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O lado shakespeariano dos Comunicados

Hoje, ao abrir o jornal, eu vi um comunicado que me motivou a escrever esse post. Antes, é preciso esclarecer o que chamo de comunicado. Estou falando daqueles comunicados que nós vemos nas mídias impressas (tipicamente nos jornais), que muitas vezes aparecem com a frase “informe publicitário” em cima, ou algo parecido. São anúncios retangulares, que normalmente ocupam ¼ ou ½ pagina de jornal. Eu já vi alguns comunicados de pagina inteira, mas são raros. Eu não estou falando dos anúncios de obituário não… olha lá.

O comunicado é um recurso usado pelas empresas para esclarecer algum assunto não comercial (para assuntos comerciais o caminho usado é o anúncio publicitário tradicional), que muitas vezes diz respeito a alguma enrascada em que as empresas estão metidas ou alguma situação onde a credibilidade e respeito pela marca correm perigo. É claro que também existem comunicados anunciando fatos positivos. Muita atenção para não confundirmos com o press release tradicional. A publicação do comunicado segue o mesmo procedimento do mercado publicitário, ou seja, a empresa paga ao veículo pela publicação do comunicado.

O grande lance do comunicado não é comunicado em si, que normalmente tem uma linguagem burocrática, coloquial, e que passa pelo crivo de toda equipe jurídica da empresa (provavelmente até a mãe do diretor jurídico também dá pitaco no texto do comunicado). O “X” da questão do comunicado é: publicar ou não publicar o comunicado. Essa decisão merece reflexão. É o lado shakespeariano. “To be or not to be”. “To publish or not to publish”. Isso, tradicionalmente, é um dilema para as empresas, é motivo de muitas reuniões internas. Ao publicar um comunicado, a empresa mostra publicamente que está preocupada com aquele assunto, que aquele tema é muito importante para ela. Dependendo do assunto, se for algo muito sensível, o comunicado pode evidenciar uma falha ou risco que fragiliza a empresa, e acaba dando conhecimento amplo para o público quando apenas parte dele provavelmente conhecia o problema. A imprensa aproveita também para comentar que tal empresa publicou tal comunicado porque tal problema está acontecendo. Enfim, o comunicado tem grande chance de pautar a mídia.
Obviamente que existem comunicados do lado “positivo da força”, como por exemplo, a comunicação de uma fusão ou aquisição. Existem outros complicados, como o tradicional “recall” (muito comum para as montadoras de automóveis), que normalmente são publicados por imposição da lei.

Eu lembro que na crise dos Correios em 2005, quando muitas empresas foram citadas nos casos dos Correios e do Mensalão, ocorreu uma profusão de comunicados nos jornais. Foram mais de 50 comunicados publicados em apenas 30 dias. Eu estudei todos eles profundamente. Desde então eu passei a colecionar comunicados e tenho mais de uma centena comigo. Têm de tudo, alguns muito positivos, alguns inadequados e alguns bem ruins. Estou me tornando um “expert” nisso…
Existem muitas empresas que não consideram o uso de comunicados em sua estratégia de comunicação, enquanto outras usam e abusam desse recurso. Um uso também muito tradicional de comunicado é o que saiu hoje no “O Globo”, quando determinado evento público sofre alguma mudança não programada de grande impacto. Veja ao lado. Clica em cima para ampliar.

Voltando ao começo do post, o que me motivou a escrever sobre esse temas foram dois comunicados publicados hoje no “O Globo”. Um da Votorantim e outro da Whirlpool (dona as marcas Brastemp e Consul). O pano de fundo é o mesmo nos dois casos: a crise global que se aprofunda a cada dia. Essa crise vem trazendo sérios transtornos de negócio em todos os mercados. Essa sucessão de fatos já começa a afetar algumas marcas globais, que muitas vezes acabam entrando em notícias especulativas ou contraditórias, impactando diretamente sua credibilidade, podendo criar uma espiral negativa de difícil de reversão. Nessa hora, a empresa muitas vezes tem dificuldade de se posicionar na imprensa ou a própria imprensa não dá espaço para a empresa se pronunciar. É aí que o recurso do comunicado pode ser muito oportuno e conveniente.

Dois comunicados de hoje, no jornal, endereçam exatamente esse ponto.
No primeiro, a Votorantim esclarece que não tem exposição cambial, que sua geração de caixa é saudável, que tem uma história de 90 anos e que mantém sua crença no desenvolvimento do país.

O outro me chamou ainda mais a atenção. A Whirlpool publica um comunicado convidando às pessoas a refletirem sobre a atual situação dos mercados, no Brasil e no mundo. Ou seja, é a empresa pedindo para as pessoas pensarem sobre o que está acontecendo. No final, a Whirlpool reitera o compromisso da empresa com o país e com os consumidores. Enfim, é um comunicado diferente, não muito tradicional, ele não comunica um fato específico , ele simplesmente pede para as pessoas pensarem. Enfim, vale refletir sobre o comunicado e a estratégia concebida pela empresa.

Voltarei ao tema em breve. Veja os comunicados abaixo. Clica em cima para ampliar.