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Carta aberta aos podcasters

  • podcast

[artigo do autor originalmente publicado no Meio&Mensagem em 13/3/2017)

Acompanho podcasts há mais de cinco anos. Tem alguns podcasters que eu sigo obsessivamente, como fã mesmo, mas também adoro navegar em busca de novos programas e aprender sobre novos temas no mundo dos podcasts. Por outro lado, sou líder de marketing e comunicação de uma grande empresa. Aliás, atuo nessa área, bem como vendas, há mais de 20 anos, portanto, conheço muito bem a dinâmica dessas atividades dentro das grandes organizações. Escrevo esse texto com a credencial de uma pessoa que consome podcasts intensamente e trabalha em marketing dentro do mundo corporativo há muito tempo. Conheço bem os dois lados.

Essa é uma carta para você, podcaster, que sonha em fazer do seu podcast um negócio, que deseja sobreviver e crescer profissionalmente com seu podcast, que deseja se aproximar das agências de marketing para oferecer o seu podcast como um produto de marketing, que sonha com empresas patrocinadoras, com a expectativa de que o seu projeto cresça continuamente, de forma saudável, digna e com propósito. Ahhh, e que seja divertido também. Se você é podcaster e se encaixa nesse contexto, essa carta é para você.

Prezado podcaster,

Dias atrás eu ouvi um dos meus podcasters favoritos, meu ídolo mesmo, comentando sobre a dificuldade de conseguir patrocínio, de ter a atenção das empresas, das agências de marketing e dos gestores de marketing das empresas em relação aos podcasts. Fiquei ouvindo aquilo e imaginando o muro que separa essas duas personalidades: o podcaster e o líder de marketing das organizações. Por que esse muro é tão alto?

Primeiro é preciso compreender que o mundo do marketing hoje não é mais aquele emotivo e empírico, deixou de ser arte para ser científico e matemático. Agora, vivemos a era do ROI, das métricas, dos KPIs, da comprovação do retorno a cada real investido e por aí vai. Infelizmente, os podcasts são novas alternativas para o marketing das empresas que ainda precisam ser comprovados de forma tangível. Você está pronto para isso? Sabe responder? Consegue propor um projeto onde parte do patrocínio será remunerado em função de performance? Falar de benefício para marca, alcançar novos públicos e entrar em novos canais digitais é bacana, mas não será suficiente se você não levar junto uma forma de medir, provar e comprovar os resultados. Tá difícil? É difícil mesmo, mas essa é a realidade do marketing das empresas.

Outra questão importante é a falta de empatia. Infelizmente, nessa relação, você podcaster, é o elo mais fraco. É você que tem um negócio que ainda precisa ser provado, é você que tem que tomar a iniciativa de buscar parcerias e conseguir acesso aos recursos das empresas. Você tem que conversar com os líderes de marketing entendendo como a mente desses caras funciona e a realidade que essa turma vive diariamente. Ou seja, a palavra é empatia. Você tem que pensar com a cabeça deles e não com a sua de podcaster.

Por mais que você ache que o seu projeto é espetacular, ele ainda está longe de ser um produto vendável para o marketing das empresas. Portanto, vista as sandálias da humildade e melhore o seu projeto. Certamente ele pode ter mais brilho. Se o objetivo é “vender” que o podcast pode ser um excelente instrumento para o marketing de uma determinada empresa, então prepare-se para defender o seu podcast. Quais são os diferenciais do seu produto? O que ele tem que ninguém mais tem? O que ele entrega que os outros não entregam? Se você ainda não fez esse exercício, então é melhor nem pensar em sair de casa para buscar parcerias.

Um líder sênior de marketing de uma grande empresa é bombardeado rotineiramente. Todo mundo bate na porta dele com projetos mirabolantes, ideias muitas vezes mal construídas e pedidos infinitos de patrocínios. Desculpe se isso pode chocar, mas quando você bate na porta dele, você é apenas mais um na fila. Por isso, a chance de você se diferenciar é quase nula. Se o seu caminho for por meio de uma agência de marketing ou publicidade, acho que será mais árduo ainda. Sabe o Everest?

