Dois anos atrás eu fui convidado para dar uma entrevista sobre “privacidade na internet”. Chamarei a jornalista de Márcia (o nome verdadeiro é outro) e pouparei o nome do veículo por motivos óbvios, mas a base da entrevista era debater se ainda é possível manter a privacidade na web nos dias atuais. A jornalista tinha uma teoria de que sim, é possível manter a confidencialidade e preservar a privacidade nos tempos atuais, mesmo na internet. Eu, naquela época, já tinha um conceito diferente: acho que estamos todos escancarados e a nossa privacidade já era.
A entrevista foi por telefone. A conversa se tornou mais um debate do que entrevista pois Márcia insistia no ponto de que a privacidade individual é algo que pode ser preservado, mesmo no mundo transparente da internet que vivemos. Num determinado momento, ela disse mais ou menos o seguinte: “Veja o meu caso, por exemplo, eu mantenho a minha privacidade. Não quero ver a minha vida aberta e disponível para os outros. Eu acho que consigo controlar bem a minha privacidade online”. Esperei ela terminar de argumentar e respondi o seguinte: “Márcia, há quase dois anos você teve um baque muito forte em sua vida. Sua mãe, que sempre foi sua melhor amiga, faleceu depois de um acidente. Você pirou, mudou de emprego, e viveu meses fora do Brasil. Foi para França e voltou revigorada. Parece que você se recuperou bem e refez a sua carreira no Brasil. Mudou de emprego. Nesse período, uma grande amiga foi fundamental na sua recuperação, prestando apoio incondicional, e você, provavelmente, é muito grata a ela até hoje. Acho que ela deve ser sua melhor amiga né?”. A linha ficou muda. Parecia que ela havia desligado o telefone. Perguntei se havia alguém na linha e Márcia voltou gaguejando: “Como você descobriu tudo isso?”. Eu respondi: “Você deixou rastros na internet. Achei pesquisando na web”. E ela retrucou: “Mas eu não escrevi nada sobre isso ou, se escrevi, foi muito pouco”. E respondi: “Você não, mas sua amiga escreveu algumas vezes sobre você. Eu juntei as partes e coloquei alguma ingerência minha para contar essa história para você. Exagerei um pouco para dar mais dramaticidade”.
Sabendo que a entrevista partiria para um debate, no dia anterior da entrevista eu tomei a iniciativa de pesquisar sobre a vida pessoal da jornalista na internet com o objetivo de buscar alguma informação mais polêmica e íntima. E surpreendentemente eu consegui. Acabei achando mais do que esperava. A jornalista ficou boquiaberta e o debate tomou outro rumo. Ela se convenceu de que privacidade nos tempos atuais é algo quase impossível.
O fato é que esse cenário evoluiu muito nos últimos anos e vai se acelerar ainda mais nos próximos. Recentemente a Fast Company publicou um artigo muito interessante, chama-se “The Future Of Relationships: 10 Ways We’ll Be Dating, Having Sex, And Breaking Up In 2025“. Basicamente o artigo especula como serão os relacionamentos em 2025, com base num estudo da consultoria Sparks and Honey. Vale ler. O interessante é que uma das tendências fala em “Quantificação dos Relacionamentos“. O estudo diz que no futuro não somente os indivíduos serão monitorados, mas também os relacionamentos. O uso de tecnologias vestíveis (wearable, em inglês) denunciará a forma como interagimos com cada pessoa em nosso círculo familiar e de amizade. Ou seja, o sexo e os relacionamentos serão novas fronteiras férteis para medição e monitoramento. O Big Data vai prover “insights” e razões sobre os relacionamentos, porque alguns funcionam bem e outros falham. Se extrapolarmos essa ideia é bem possível que futuramente tenhamos um verdadeiro big data de informações, colaborativas ou não, que serão consideradas na hora de alguém escolher um parceiro. Aqui podemos estar falando de informações genéticas, comportamentais e de outras dimensões. O novo aplicativo sensação do momento chamado LULU já parece ser algo nessa linha.
O melhor artigo que li até agora sobre “Privacidade em tempos de Big Data” foi de Cezar Taurion, publicado em novembro. Olha o que ele escreve: “Indiscutivelmente que hoje geramos quintilhões de dados por dia e, queiramos ou não, estamos sob constante vigilância. Sabemos que nossas ações são monitoradas quando usamos nossos cartões de crédito, quando usamos nossos celulares e smartphones, quando fazemos buscas na Web ou quando acessamos um site. No Rio de Janeiro, por exemplo, estima-se que exista cerca de 700 mil câmeras instaladas nas ruas, prédios, condomínios, bancos, supermercados etc, que de alguma forma gravam nosso dia a dia. O Facebook armazena, em média, cerca de 111 MB de informações sobre seus usuários“.
Enfim, estamos desgraçados. Temos milhares de câmeras, robôs e dispositivos nos monitorando e seguindo a gente. Impossível escapar. Bastar passar na frente de um edifício, em qualquer rua da cidade, para uma câmera indiscreta de segurança flagrar você.
Nesse mesmo artigo, eu descobri uma palestra no TED de arrepiar os cabelos. Malte Sptiz, num excelente vídeo de dez minutos, conta a sua saga em descobrir as informações que a sua operadora de telefone na Alemanha guardava sobre ele. Depois de várias solicitações recusadas e um processo na justiça, Malte recebeu mais de 35 mil de código, um detalhado relatório, quase minuto a minuto, de seis meses de sua vida. Assustador!! O vídeo mostra detalhes que faz a gente pensar. Aliás, você tem ideia de que tipo de dados a sua companhia de telefone celular está coletando sobre você?
Texto publicado no blog Ponto de Vista no Meio&Mensagem