O cara tem 53 milhões de seguidores no YouTube, é apontado como o maior youtuber do mundo e seu canal já alcançou quase 15 bilhões de views. Está rico, é uma das personalidades mais famosas no mundo online, mas ironicamente poucos o conhecem porque ele está conectado a um público específico. Ele começou publicando vídeos fazendo análise de videogames, mas, depois, com o ganho de notoriedade passou a falar sobre qualquer assunto. Seu jeito de fazer coisas chocantes e ridículas criou uma linha performática própria no YouTube, uma espécie de cultura particular de fazer vídeos que virou modelo e arrebatou um monte de youtubers, que tentam seguir seu estilo. A minha visão, muito pessoal, é que ele está sempre no fio da navalha, navegando numa linha tênue entre humor e mau gosto. Enfim, o sueco Felix Kjellberg, dono do PewDiePie, se tornou estrela. Em 2014, com os números estratosféricos alcançados pelo seu canal, o programa norte-americano South Park fez um episódio dedicado a ele. Com todo esse histórico nas costas, com todos os olhos em cima dele, o youtuber acaba de entrar numa confusão midiática.
O Vox publicou um artigo completo, descrevendo todos os detalhes do caso e seus desdobramentos, que vale muito a pena ler. Mas, falando resumidamente, ele publicou vídeos em janeiro onde aparecem pessoas segurando um banner com a frase “Morte para todos os judeus”, noutra situação ele afirma que “Hitler não fez nada de errado”, já em outro vídeo Kjellberg declara “É um pouco irônico que os judeus, de alguma forma, encontraram outra maneira de foder Jesus”. Todos esses vídeos foram removidos pelo youtuber, mas se você buscar no Google verá que eles estão pipocando por todos os lados.
O The Wall Street Journal – WSJ – se interessou pelo caso, fez uma investigação profunda em cima do canal do Kjellberg e encontrou nove vídeos postados desde agosto de 2016 que apresentavam imagens nazistas ou humor antissemita. O trabalho do WSJ foi detalhado e consistente, perturbando profundamente o youtuber, que respondeu à reação da mídia ao seu trabalho com um longo vídeo postado em 16 de fevereiro, no qual zombou da decisão do WSJ de cobrir a história, por ter levado o vídeo dele a sério, e criticou a mídia por ter citado as suas piadas, fora de contexto, com objetivo de fazê-lo parecer um nazista. Eis o que ele falou: “A investigação do WSJ e a subsequente cobertura foi um ataque da mídia para tentar tirar a minha credibilidade, tentar diminuir a minha influência e o meu valor econômico. Eu acredito fortemente que você pode brincar sobre qualquer coisa. Eu entendo que essas coisas têm consequências… eu reconheço que levei as coisas muito longe, e isso é algo que eu tentarei estar atento daqui para frente, mas a reação e a indignação têm sido nada além de insanidade”.
Um grande número de seguidores do Kjellberg foi a campo para defendê-lo, dizendo que o comportamento do youtuber não foi nada demais. Ou seja, para um grande número de fãs, aquelas brincadeiras foram mais algumas como tantas outras em seu canal. Ao analisarmos a evolução do número de fãs de seu canal, parece evidente que isso não trouxe problemas. Seu canal continuou crescendo a um ritmo de dezenas de milhares de novos seguidores por dia. No dia 16 de fevereiro, apenas nesse dia, ele registrou 108 mil novos assinantes de seu canal, um recorde.
A divulgação desses achados, a reação do youtuber e os desdobramentos seguintes, tiveram um efeito imediato na conta bancária de Felix Kjellberg. Ele perdeu duas parcerias importantes: a Disney Maker Studios e o Google. Eu confesso que não entendo muito bem os patrocinadores. Essas empresas sabem que patrocinam uma personalidade polêmica, com liberdade para criar e postar conteúdos, que tem um público jovem, específico e que gosta de ser irônico e polêmico. No caso acima, quando os patrocinadores abandonam o youtuber, eles podem estar desagradando um contingente enorme de fãs que não enxergam problemas nas gracinhas antissemitas de seu ídolo digital. Por outro lado, os não seguidores também ficam com uma percepção negativa por verem as marcas tendo que lidar com uma saia justa pública e extremamente polêmica. No fim de tudo, as marcas saem como as grandes perdedoras, independentemente da atitude que tomarem.
A recente história acima é emblemática e funciona como introdução para o que vamos conversar em seguida.
O termo “influenciador digital” virou moda e está em todos os lugares. Está na capa da revista Exame em circulação nas bancas (edição 1132 de 03/2017). Foi tema de uma longa matéria no Fantástico (da TV Globo) recente de 26/2/2017. As marcas já entenderam a oportunidade e estão se aproximando desses influenciadores como uma tática importante para complementar seus planos de marketing. No entanto, conectar uma marca a uma personalidade digital merece algumas análises, como vemos no caso de Felix Kjellberg, que indiscutivelmente é um dos maiores influenciadores digitais do planeta.
Quando a empresa contrata um influenciador digital, ela leva o pacote completo: o passado, o presente e o futuro desse influenciador. Leva o ser humano todo. A partir daí, tudo importa. O que a pessoa fez no passado, as histórias desconhecidas, as notas de matemática, a família complicada e as paixões escondidas. Apesar da enorme dificuldade de se obter esse histórico, tudo isso é possível de ser pesquisado, investigado e descoberto de alguma forma. Mas o real problema não é o passado, o problema é o futuro. Quando uma marca contrata um influenciador digital, ela leva também o futuro da pessoa… e o futuro, todos nós sabemos, a Deus pertence.
