As redes sociais funcionam para o bem e para o mal. Existem exemplos para todos os lados, mas é sempre maravilhoso constatar o poder que elas evocam ao mudarem o destino de determinadas coisas.
A novidade da hora é Brendan Eich, que no dia 3 abril pediu demissão da posição de CEO do Mozilla depois de ter sido nomeado para o cargo duas semanas antes. Sua renúncia foi consequência do enorme movimento nas redes sociais contra o seu nome para o cargo, gerando desgaste na imagem da empresa, insatisfação dos colegas de trabalho e conflito com as crenças e valores praticados pela Mozilla. Caso não conheça a Mozilla, ela é a dona do navegador Firefox.
Brendan Eich não é figura nova na área de tecnologia, ele sempre foi um cara respeitado, especialmente pelo legado de seu trabalho na Netscape e na Mozilla. Ele quase sempre é apresentado como o criador da linguagem JavaScript, atividade que desempenhou quando ainda trabalhava na Netscape. Eich é conhecido como um excepcional técnico, muito admirado no meio da tecnologia, porém começou a cair em desgraça pública em 2012, quando ele era diretor da Mozilla e fez uma doação em dinheiro para a Proposition 8, emenda constitucional do Estado da Califórnia cujo objetivo era derrubar a legalização do casamento homossexual. A repercussão foi muito ruim na época, ainda mais depois que Brad Pitt, Steven Spielberg, Ellen DeGeneres e a Apple, todas celebridades californianas, doaram dinheiro pesado a favor do “Não” à Proposition 8. Brendan Eich teve que se explicar publicamente em relação ao assunto e muito gente não aceitou suas justificativas. O fato foi mal digerido não só dentro da empresa, mas por todo o mercado.
A reação foi intensa e imediata ao anúncio de Brendan Eich como CEO da empresa em 24 de março de 2014. O mais impressionante foi a reação dos próprios funcionários através das redes sociais, especialmente no Twitter. Muitos pediram a renúncia imediata do CEO. Um abaixo-assinado digital foi criado pedindo a cabeça de Eich, superando 70 mil adesões. Por outro lado, alguns defenderam a liberdade de expressão e alegaram que o CEO poderia ter crenças diferentes de seus colegas. O debate acalorado cresceu nos dias seguintes, extrapolando as fronteiras da empresa e chegando ao mercado, especialmente entre os parceiros e desenvolvedores da Mozilla. Ocorreram até algumas campanhas contra o uso do Firefox numa tentativa de colocar pressão na empresa.
A pressão fez o presidente do conselho da empresa, Mitchell Backer, escrever sobre o caso em seu blog no dia 26 de março, apenas dois dias depois da nomeação do novo CEO: “O compromisso da Mozilla com a inclusão para a nossa comunidade LGBT e todas as minorias, não muda. Ao agir para ou em nome da Mozilla, é inaceitável limitar as oportunidades a qualquer um baseado na orientação sexual e/ou gênero. Isso não é só um compromisso, é a nossa identidade”.
Numa entrevista dada para a CNET, publicada em 1 de abril, ainda no calor das discussões, Eich não apresentou claramente a sua posição sobre o casamento homossexual, mas disse que ser contra a união gay não indica que ele é racista e que a liberdade de opinião e religiosa é protegida. E pediu para que as pessoas não misturassem a sua vida particular com o seu trabalho à frente da Mozilla.
O clima dentro da empresa piorou muito. Notícias na imprensa citaram que alguns diretores da Mozilla pediram demissão por não aceitarem Eich como chefe. Tudo parecia alimentar ainda mais a polêmica nas redes sociais. O desfecho do caso foi no dia 3 de abril, quando um comunicado da empresa, carregado de explicações, informou a saída do CEO recém anunciado: “A Mozilla se orgulha de ser colocada em um padrão diferenciado e, na última semana, nós não honramos isso. Nós sabemos porque as pessoas estão magoadas e com raiva, e elas estão certas: é porque nós não fomos fiéis a nós mesmos”. Em outro ponto é dito: “Brendan Eich escolheu renunciar ao cargo. Ele tomou a decisão em benefício da Mozilla e da nossa comunidade”. O comunicado foi assinado por Mitchell Backer. Veja o comunicado na íntegra.
No mesmo dia 3, Brendan Eich comentou em seu blog sobre a sua saída da empresa. Em determinado ponto ele diz: “Eu renunciei a posição de CEO e estou saindo da Mozilla para ter um descanso, fazer algumas viagens com minha família e olhar os problemas por outros ângulos”.
A Mozilla agiu corretamente ao forçar a renúncia. Reconhecer o erro de tê-lo nomeado CEO foi um acerto, persistir no erro seria um equívoco. Outras empresas talvez procrastinassem, mas a ação rápida da Mozilla traz a paz de espírito que a empresa precisa para voltar a trabalhar. O líder maior de qualquer empresa tem que gerar orgulho nos funcionários, tem que inspirar e ser um exemplo indiscutível dos valores e da cultura da organização. Confrontar este conceito põe em risco a imagem e a credibilidade da marca, perturba o engajamento dos funcionários e cria rugas no relacionamento com os clientes.
O alcance, a velocidade e a relevância do caso só foram alcançados devido a força das redes sociais. A rapidez e a repercussão do caso me lembram o caso recente de Justine Sacco, a executiva que foi demitida por ter publicado um post racista no Twitter. O caso de Justine foi mais rápido, tudo aconteceu num final de semana. Enfim, novos tempos.
Ahhhh… hoje, no dia em que este post é publicado, o cargo de CEO da Mozilla continua em aberto.