Nunca negligencie a capacidade de entendimento do cliente. A frase acima me foi dita no início da minha carreira em marketing e comunicação e eu nunca esqueci. A frase me veio de novo a cabeça quando tomei conhecimento do caso de marketing do Dodge Durango. Não conhece? Pare tudo e leia a excelente matéria “7 Lições que um idiota pode ensinar a um CMO“, mas volte depois para o meu post 🙂
A escolha do comediante Will Ferrell para construir e estrelar a campanha do Dodge Durango foi ousada por várias razões. Will Ferrell não é unanimidade, alguns dizem que ele se repete e perde prestígio por conta disso. Por isso a sua escolha de seu nome já seria questionável. Mas na verdade não é Will que estrela a campanha, é Ron Burgundy, principal personagem do divertidíssimo filme “O Âncora: A Legenda de Ron Burgundy”, interpretado por Will e lançado em 2004. O filme é uma comédia escrachada e alcançou sucesso retumbante. A crítica afirma que esse é o maior sucesso da carreira de Will Ferrell.
O problema é que Ron Burgundy é o anti-herói, um perfeito idiota, um ser bizarro, incapaz de concatenar um pensamento e completamente desconectado da realidade. Ele é um âncora “old fashion”, da década de 70. É aí que surge a principal ousadia da Dodge: colocar um personagem desacreditado para falar de seu produto.
A performance de vendas do Dodge Durango já vinha numa curva crescente desde o início do ano de 2013. Os novos comerciais com Burgundy foram lançados no dia 5 de outubro de 2013 e no final deste mesmo mês as vendas de Dodge Durango já tinham aumentado 59%, comparado ao mesmo período do ano anterior.
No dia 18 de dezembro o filme “Anchorman: The Legend Continues” foi lançado nos USA, já aqui no Brasil ele será lançado em fevereiro de 2014 e deverá se chamar “O Âncora 2”. A Dodge, sabiamente, fez a sua campanha pegar carona nesse lançamento pois havia uma enorme expectativa em torno do filme, que vem obtendo boa repercussão e fazendo sucesso. Todo o barulho no lançamento do filme ajudou nas vendas do carro e em Novembro as vendas do Durango foram 36% maiores do que o mesmo período do ano passado.
Ainda é muito cedo para afirmar que esta campanha é um sucesso de marketing e que gerou um real retorno em vendas, mas já podemos afirmar que os holofotes estão ligados e que trouxe relevância e diferenciais para a marca, especialmente por tratar-se de uma ação diferenciada e corajosa.
Dois pontos me chamaram a atenção: 1- Foram produzidos 70 vídeos, um número grande e variado de situações. Isso não é comum, normalmente as empresas optam por um número reduzido de vídeos e focam todo o esforço neles; 2- A Dodge tomou a decisão de dar liberdade total criativa para Will Ferrell. O ator escreveu, atuou e dirigiu os vídeos sem nenhuma ingerência do cliente, o que é algo bem inusitado nesse tipo de projeto.
Cabe citar que o segmento de automóveis é altamente competitivo, um mercado hostil e nervoso. As ações de marketing dos fabricantes são parecidas e focam em mostrar repetidamente os benefícios e diferenciais de seus produtos, agregando ou não um toque de humor. São raras as inserções fora dessa fórmula. Uma bela experiência que virou um caso de sucesso no Brasil foi o “Pôneis Malditos” da Nissan, lançado em 2011, algo inusitado que virou viral na web e não apenas alavancou as vendas da Nissan Frontier, que era o propósito inicial da ação, mas ajudou no aumento de vendas de todos os carros da montadora no país. Meses depois a empresa tentou repetir a fórmula lançando “Pôneis Malditos 2“, mas não obteve tão bons resultados como na empreitada inicial.
A coragem e ousadia da Dodge em sua ação com Ron Burgundy me trouxe 3 boas lições:
1– Emoção com criatividade A atenção das pessoas sobre um produto não é algo puramente racional. A emoção para criar relevância e interesse é muito ou até mais importante que a razão. A Dodge deixou a racionalidade de lado e partiu para criar algo novo e surpreendente, entregou toda a criação para Will Ferrell e optou por uma mensagem divertida, irreverente, criativa e fora dos padrões. Se fosse uma mensagem racional, qualquer concorrente poderia contra atacar, mas como competir com Ron Burgundy? A Dodge estabeleceu uma nova arena onde os concorrentes não conseguirão dar uma resposta facilmente. A liberdade dada a Will Ferrell me parece que fez toda a diferença.
2– Humor inteligente As pessoas gostam de humor inteligente. As empresas devem se permitir brincar e ironizar os seus próprios produtos. Não negligencie a capacidade das pessoas de entenderem as coisas. A mensagem final da Dodge é simples, algo assim: “Veja o meu produto, ele é muito bom, considere-o na próxima compra, vem conhecê-lo”. Em troca do bom humor criativo oferecido pela companhia as pessoas tem ido mais as concessionárias para conhecer o produto da Dodge e dar uma chance de serem convencidas de que a compra vale a pena. Os indicadores mostram aumento no número de pessoas visitando as concessionárias e comprando o produto.
3– Coragem e ousadia Quando você não é o dono de uma grande verba de marketing e precisa se destacar dentro da selva da concorrência, considere a possibilidade de fazer algo completamente diferente do padrão de mercado. Não acredite que fazer “mais do mesmo” vai trazer resultados diferentes. Aceite fazer algo assustador e inusitado. Essa ousadia dará a chance de ser alavancado e ganhar relevância. Foi isso que aconteceu nas ações da Dodge e da Nissan, cujos competidores diretos têm muito mais verba de marketing e fazem campanhas de grande impacto.
Veja abaixo 5 filmes comerciais do Dodge Durango com Ron Burgundy, selecionados por mim, para que entenda o mecanismo da campanha e o espírito da mensagem… e aproveite para conhecer o melhor porta-luvas da galáxia !!!! 🙂 Mas se você quer mesmo se divertir vá no canal da Dodge no YouTube. Eu me diverti muito e fiquei bem curioso de conhecer melhor o Dodge Durango.