Eu joguei futebol de salão na minha adolescência. Participei do campeonato carioca durante anos, com jogos oficiais e cronograma de competição. Eram treinos semanais e jogos nos finais de semana, durante o ano inteiro, misturados com a minha rotina de estudante e início de vida profissional. Todos os técnicos que tive me marcaram em cima. Eu não era um jogador virtuoso e tão criativo quanto alguns outros, mas era disciplinado taticamente. Treinava bastante e seguia as ordens do técnico. Sempre tive um olho na bola e o outro no técnico.
Ao longo do tempo, fui aprendendo a manha. Por mais disciplinado taticamente que eu fosse, os diversos técnicos com quem trabalhei não me viam como alguém decisivo, que pudesse liquidar um jogo, ou um jogador com um futebol rompedor que pudesse virar um jogo difícil. Notei que alguns colegas do time seguiam as ordens nos treinos, mas nos jogos eram mais espontâneos taticamente, tentavam coisas diferentes, nem sempre ficavam estritamente presos às ordens da comissão técnica. Ou seja, tinham os dois olhos na bola.
Lembro de que nos primeiros anos eu tive um técnico que vivia falando “chuta!”. A filosofia dele era simples: passa imediatamente a bola para o primeiro jogador livre e chuta para gol em qualquer oportunidade. Ou seja, a regra era não prender a bola e não ficar elaborando muito as jogadas. Ele queria objetividade e resultado. Ele vivia falando que nosso objetivo era “ganhar o jogo” e não fazer bonito. Naqueles meus primeiros anos, acho que ouvi milhares de “chuta”, era o técnico repetindo o seu mantra à exaustão.
Curiosamente, o técnico seguinte tinha um perfil diferente. Era mais tático, preocupado com o posicionamento dos jogadores na quadra, falava em “rodiziar” a bola até temos uma chance clara de chutar para gol. Lembro dele falando na beira da quadra: “roda a bola”, “passa”, “gira”, “prende a bola”. Ele falava em termos paciência até a chance de gol surgir, para então chutarmos.
Ao longo dos anos me relacionei com técnicos diferentes, mas nunca esqueci do primeiro. O “chuta” entrou na minha cabeça para sempre. Para vencer o jogo, a gente precisava chutar para o gol, e prender a bola não era comigo. Levei essa filosofia para o trabalho. Chutar para mim é executar, entregar os projetos, buscar o resultado, não é gastar tempo e energia dando voltas, nem planejando eternamente e “rodando a bola”.
Quando entrei em marketing, há mais de 20 anos, me deparei com vários mundos, entre eles o mundo do planejamento e o mundo da execução. Vivi por muito tempo (e ainda vivo) o dilema do balanço entre planejar e executar.
Às vezes, lindos projetos se arrastavam no planejamento, pois nunca estavam suficientemente bons e seguros para serem executados. Viviam no powerpoint e nos redemoinhos das reuniões infindáveis.
Desde então convivo com uma pergunta de difícil resposta: quando um projeto de marketing está suficientemente pronto para sair do papel e ir para a execução? O que vale mais a pena? Um plano bom, simples, rapidamente construído, com riscos, mas possível de ser executado imediatamente… ou um projeto excelente, complexo, com riscos super mitigados, porém, longamente construído e que demora uma eternidade para ser executado?
Qual dos dois efetivamente contribui mais para o negócio? Qual é o ponto de equilíbrio entre esses extremos? Obviamente que são situações hipotéticas e a vida real transita no meio de tudo isso.
Eu sei que execução não existe sem planejamento. Não é necessário nenhum debate a respeito. Planejamento significa definir metas e objetivos, ter um bom diagnóstico da situação e do mercado, ter clareza do público-alvo, organizar o trabalho, garantir a competitividade do negócio, analisar os resultados, enfim, ter uma estratégia clara do que, quando e como fazer. Também sei que a inovação muitas vezes reside no planejamento, que desponta um caminho diferente ou possibilita uma abordagem criativa.
Ou seja, planejamento é algo super hiper ultra importante para marketing. Cabe dizer que em toda a minha vida de marketing eu tenho convivido com planos, refação de planos, alguns complexos, outros “simplinhos”, mas sempre cercados de expectativas desafiadoras, com a barra sempre no alto. Portanto, não precisamos discutir a importância do planejamento.
O fato é que, ao assumir posições de liderança ao longo da minha carreira, o “chuta” foi ficando cada vez mais importante para mim. A minha principal missão é colocar os projetos na rua, tirá-los do papel para o mundo real, buscar os resultados com as ferramentas e recursos que tenho em mãos, sem esperar que coisas caiam do céu e que eu tenha todas as condições sob controle. Aliás, as condições de jogo parecem cada vez mais complexas.
Cada dia que atraso a execução de um projeto é uma vantagem que dou para os competidores, ou uma oportunidade a menos que tenho para criação de oportunidades de negócios e ocupação de espaço no mercado.
Nos últimos anos, fiquei ainda mais obcecado pelo “chuta”. Conscientemente, eu vi a minha agenda ser tomada por um aumento de foco na execução. Isso ocorreu por diversas razões. Entre elas, um aumento na carga operacional, que drena tempo e recursos, implicando em menos espaço para pensar e planejar. A pressão do negócio aumentou muito, bem como a responsabilidade de marketing na estratégia e nos resultados de negócios da empresa. Outra razão é o ambiente que vivemos hoje, com mais dimensões e possibilidades, que faz com que os planos de marketing estejam carregados de variáveis difíceis de mapear.
Complexidade, insegurança e ambiguidade são condições inerentes ao jogo, o que faz com que a construção de planos perfeitos, densos, abrangentes e seguros seja mais desafiadora. Ou seja, ocorreu uma diminuição no foco de grandes planos e nos contentamos com planos mais enxutos, moldáveis, com objetivos de mais curto prazo e menor complexidade. Por fim, a adoção de metodologias ágeis permitiu que a execução ganhasse ainda mais velocidade e relevância dentro das organizações.
Apesar de todos os elementos citados acima, que colocam foco na execução, existe um contexto que parece empurrar para a direção contrária. As transformações pelas quais as organizações estão passando geram uma pressão imensa em cima dos executivos, e eu faço parte desse grupo. Somos questionados todos os dias se estamos sendo inovadores, buscando novos caminhos, se temos planos ousados etc. Vivemos em intenso desconforto, para fazermos diferente. Todos esses questionamentos nos levam para a prancheta, para o território dos powerpoints, das conference calls e das reuniões de planejamento. E dá-lhe design thinking. A cada hora que passamos em reunião é uma hora a menos de execução, é uma hora a menos longe dos clientes e realizando coisas. E na minha cabeça só vem o “chuta”.
Vivemos uma época em que executar é mais importante do que planejar. Minha autoavaliação é que podemos conviver com um plano bom, desde que tenhamos uma execução rápida, perfeita, primorosa e impiedosa. Essa condição pode trazer resultados reais para o negócio. Por outro lado, um plano perfeito com uma execução mediana e demorada não vai trazer resultados. O segredo está na execução, está na obsessão pela excelência, eficiência, experiência e compromisso com prazos, qualidade e responsabilidades. Essa é a base para os resultados surgirem.
Planos, mesmo aqueles espetaculares, sem execução perfeita, não trazem os resultados esperados.
Enfim, vivo uma época de enorme foco na execução, apesar da interminável mudança das condições de jogo. Tento colocar um olho na execução e o outro no planejamento. Mas se alguém me disser que tenho um tempo limitado e tenho que escolher entre execução e planejamento, então não tem jeito, são os dois olhos na execução.