É difícil para ser verdade, mas esse, finalmente, é o último post da minha experiência no Festival de “Publicidade” de Cannes. Não deixe de ver os posts anteriores. Parte 1 Parte 2 Parte 2 e 1/2 Parte 2 e 3/4
Apesar da minha imensa vontade de falar da linda cidade de Cannes, dos seus tipos estranhos e engraçados, das celebridades do evento e até das casualidades que presenciei durante os meus dias por lá, eu vou me segurar e me concentrar em falar do evento. Vamos lá…
Uma discussão que rolou nos corredores do Palais foi a respeito do futuro do evento, agora chamado de Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions. Essa é a 58a. edição, ou seja, um evento com história. Até o ano passado o nome era “Festival de Publicidade”. A substituição da palavra “publicidade” por “criatividade” já sinaliza que o evento está em transição, mas a mudança fica evidente ao ver a agenda, o perfil do público participante e o papo nos corredores e auditórios. O post “Uma platéia executiva em Cannes“, de Marili Ribeiro em seu blog do Estadão, resume muito bem essa situação. Eu concordo com aqueles que chamam o atual evento de Feira de Negócios. Ver CEOs no palco, apresentações sobre efetividade de campanhas e painel sobre novos modelos de negócios, são exemplos de um evento muito além de um Festival de Criatividade. Enfim, eu apreciei muito o desenho do evento.
É sempre ótimo ver CEOs no palco dando seus recados para a turma da publicidade. Essa conexão é fundamental. E, no evento desse ano, vieram os CEOs de dois gigantes: Nestlé e Unilever. Imperdível.
Paul Polman, CEO da Unilever, disse: “Eu não trabalho para a Unilever, eu trabalho para o cliente“, e gastou um bom tempo falando sobre as mudanças do comportamento do consumidor. Deu a visão dele, como líder de uma grande empresa, a respeito do novo marketing para as empresas e da importância da voz das pessoas vinda das redes sociais. Polman sinalizou três grandes direções: 1- o shift da economia mundial dos mercados maduros (USA e Europa) para os mercados emergentes, como Ásia, Leste Europeu e América Latina; 2- a revolução digital que gera grande impacto no marketing, comunicação e na sociedade em geral; e 3- a era da sustentabilidade. Eu não sabia, mas Polman disse que, atualmente, mais de 50% do faturamento da Unilever já vem dos mercados emergentes (fora USA e Europa). Em 2020, essa parcela deverá ficar entre 70 e 75%. Isso justifica o movimento intensivo dos recursos internos da empresa (pessoas, capital e investimentos) para esses novos mercados. Aliás, os mercados emergentes tiveram grande destaque no Festival de Cannes, é só verificar o número de casos inscritos, destaques e prêmios. O mundo está realmente em movimento.
O CEO da Nestlé, Paul Bulcke, começou dizendo: “nós somos uma companhia de marketing, esse é o nosso DNA“, “a Nestlé só existe porque os consumidores acreditam na gente” e “nós nos conectamos com as emoções dos consumidores”. Falou muito sobre branding e mídias sociais. Disse que as mídias sociais são “core” no marketing da Nestlé pois permite um diálogo permanente com o consumidor: “através das mídias sociais nós conseguimos entrar nas casas dos consumidores, trocar receitas, conhecer a dona de casa, entender o que eles gostam e querem”. Veio da platéia uma pergunta para ele: “Comida é algo muito ligado a cultura, os sabores, as características e os desejos variam muito, de lugar para lugar, Como a Nestlé, uma empresa global, lida com isso?” O CEO respondeu simplesmente assim: “Global exploration, Local execution”. Bulcke falou que a Nestlé tem uma imagem global, mas a execução é muito descentralizada. “Nós deixamos as pessoas locais tomarem as decisões. Existem sabores diferentes de café no mundo todo. Cada lugar gosta de um café diferente. Nós respeitamos isso e essa é a nossa força. Consumo de comida é algo bem cultural e bem local, nós temos mais de 6 mil submarcas no mundo, muitas marcas regionais e locais, e vamos continuar assim”. Ele falou várias vezes sobre o Brasil, mostrando que esse é um mercado importante para a Nestlé. Bulcke recebeu a seguinte pergunta da platéia: “Como você faz para manter e fomentar inovação numa empresa enorme como a Nestlé?” A resposta foi que a empresa tem 3 focos: 1- “Tentamos de todas as formas descentralizar as decisões. Numa grande empresa, os processos e controles asfixiam a criatividade e a inovação. Entregamos as decisões para quem está perto do consumidor. São eles que entendem o que o mercado deseja”; 2- “O backline e o frontline têm que estar separados. O backline é aquele pessoal que administra e opera o dia a dia da empresa. O frontline são aqueles que estão na frente dos consumidores. O backline consome a empresa e inibe a criatividade, eles estão preocupados com custos, processos e controles. Os grupos têm que trabalhar separados para preservar o frescor e criatividade“; 3- “Olhamos o mercado o tempo todo. Falamos o tempo todo com os consumidores. Estamos sempre vendo o que os concorrentes estão fazendo”.
Além da presença dos CEOs, que faz pousar a aeronave do mundo real dos negócios no evento, é muito interessante ver as novas mídias e a web participando ativamente de todo o programa. Google, YouTube, Facebook, Yahoo e outros estiveram no festival, com presença muito efetiva e marcante. A Google, por exemplo, patrocinou o Young Lions.
O surgimento de novos meios e alternativas está virando de cabeça para baixo o mercado publicitário. Em 2010, foram gastos mais de 450 bilhões de dólares em publicidade em todo mundo. É muito dinheiro. Essa é a maior razão das discussões em Cannes. Como proteger esse investimento e criar modelos de negócio que sustentem o crescimento dessa indústria? Por trás disso existe um mundo que terá mais de 9 bilhões de habitantes em 2050, que certamente será formado por usuários intensivos de smartphones (ou devices que terão outro nome!!), mídias sociais e bilhões de gadgets conectados. O potencial do mercado publicitário está se expandindo exponencialmente, e a agenda dos participantes do Festival de Cannes parece estar muita mais interessada em discutir isso do que ficar confinado na questão de criatividade. Voltamos de novo na questão da mudança da agenda do evento… Como escreveu Marili Ribeiro do Estadão em seu twitter: “Cannes expõe inimigos. Da rede de agências não é outra rede, mas as redes sociais. Comunicação híper segmentada tira receita da publicidade”
Uma outra novidade em Cannes foi a inclusão de uma apresentação do TED na agenda. O anfitrião entrou no palco, se apresentou e explicou o que era o TED e sua proposta, que basicamente é trazer profissionais, muitos deles desconhecidos da maioria do público, para apresentar opiniões e compartilhar conhecimento, sempre em apresentações com 20 minutos de duração. Para Cannes, o TED trouxe dois apresentadores e uma poetisa. Ver o TED nesse tipo de evento é uma oportunidade de oxigenação para o mundo publicitário. Porém, mantendo o teor de criatividade, a jovem e excepcional poetisa Sarah Kay fez o público sonhar ao dizer: “Quando olho para o céu numa noite de tempestade, eu penso que é Deus tirando fotografias lá de cima“.
Em tempo, a AlmapBBDO conquistou mais uma vez o título de Agency of the Year do Festival de Cannes, prêmio que já havia conquistado em 2010 e em 2000. Com a vitória deste ano, o Brasil soma seis conquistas no Agency of the Year. A AlmapBBDO foi a vencedora em 2011, 2010 e 2000. A DM9DDB ganhou em 2009, 1999 e 1998. E a F/Nazca S&S venceu em 2001.