao cocheiro. Ninguém admitiu que as novas carruagens a motor poderiam ser guiadas pelos próprios proprietários, quase sempre pessoas abastadas. Demorou vários anos para que isso acontecesse.


Nos dias atuais, a polêmica do Uber continua sendo tema de conversas e debates acalorados. Pessoas comuns, que têm carros pretos, se sentem ameaçadas e assustadas com a possibilidade de serem atacadas nas ruas. Em New York o número de carros do Uber já supera o de carros amarelos dos táxis. Em São Paulo e no Rio, o Uber está proibido pelas autoridades, porém o número de usuários cresce vigorosamente dia a dia.


Os três exemplos acima mostram momentos distintos da história da sociedade. Em todos eles, a tecnologia impôs novos hábitos, novos modelos de negócio, novas conveniências e impactos diretos no mercado de trabalho. As vezes a adaptação é lenta, como no caso dos automóveis versus carruagens. Outras vezes a sociedade reage decidindo por alternativas esdrúxulas, como no caso dos elevadores no Rio. Por fim, existem casos em que a resistência sai do fórum das discussões e entra na reação violenta como nos táxis versus Uber.


O fato, inquestionável, é que a tecnologia impõe mudanças em nossas vidas em todas as dimensões. Todos os dias surgem novidades e nós, seres humanos, em favor da conveniência e do bem estar, as adotamos. O interessante é que quase sempre a adoção dessas tecnologias representa impactos diretos em parte da sociedade, para o bem e para o mal, dependendo do ponto de vista.


O transporte aéreo é um belo exemplo da evolução acelerada decorrente da tecnologia. A simplificação dos processos e a introdução de novas tecnologias vêm transferindo para as máquinas, e para os próprios clientes, a responsabilidade da realização dos procedimentos de voo. Atualmente nós, passageiros, já imprimimos em casa os nossos bilhetes aéreos e fazemos o checkin remotamente através de nossos dispositivos móveis, como smartphones. No entanto, o que continuamos a fazer do mesmo jeito de sempre é o checkin de nossas malas, mas parece que isto está prestes a mudar. Já surgem empresas aéreas onde o próprio passageiro etiquetará a sua bagagem, imprimindo as etiquetas em casa e acompanhando a trajetória de suas malas por meio de seu smartphone. No fim de 2015, viajantes na Europa provavelmente estarão usando o modelo que deverá ser o futuro da passagem aérea: etiquetas permanentes que poderão ser atualizadas digitalmente caso os planos de viagem mudem.


Tudo isso parece muito legal, mas tais mudanças em relação às bagagens enfrentam desafios, como a reação dos sindicatos, normas de segurança e viajantes que preferem um atendimento humano no despacho da bagagem. No meu ponto de vista, confesso que eu não tenho nenhuma satisfação pessoal em entregar as malas para um funcionário de uma companhia aérea, porém compreendo que podem ocorrer casos especiais em que seja mais fácil lidar com um atendente humano do que um atendente máquina.


Quando o automóvel surgiu, os primeiros proprietários reagiram dizendo que a tarefa de dirigir um automotor era uma tarefa secundária, uma espécie de subatividade, além de não se sentirem capacitados para tal função. Na época, os sindicatos e as autoridades públicas se posicionaram afirmando que permitir pessoas comuns guiarem seus automóveis seria um risco à segurança nas ruas.


A indústria de carruagens puxadas por animais na época, que chegou a produzir mais de 50 mil carruagens por ano, de repente viu o seu negócio sob risco e afirmou que milhares de trabalhadores iriam perder seus empregos. Na época do surgimento dos elevadores automatizados, o pesadelo era as pessoas ficarem presas nos cubículos sem a quem recorrer em caso de necessidade de ajuda. Nos dois casos citados, a experiência mostrou que, inicialmente, as próprias pessoas impuseram barreiras à mudança.


Enfim, quando falamos das transformações que a tecnologia impõe à sociedade, a maior barreira nem sempre está na própria tecnologia, mas provavelmente nos seres humanos, em seus hábitos, conveniências, crenças e até na dificuldade de sonhar. Os empreendedores e visionários são diferentes, eles sonham. 


Há exatos 100 anos atrás, em 1915, Alexander Graham Bell realizou a primeira ligação telefônica transcontinental americana, de New York para seu assistente Thomas Augustus Watson, em San Francisco. Foi um acontecimento e tanto. Eles se falaram por telefone numa distância impressionante para época. Ninguém acreditou que aquele projeto seria viável a longo prazo e que ele poderia ser o primeiro passo para conectar todas as grandes cidades do país, afinal a experiência de instalar um cabo de cobre conectando as duas cidades no extremo do país apresentou um custo enorme. Ou seja, o modelo não se pagava. Naquela época, uma conversa de longa distância se dava apenas por cartas. Era a época dos correios e telégrafos. O telefone foi o Uber dos correios. Parece que, independentemente do tempo, toda empresa tem o seu Uber a espreita.

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