Como disse a Roseani Rocha em sua matéria “Vivendo e aprendendo”, publicada no M&M (edição 1749, de 27/02), um influenciador digital não é um ator. Ele está ali por inteiro, como ele é na vida real, para o bem e para o mal. Ele se mostra sem máscaras, com suas virtudes e defeitos, é meio “sou assim e pronto”. Essa legitimidade e realidade é que cria uma identificação com seu público, gerando engajamento.
Eu já escrevi várias vezes sobre os riscos de associar uma marca a uma pessoa. Tenho até uma história pessoal sobre isso que me marcou muito. Estude os casos de Ryan Lochte, Michael Phelps e Tiger Woods, todos atletas ícones em seus esportes de atuação, inabaláveis, que de repente protagonizaram situações totalmente imprevisíveis, tirando o sono de seus patrocinadores. Tais casos comprovam que os riscos, as dificuldades e os pontos de atenção aparentemente não mudam muito no mundo real e no mundo online. Mas existem diferenças.
Quando uma marca faz um contrato de patrocínio com um atleta como Michael Phelps, ela celebra uma parceria de médio ou longo prazo. É uma espécie de casamento, portanto, a relação tem que se cercar de cuidados. Quando a marca trabalha com influenciadores digitais em uma relação mais curta em termos de tempo, a relação é efêmera e oportunística, às vezes, sem tempo de desenvolver cumplicidade e legitimidade. É uma espécie de namorico de final de semana, numa balada. O problema aí é que o influenciador digital tem um alcance diferenciado em termos de público, e o que está publicado na web raramente pode ser apagado, é um conteúdo que se perpetua.
Esse novo tipo de comunicação que as marcas estão usando para levar sua mensagem a seus públicos ainda está dando os primeiros passos. Todos nós temos muito que evoluir nessa relação e recurso. O futuro dos influenciadores digitais e youtubers é algo ainda indefinido. Para se manter ativo, criar diferencial e manter alto engajamento com seu público, que sempre se renova, o influenciador digital tem que se manter criativo, buscar novos caminhos, ousar, até ser polêmico, se arriscar a fazer coisas novas para se manter relevante e diferenciado do resto. Muitas vezes, ousar significa andar no fio da navalha e fazer coisas nada tradicionais, o que pode ser um enorme fator de risco para as marcas associadas a esse influenciador. O caso do youtuber sueco é um espetacular exemplo desse “andar no fio da navalha”.
Quando uma marca se associa ou patrocina um influenciador digital ou um youtuber, ela está subliminarmente afirmando que apoia tudo que essa pessoa fala, pensa e faz com sua vida. É simbiótico. A dissociação é difícil. A marca pode até estar contratando o influenciador para ele falar sobre a sua nova linha de sapatilhas, mas ela leva o combo completo; naquele instante a marca está se casando com esse influenciador.
Um estudo financiado pela Expercity, e publicado recentemente, coloca mais molho nessa salada. O estudo concluiu que os micro-influenciadores digitais têm mais poder de persuasão do que as chamadas “celebridades digitais”. Micro-influenciadores são aqueles indivíduos que escrevem em blogs e publicam conteúdo próprio nas mídias sociais, mostrando paixão e conhecimento sobre determinado assunto. Muitos chamam essas pessoas de especialistas. Quase sempre são pessoas comuns que trabalham num setor específico ou têm conhecimento profundo de um determinado assunto, portanto, quando falam algo, falam com autenticidade. As ações e recomendações dadas por elas não são motivadas por compensação financeira. O estudo afirma que, apesar de uma audiência bem menor que as mega-celebridades, os micro-influenciadores geram muito mais engajamento, uma conversação mais genuína e de maior valor com seus seguidores. Trata-se de uma relação de valor e mais duradoura. Leia o estudo para entender essa dinâmica e constatar que existe um novo filão a ser explorado pelas marcas. Em vez de uma empresa se associar a uma celebridade digital, por que não se conectar com dezenas de micro-influenciadores digitais, montando uma rede com cobertura diversificada, engajada e muito menos sujeita a solavancos indesejados?
O crescimento e a consolidação das parcerias das marcas com influenciadores digitais é um caminho sem volta. Os benefícios são bem maiores que os riscos, mesmo considerando tudo que citei acima. A adoção de influenciadores digitais pode representar uma estratégia importante para uma marca, aumentando o engajamento e construindo relações de maior valor com seus clientes e fãs. Certamente, vale a pena as empresas entrarem nessa onda de forma planejada, experimentando e evoluindo, com cuidado de olhar o terreno no qual estão pisando.
Li há poucos dias um bom artigo chamado “Dez conselhos ao youtuber profissional“, assinado por Luiz Gustavo Pacete e publicado no M&M. Gostei muito do conteúdo e dos conselhos, bem completo e extremamente valioso para os youtubers que desejam se aproximar das marcas. Por outro lado, merecemos também conselhos para as marcas que desejam se “associar” a youtubers.
Que tal alguém pegar a caneta e montar uma lista? Aí a gente junta as duas listas e mistura tudo, afinal a parceria entre marcas e influenciadores digitais só vale a pena quando ambos ganham, se tornam cúmplices, na alegria e nas adversidades.