Dias atrás eu dei uma entrevista para o Innovation Insider sobre a aplicação da inteligência artificial e machine learning em marketing. Foram 5 perguntas simples feitas por Pyr Marcondes. Acho que ele esperava respostas curtas, mas não resisti em explorar mais esse tema porque ainda é algo desconhecido pela comunidade de marketing e comunicação.
Vejo que muitos não entendem os fundamentos desses conceitos e, mais ainda, desconhecem a transformação e o potencial que tais tecnologias agregam ao marketing que conhecemos. Por isso, a entrevista que seria curta, virou algo mais longo e denso. Estamos passando por mudanças radicais, afetando inclusive o futuro próximo da profissão de marketing e comunicação. As tecnologias que envolvem sistemas cognitivos e inteligência artificial tem muito a ver com isso.
Se você não entende muito bem o que é inteligência artificial e machine learning, ou gostaria de saber como essas inovações mudam o marketing que conhecemos, essa entrevista pode ajudar você. A entrevista está integralmente reproduzida aqui. Agreguei links apontando para artigos que ajudarão você a explorar mais o tema.
1. O que é Machine Learning?
Não vou me furtar a dar uma resposta simples. Quero aproveitar a questão para aprofundar o tema e desmistificar alguns conceitos, já que inteligência artificial, machine learning e deep learning são termos frequentemente citados quando se fala sobre sistemas inteligentes, mas são conceitos distintos.
Inteligência Artificial (IA) é um conceito amplo e diz respeito a sistemas que simulam a capacidade humana de pensar, perceber o ambiente, estabelecer hipóteses, toma atitudes e resolver problemas, ou seja, ser inteligente.
Machine Learning (ML) é uma forma de aplicação da inteligência artificial, que implica na capacidade do sistema aprender com a informação disponibilizada, e que inclui duas técnicas: aprendizagem supervisionada e não supervisionada.
Aprendizagem de máquina supervisionada é a técnica mais utilizada nos sistemas de IA, na qual os sistemas são ensinados e aprendem a partir de um conjunto de dados conhecido. Vou dar um exemplo. Imagine que você queira ensinar um sistema para classificar formas geométricas. Você faz isso a partir de um conjunto definido de exemplos, como quadrado, retângulo, triângulo, etc. Por mais que as formas geométricas tenham tamanhos diferentes e não necessariamente tenham sido desenhadas perfeitamente, o sistema teve um aprendizado supervisionado sobre o que seria cada uma das diferentes formas geométricas. Isso significa que ao mostrar um conjunto de formas geométricas dentro daquelas que ele foi treinado, o sistema conseguirá fazer a classificação.
Por outro lado, a aprendizagem de máquina não supervisionada não faz uso de um conjunto de dados de classificação conhecida, por isso são bem mais complexos, já que são capazes de classificar uma entrada somente utilizando princípios lógicos e probabilísticos. Diferentemente de algoritmos que passaram por um treinamento supervisionado e sabem de fato o que é um quadrado no exemplo de classificação de formas geométricas, para os algoritmos não supervisionados não há certo ou errado, mas uma lógica que possibilita que o algoritmo classifique quadrados, dentro de um grupo de formas geométricas onde a forma possui quatro lados iguais e com ângulos de 90 graus, mesmo que esse não saiba que, de fato, aquela forma geométrica é um quadrado. Se um conjunto de losangos fosse entregue para um algoritmo de aprendizagem não supervisionada, mesmo ele não sabendo o que são losangos, esse conseguiria agrupa-las, enquanto o algoritmo supervisionado simplesmente não saberia classificar ou dizer que o conjunto em questão são de figuras iguais, porque ele não foi treinado para isso.
A princípio parece que os algoritmos não supervisionados são melhores que os supervisionados, mas não é bem assim, tais sistemas são bem mais complexos, exigindo um tempo considerável para atingir um nível de acurácia relevante que permita aplica-los de forma eficaz no mercado.
Por fim, finalmente, Deep Learning, também conhecido como aprendizagem profunda, é um método ainda mais avançado de aplicação de aprendizagem de máquina, na qual o objetivo não é somente ensinar um sistema sobre um assunto ou domínio de conhecimento, mas sim entregar uma grande quantidade de dados para o sistema, deixando que ele tome decisões sobre outros dados. Vou dar um exemplo. Pense em um sistema capaz de reconhecer plantas baixa de residências e atribuir um preço a elas. O sistema pode ter sido alimentado com centenas ou milhares de diferentes residências com seus respectivos preços. Por mais que haja diversidade de atributos como tamanho da casa, número de quartos, localização, etc, que possa influenciar o preço da casa, o sistema pode ser capaz de aprender os diferenciais de valorização da casa A em relação a casa B, combinando características e descobrindo, por exemplo, que casas com suítes são mais valorizadas.
Um caso de uso interessante é aplicar Deep Learning em sistemas que possam aprender como jogar jogos. Ainda que regras e movimentos possam ser ensinados, há situações em que a combinação dos dados gerados durante o jogo pode ser usada para aprendizagem, apontando que determinado movimento deve ser aplicado de forma a pontuar ou para o jogador permanecer mais tempo ativo no jogo. Esse é mais um bom exemplo onde um sistema alimentado com determinados dados pode aprender sobre outros dados.
2. O que ela tem a ver com marketing?
Muito a ver! Mas muito mesmo! Essa tecnologia pode ajudar marketing em diversas dimensões.
