Eu lembro que cheguei à Talent naquele dia sem saber como agir. Passei a viagem do Rio para São Paulo pensando como seria aquele primeiro encontro. Eu havia sido anunciado como o líder de marketing e comunicação da Intelig e a Talent era a agência da empresa.
Entrei na grande sala acompanhado de várias pessoas do time e fomos bem recebidos pela turma. Minutos depois entra Julio Ribeiro, se dirige a todos, aperta a mão de cada um, vem até a mim e fala: “Então você é o Mauro que o pessoal falou tão bem, seja bem-vindo à Talent, a casa é sua”. E abriu um sorriso farto. Me fez sentar ao lado dele. E foi isso mesmo que aconteceu, me senti sentado ao lado dele durante todo o tempo que trabalhamos juntos.
Eu passei quase dois anos convivendo com a Talent diariamente. Era um time de craques, mas o que me fascinava era a figura do Julio, havia algo mágico e encantador naquele senhor de fala mansa e elegante.
Eu esperava encontrar no Julio uma fonte criativa inquieta, de voz alta, até um pouco agitado e desestruturado. Encontrei nele um mentor, um cavalheiro, calmo, centrado, com mais ouvidos e menos boca, extremamente coerente e apaixonado por planejamento.
Não sei o número ao certo, mas participei de dezenas de reuniões e discussões com o Julio. A Intelig era a maior conta da agência naquela época, tendo ocupado o primeiro lugar no ranking dos maiores anunciantes no ano 2000 e com um projeto empresarial de números colossais. Aqui, entrava outro personagem, José Eustachio, que fazia uma dupla formidável com o Julio. A complementaridade de ambos era impressionante.
As apresentações de Julio eram sempre especiais. Um talento incrível e uma capacidade de comunicação única. Em projetos importantes era o Julio que iniciava a apresentação, contextualizando, posicionando, criando toda a base de fundamento do projeto e dando o caminho. Como escreveu a Regina Augusto em seu excelente artigo sobre o Julio: ele abria “estradas criativas altamente férteis”. Sempre depois das apresentações dele entrava o pessoal do atendimento, da criação e da mídia para apresentar as campanhas propostas.
Apesar da constante ansiedade de conhecer o que a agência estava propondo para as campanhas, as coisas pareciam menos importantes depois do Julio falar. Ela já havia falado tudo. Aqueles sempre foram momentos de encantamento e aprendizado.
Em vários momentos, tive oportunidades de ter conversas particulares com o Julio em sua sala, sobre assuntos diversos. A Intelig naquela época era uma startup nascendo já gigantesca, porém, repleta de dificuldades, extremamente vulnerável e com evidentes conflitos em seu plano de negócios e estratégia. Tais conflitos de “personalidade empresarial” me levavam a ter conversas com Julio que passavam longe do marketing e da publicidade. Eu compartilhava intimidades da empresa, pedia conselhos e discutíamos cenários. Nessas horas, as conversas eram extraordinárias, quando o Julio apresentava o seu vasto conhecimento cultural e do mundo das organizações. Me peguei várias vezes num diálogo de uma única voz: ele falando e eu aprendendo com ele.
Certamente, o Julio foi o meu principal professor durante esses dois anos. Foram momentos de aprendizado com ele, que foi sempre generoso comigo em todos os instantes, me ouvindo e tirando o melhor de mim.
Aprendi com ele que publicidade é algo muito além de peças publicitárias bonitas ou criativas. A criatividade não vem necessariamente de uma ideia ousada ou original, mas vem de planejamento.
Uma vez, em uma de nossas conversas, ele usou o termo “planejamento criativo” e eu nunca mais esqueci. As conversas com ele eram sempre profundas, com visão de construção de longo prazo, distante da pressão imediatista que sempre levávamos às reuniões.
Ele falava baixo. Às vezes, parecia fazer brainstorming conosco, mas depois aprendi que não era isso. Ele estava construindo junto conosco contexto e narrativa. O que parecia ser brainstorming era o caminho. As reuniões com ele seguiam quase sempre o caminho da pesquisa, insights, estratégia e planejamento.
Ganhamos o Caboré! No ano 2000, tive o privilégio de subir no palco para receber o Caboré como melhor anunciante. A Intelig coroava o seu primeiro ano de vida recebendo o reconhecimento publicitário mais importante do país. Levei o troféu para o Julio Ribeiro e falei: “Julio, é nosso! Ganhamos!” Ele sorriu e falou: “Não mesmo! Esse é de vocês!”.
Antes de dois anos completos, eu deixei a Intelig e fui me despedir do Julio Ribeiro. Ficamos quase uma hora conversando sozinhos na sala dele. Já me sentia íntimo para falar de temas pessoais. Conversamos sobre tudo, mas o que mais me emocionou foi ele se dizer agradecido por ter trabalhado comigo. Ainda nos encontramos algumas vezes nos anos seguintes. Era comum trocarmos e-mails. Chegou a me mandar alguns livros.
No final de 2002, enviei uma carta para o Julio, agradecendo por tudo e dizendo que sentia saudades dos nossos encontros e conversas. Ele me retornou com um cartão, escrito de próprio punho:
Querido Mauro. Fico feliz quando pessoas queridas como você lembram de me desejar um Feliz Natal. Tenho, como você, lembranças muito boas do tempo em que trabalhamos juntos, demos risadas juntos e aprendemos juntos naquele sonho que não deu certo, de nossa saudosa Intelig. Na minha longa experiência profissional, a maior galeria de tipos que já tive oportunidade de conversar, “good guys and bad guys”, do grupo “good guys”, você foi figura de destaque. Um grande 2003.
Julio Ribeiro faleceu no dia 2 de fevereiro de 2018.
Perdemos um amigo criativo, humilde, ético e inovador. Perdemos a maior referência publicitária do país. Com ele aprendi as bases do marketing e da publicidade.
A Talent, fundada pelo Julio em 1980, é responsável por campanhas memoráveis como “Não é assim uma Brastemp”, “Bonita camisa, Fernandinho” e “Pergunta lá no Posto Ipiranga”.