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O que as marcas podem aprender com as manifestações de rua

No dia 17 de julho eu participei de um painel chamado “Mesa-Redonda Já“, organizado pelo Grupo In Press. O tema não poderia ser mais pertinente com o momento que vivemos hoje: Qual o impacto das manifestações populares para a comunicação e para as marcas? Estive acompanhado de Cora Rónai (cronista e colunista do O Globo), Elis Monteiro (jornalista especializada novas mídias) e Pedro Trengrouse (professor da FGV e consultor de marketing esportivo). A conversa foi ótima. Confesso que, ao ser convidado, me senti numa armadilha pois esse é um tema com muito mais perguntas do que respostas. De forma geral, as empresas ficaram (e ainda estão) perplexas com tudo que está se passando.

Cora disse que existe uma insatisfação geral com tudo. A mídia foi pega de surpresa quando os protestos começaram, pois ela não estava preparada e teve muita dificuldade de lidar com isso. Cora apresentou um ponto importante e transcrevo aqui a frase dita por ela: “Eu acho extremamente perigoso qualquer marca tentar se associar às manifestações porque ninguém quer ninguém representando a gente”. E Cora citou o exemplo da Fiat: “a marca FIAT entrou por acaso na onda porque as pessoas escolheram espontaneamente o mote #vemprarua. Qualquer pessoa que tente tirar partido disso está ferrada”. Ela afirmou que, dentro “desse saco de insatisfações”, existe uma insatisfação com a publicidade dirigida, a publicidade que promete uma sensação de felicidade irreal e que cria uma expectativa inexistente. “Há uma pretensão de promessa de satisfação que sabemos que não vem dali. É um momento delicado. O que se quer de políticos e das marcas é uma grande sinceridade,


transparência e abertura. Uma marca que se apresente assim hoje tem muito mais chances de dar certo. Sem fingimentos. Ninguém aguenta mais fingimento ou ideias que vêm de cima para baixo”. Enfim, as mídias sociais deram voz para todas as pessoas. Hoje todo mundo é igual e as pessoas estão se manifestando, querendo participar.

Elis Monteiro falou uma coisa interessante: “A FIFA teve um grande papel nessa historia toda”. A exigência do padrão da FIFA virou mote das manifestações. Elis também disse que “não é verdade que existe uma vida real e uma vida virtual. Nós somos um só. As pessoas começaram a expor as suas insatisfações. E não só sobre o governo, mas também sobre empresas. A partir de agora as empresas tem que entender isso”.

Do meu lado, ao ser indagado se as manifestações trouxeram ameaças ou oportunidades para as empresas, eu não tive dúvida ao responder que foram ameaças. Tudo que não entendemos e não temos clareza se tornam ameaças, e foram assim que as empresas enfrentaram as primeiras semanas de protestos. As empresas viram perigo. De repente, tudo que era relacionado à Copa do Mundo e à Fifa era ruim. A maioria das empresas, especialmente as grandes, recolheram seus times e se calaram. Não havia clareza do que acontecia e para onde isso tudo estava indo. Por outro lado, algumas empresas, especialmente pequenas e médias, enxergaram oportunidades e agiram. A bem da verdade foram oportunidades táticas, quase de guerrilha, mas souberam aproveitar.

Olhando o mundo corporativo, frente aos protestos, eu vejo 3 perspectivas distintas:

1 Marca É uma visão institucional. Como posicionar a marca frente a esse momento nacional? Existe interesse de vincular a marca à esse movimento? Qual é o papel cidadão da marca frente à sociedade?

2 Relacionamento com os Clientes Como responder e tratar a demanda dos clientes por uma ação da empresa? Como agir quando os clientes pedem uma ação e posicionamento de sua marca favorita ou fornecedor?

3 Relacionamento com os Funcionários Qual é o papel da empresa frente aos funcionários? Como agir se os funcionários pedem apoio e participação da empresa nesses movimentos? Como garantir e apoiar o lado cidadão e democrático de cada funcionário?

São 3 perspectivas bem diferentes. Todas complexas e de difícil análise e resposta. A maioria das pessoas se concentra muito na pergunta 1, mas a pergunta 3 tem uma importância fundamental, pois é algo ligado a cultura corporativa, ao desempenho do papel da empresa como empresa cidadã, é fazer a empresa sair do discurso e mostrar na prática a verdadeira personalidade. Um colega disse que na empresa onde trabalha as mídias sociais não são liberadas para uso interno, e que a empresa foi muito pressionada pelos empregados para mudar esse posicionamento naquelas semanas onde as manifestações foram mais intensas. As redes sociais desempenharam um papel importante de comunicação e engajamento. Os principais movimentos foram organizados e noticiados através das redes sociais, numa velocidade não absorvida pela imprensa e pelos canais tradicionais de comunicação. No meio disso tudo surgiram canais alternativos, não tradicionais, como o Midia Ninja, que se projetou ao cobrir (e continua!!) os protestos ao vivo e arrebanhou milhares de seguidores.

O fato é que as marcas estão diante de um novo consumidor: o consumidor cidadão. Aquele que pensa em “real time”, que se preocupa com a sociedade, que reivindica, que tem poder de influência, escolha e é dono de sua voz. O consumidor quer empresas com compromisso social, que entreguem algo mais do que meramente um bom produto ou um bom serviço. Infelizmente, de forma geral, as empresas ainda não sabem lidar com esse novo consumidor, exigente e porta-voz obsessivo de suas marcas.

Destaco duas matérias muito interessantes e que valem sua leitura. São matérias que apresentam casos de empresas que souberam aproveitar a onda das manifestações. Tire você mesmo suas conclusões, mas vale ler.


A situação do país ganhou repercussão internacional. A Advertising Age publicou uma matéria de capa sobre o tema, cujo o título foi “Marketers Brace for Big Shows in Crisis-Torn Brazil“, mostrando que o impacto das manifestações sobre as marcas é sério e não vai por aí. Existe uma concordância entre os líderes patrocinadores da Copa do Mundo de que o evento de 2014 será usado como plataforma do povo brasileiro para ganhar atenção do mundo sobre suas insatisfações e reivindicações.

Ainda estamos todos deglutindo o cenário atual do país, mas algumas grandes empresas já mostram ousadia e usam os protestos dentro de suas ações de marketing.

A Coca-Cola incorporou uma cena dos protestos dentro de uma versão do comercial internacional “Câmeras da felicidade”. Acho que foi bem feito e pertinente.

Por outro lado, a Folha usou os protestos como pano de fundo para a campanha que reforça o seu posicionamento de “Siga a Folha”. Particularmente eu não gostei. Me deu a impressão que a Folha tentou se apropriar um pouco dos protestos.

Por fim, não deixe de ver o excelente e curto vídeo produzido pela V-Brand que resumiu muito bem o debate organizado pela In Press.

Texto publicado no blog do Meio&Mensagem

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