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Meu amigo Jean-Paul Jacob: mito e gênio



Tenho ainda a cena imortalizada em minha mente. Cheguei atrasado no grande auditório. Algo imperdoável para um evento lotado e para quem estava ansioso para assistir o palestrante. Eu entrei pelo fundo do auditório lotado com mais de 300 pessoas, muitas em pé. Ele estava na frente, reinando sozinho no palco. Na mão direita segurava o microfone e na esquerda levantava um sapato preto, bem engraxado, dizendo que no futuro os sapatos iriam gerar toda a energia que precisamos para as pequenas coisas no dia a dia. Ele argumentava que nossos sapatos gerariam e acumulariam energia a partir das nossas caminhadas.


A pessoa no palco, naquele dia, era Jean-Paul Jacob, ou apenas JP. Esse evento ocorreu em alguma data no início dos anos 90, em São Paulo. JP fez uma palestra de quase duas horas fazendo previsões de como a tecnologia transformaria a vida das pessoas em 20 anos. No final, a plateia, de pé, bateu palmas durante dois minutos, sem interrupção. Um pouco mais de quinze anos depois, nos Estados Unidos, começaram a surgir pedidos de patentes para sapatos carregadores de energia. Apesar de muitas tentativas, nenhuma empresa até hoje conseguiu lançar um produto viável comercialmente nessa linha.


Dias atrás, nesse mês de abril de 2019, JP se foi. Faleceu na Califórnia, onde viveu a maior parte de sua vida. Fomos amigos de conversa durante muitos anos. Muitas vezes de conversas viajantes de futuro, mas muitas outras para conversar apenas futilidades. Falávamos por telefone, por email e ao vivo, quando ele vinha ao Brasil. Quando ele começou a ter problemas de saúde, anos atrás, eu criei uma página no facebook chamada “Amigos do Jean-Paul”, que teve boa receptividade e atingiu quase 1 mil amigos.


Eu e Jean Paul Jacob

Em uma época que não existia o termo “influenciador”, JP foi a personificação da inovação e futurologia, com grande eminência nas comunidades de tecnologia da informação nas décadas de 80 e 90. Suas palestras eram esperadas e cercadas de grande expectativa. Suas previsões ousadas, algumas improváveis, cercaram o imaginário de muita gente, inclusive Jô Soares, que levou JP em três edições do famoso program de TV Jô Onze e Meia.


JP se formou engenheiro eletrônico pelo ITA (Instituto Tecnológica de Aeronáutica), com mestrado e doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley. Foi professor, mas dedicou a maior parte de sua vida profissional na área da ciência e pesquisa, especialmente na IBM e na UC Berkeley. Trabalhou em diversos lugares no mundo, recebendo mais de 50 prêmios ao longo de sua carreira, bem como dezenas de títulos por seu trabalho como pesquisador. Se você trabalha na IBM, talvez se depare um dia com uma sala chamada “Jean Paul Jacob” no 13o. andar na sede da IBM em São Paulo. Foi uma singela homenagem ao homem que criou a sua própria marca, em um tempo onde tecnologia de ponta ainda era algo para poucos.


A melhor definição para JP é futurólogo. Toda a sua vida foi dedicada para olhar para frente. Ele dizia: “olhe sempre onde você vai pisar e não onde você já pisou”. Como qualquer futurólogo, JP acertou muitas previsões e errou algumas. Porém, mesmo aquelas que ainda não deram certo, ainda me parecem muito prováveis de acontecer, como a previsão de que vamos usar a condutividade elétrica da pele e do sangue para interconectar “coisas” que carregamos no corpo, criando uma rede própria individual.


Ele falava em “wearables” quando essa palavra nem existia ainda. Lembro bem dele falando sobre isso em suas palestras. Aliás, lembro dele falando de internet das coisas, robótica, e-readers, o fim do LP e o surgimento do CD laser, câmeras digitais, mundos virtuais, internet 3D, etc. Como curiosidade, ele tinha sérias desconfianças do potencial da inteligência artificial.



JP era uma figura emblemática. Ele tinha um tipo físico peculiar: alto, corpo avantajado, uma grande barba preta e cabelo cheio, bem pintados, óculos grandes e sempre com as lentes limpas. Era extremamente obcecado pela perfeição e pelos detalhes. Em suas palestras, ele precisava ter a garantia que tudo estava controlado e testado. Criticava o som, a luz, deixando qualquer equipe de produção perturbada. Apesar de vaidoso, o gênio gostava de coisas simples, como um prato de camarão e ouvir música clássica. Seu magnetismo estava centrado em seu enorme poder de comunicação e sedução. Falava português, inglês, francês, alemão e espanhol. Por trás de tudo, havia um perene e extraordinário senso de humor, com um nível de criatividade super high ultra top, acompanhado de um sorriso largo, escondido pelo bigode e barba.


JP passou a vida toda imaginando e planejando o futuro. Foi um agente de mudança, impactando a vida de milhares de pessoas. De toda a sua história, a que ficou melhor registrada foi a trilogia de suas entrevistas para o Jô Soares. Esse foi um tesouro enterrado durante muitos anos e apenas descoberto anos atrás, em uma antiga fita VHS encontrada pelo próprio JP em sua casa. Estava lá, em um canto do armário. São vídeos de significativo valor histórico.



No dia 2 de dezembro de 1991, Jô Soares comandou uma entrevista histórica com JP, no seu antigo programa Jô Onze e Meia, ainda no SBT. Numa era em que a tecnologia da informação e a internet ainda estavam dando os primeiros passos, JP e Jô travaram uma conversa divertidíssima sobre o futuro dos computadores, mundo multímidia, inteligência artificial, internet e super condutividade. A entrevista toda foi sensacional, mas a magia aconteceu no final, quando JP demonstrou a super condutividade ao vivo, fazendo uma pastilha de cerâmica levitar, diante dos olhos e das bocas boquiabertas do público, inclusive do próprio Jô. Ainda mais no finalzinho, já no encerramento, JP tinha que se desfazer do nitrogênio líquido (que é perigoso e de difícil manipulação) e decidiu jogá-lo no chão, criando uma espécie de fumaça. A câmara captou o momento e Jô Soares se espantou. JP simplesmente comentou: “Estou devolvendo ar ao ar”.


A entrevista teve tanta repercussão, que Jô trouxe JP mais uma vez para o seu programa, desta vez em 1992. Nessa entrevista, a conversa voltou a ser sobre futuro e transformações. Falou-se sobre robôs miniaturizados introduzidos no corpo humano e computadores pessoais multimídia, que eram super novidades naquele ano. É divertido compararmos essa conversa com os dias de hoje, onde temos smartphones e dispositivos super sofisticados em nossas mãos. Foram quase 40 minutos de diálogo e quase nada se falou sobre internet, que naquela época era algo ainda incipiente e poucos conseguiam estimar a dimensão transformadora que ela traria à sociedade.


Completando a trilogia, Jô voltou a entrevistar JP em 1996. Nessa nova conversa, as estrelas da conversa foram os laptops multimídia e, principalmente, a internet. Muito interessante a demonstração feita por JP de busca na internet sem usar o Google, até porque o Google ainda não existia. Ver o JP fazendo as demonstrações é estranho, pois mostra como éramos bebês ingênuos na jornada de transformação da tecnologia. É incrível ouvir o JP falar naquela época em wearables, parecia algo de um futuro muito distante e improvável.


Em homenagem ao meu querido amigo, compartilho os links da trilogia. Estou certo que vão curtir.



ENTREVISTA 1 – em 1991




ENTREVISTA 2 – em 1992




ENTREVISTA 3 – em 1996



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