A situação pode até ser pior, pois muitos líderes de marketing carregam preconceitos pré-históricos a respeito de podcasts. Para eles, podcasts não passam de “um papo gravado entre amigos de bar”, realizado por amadores que não têm compromisso com nada. Esse preconceito atua como uma barreira invisível que precisa ser derrubada. Ou seja, talvez você se depare com gestores de marketing com os quais você precisará descontruir uma percepção muito negativa no instante zero.

Por outro lado, mesmo aqueles que conhecem podcasts, provavelmente não têm ideia do potencial desse canal. Aceitemos ou não, essa é ainda uma mídia desconhecida para muitos. Por isso, prepare-se para ter paciência e ser didático. Não torça o nariz se o seu interlocutor mostrar desconhecimento, falar besteira e fingir que conhece. Em vez de ser um obstáculo, tal situação pode se tornar uma boa oportunidade. Por isso, esteja preparado para falar do podcast de uma forma muito básica, começando no capítulo um. Antes de vender o seu projeto, você vai ter que investir tempo explicando o que é podcast.

Entenda bem o que vou falar: não adianta bater na porta de um líder de marketing oferecendo apenas o patrocínio ao seu podcast, dizendo que vai citar a marca dentro do programa, que ele vai alcançar um público diferenciado etc e tal. A chance de haver interesse em algo assim é bem pequena. Em vez disso, estude as necessidades de marketing daquela empresa, descubra como pensa o gestor de marketing, analise como o seu podcast pode endereçar um objetivo estratégico da marca. Vá bater na porta desse cara com uma proposta amarrada, claramente conectada com um objetivo e necessidade de negócio da empresa, já pense em como propor uma remuneração baseada no sucesso da jornada. A empresa quer crescer em alguma região específica? A empresa está tentando se aproximar de determinado público? A marca está lançando um produto para um segmento de mercado que anteriormente não atendia? Enfim, entenda bem essas necessidades, monte algo diferenciado, seja específico, e aí sim você aumentará a chance de ter sucesso numa abordagem de “venda” de seu podcast.

Se você é podcaster, então você é um apaixonado pelo que faz, um estudioso e um ser inquieto que pensa em podcast o tempo inteiro. Sua cabeça criativa é incontrolável, você está o tempo todo pensando e criando, adora liberdade e não gosta de ser direcionado, afinal, ser podcaster tem um lance de ser desbravador, mas também de ser independente. Desculpe pelo que vou dizer, vou falar numa boa, mas as empresas não gostam disso. A gente respeita, entende essa liberdade criativa e essa independência editorial, mas esse papo não vai rolar facilmente dentro de organizações que se preocupam cada vez mais com reputação, com gestão de marca, marketing de influência etc. Marcas não gostam de surpresas.

As empresas querem se associar a influenciadores digitais que se identificam claramente com sua marca, que assumam compromissos e cumplicidade, que sejam flexíveis e se adaptem às necessidades das organizações. Ou seja, influenciadores que sejam capazes de ajustar seus conteúdos e planos em função dos objetivos das empresas, que desenvolvam uma relação de transparência, de médio e longo prazo, que não precisem se pendurar em longos contratos quando uma simples conversa resolve alguma dificuldade. Como eu já disse antes, marcas não gostam de surpresas. Marcas gostam de previsibilidade, acordos transparentes e parcerias de verdade. O marketing das empresas não é o inimigo, ele é o parceiro, mas você precisa pensar com a cabeça dele.

Eu sei, eu sei, a vida não é fácil. Isso significa a eventual necessidade de você ter que mudar o seu podcast, “mutilá-lo”, se submeter aos caprichos do marketing de determinada empresa. Você pode pensar que vai perder a sua liberdade editorial, vai limitar a sua criatividade, vai podar a sua autonomia de falar mal de algumas pessoas e ter que se sujeitar a determinados limites que incomodam você profundamente. É isso aí, bem vindo ao mundo real dos negócios: complexo, competitivo, duro, controlado e estressante. Porém, se desejar, você pode continuar vendendo seu sanduíche natural na praia numa boa, de sunga, sem ninguém enchendo o seu saco e você tocando a vida, mas não vale continuar falando que ninguém quer investir no seu projeto.

Muito sucesso para você.
Amo podcasts!

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