Sistemas cognitivos, incluindo Machine Learning (ML), levam o marketing a um outro nível. Eles permitem analisar todos os dados não estruturados como textos, imagens, vídeos, áudios, tweets, notícias, estudos, enfim –tudo aquilo que não é possível ser tabulado em um banco de dados relacional. São sistemas que entendem e interagem em linguagem natural, isto é, qualquer linguagem naturalmente desenvolvida pelo ser humano, permitindo um engajamento nunca alcançado antes. Isso é mágico para o marketing das empresas, pois estamos falando de um potencial quase infinito de conhecimento a respeito do mercado, de seus clientes e consumidores, especialmente diante do oceano de dados que temos hoje a nossa disposição.
Esses sistemas trabalham com grande volume de dados, oriundo de vários canais e meios diferentes, conseguindo combina-los, em tempo real, entendendo a história por trás daquela massa de informação, mapeando comportamentos e ações realizadas por segmentos ou grupos, mas também de indivíduos, aprendendo com as suas preferências, desenvolvimento e experiências. Estou falando de uma curva de aprendizado contínua, crescente e progressiva. Ou seja, ML possibilita encontrar padrões a velocidades mais rápidas e em escalas muito maiores do que conhecemos hoje, fornecendo uma visão imediata e detalhada dos clientes e seus comportamentos, permitindo encontrar e definir segmentos menores de clientes que tenham interesses e necessidades comuns.
ML também dá a possibilidade de que plataformas de automação de marketing sejam preditivas, com habilidade de aprenderem, se aperfeiçoarem e “pensarem”. Isso permite adaptar a jornada do consumidor em algo mais personalizado, preciso e eficiente, através de otimização de dados em tempo real, fluxos automatizados e conteúdo individualizado. Análise preditiva sempre foi vista como algo complexo e caro, mas as novas tecnologias disponíveis trouxeram simplicidade, com facilidade de uso e aplicação, além de custos mais viáveis. Isso tudo combinado é um tesouro para o ROI do marketing das empresas.
Vale lembrar que sistemas como Watson não são apenas importantes para o marketing das empresas, mas também para os consumidores. Sistemas cognitivos são assistentes poderosíssimos para os indivíduos, dando recomendações, potencializando seu conhecimento, com engajamento, auxiliando em sua profissão e em suas decisões.
Em resumo, pense ML em marketing como um sistema que evolui constantemente, se aprimorando, disponível para avaliar, modificar e otimizar os programas de marketing de uma empresa, conhecendo e respondendo melhor aos clientes. Mas também pense do outro lado, os clientes com mais poder, conhecimento e consciente de suas decisões.
3. Como um profissional de marketing pode entender melhor sobre o assunto?
Cara, essa é uma pergunta que não tem uma resposta trivial e única. Tudo depende…e depende do próprio profissional.
Na década passada nós falávamos sobre computação cognitiva e machine learning como algo de ficção científica. Depois entramos numa fase em que essas tecnologias eram para poucos, exigindo conhecimento profundo e complexo. Surpreendentemente as coisas evoluíram radicalmente, a tecnologia foi para nuvem, ficou fácil de usar e hoje o preço é superacessível. Veja por exemplo o IBM Watson. Ele roda na nuvem, está disponível para qualquer um, as APIs estão disponíveis na plataforma IBM Bluemix e são facilmente utilizáveis. Portanto, para se enfiar nisso, basta somente iniciativa e disciplina para aprender.
O marketing de hoje é muito diferente do passado. Hoje falamos no marketing analítico, programático, de experiência e com o cliente no centro de tudo. Portanto, a pressão em cima da transformação do profissional de marketing não é de hoje. Nos últimos dez anos a área tem sido pressionada ao extremo. Recentemente eu li uma matéria dizendo que a rotatividade de CMOs (Chief Marketing Officers) nos USA chegou a um nível altíssimo, nunca antes registrado, ou seja, já estamos com nossa barba de molho há tempos.
Poucos anos atrás nós falávamos que a aplicação de sistemas cognitivos poderia trazer eficiência, produtividade e aumentar conhecimento, em qualquer área, incluindo marketing. Isso continua sendo verdade, mais do que nunca, porém agora vemos IA e ML potencializando a criatividade. O projeto “A Voz da Arte”, realizado pela Ogilvy e IBM, junto à Pinacoteca de SP, é um exemplo evidente de como ML pode entregar uma nova experiência ao indivíduo. É criatividade pura! O que quero dizer é que ML leva o potencial criativo de marketing ao infinito. Não dá nem para imaginar o limite. Estamos apenas no início dessa nova era.
A carreira de marketing não é mais linear, me parece quase impossível imaginar como será o marketing na próxima década. Hoje um profissional de marketing tem que lidar com desafios que ele nunca enfrentou antes em sua carreira, e muito mesmo aprendeu na escola que cursou. Ou seja, estamos falando de desafios inéditos e crescentes.
O importante é não se desesperar e dar um passo de cada vez. Isso serve para mim também. O primeiro conselho é levantar da cadeira, reconhecer que o seu valor como profissional de marketing está sob risco, que o sabe hoje não será suficiente para sobreviver e se transformar em um profissional diferenciado num futuro recente. Você tem que se sentir incomodado com isso. Repense o seu networking. Gaste o seu tempo diário com pessoas diferentes de você, que tenham conhecimento distinto do seu, que desafiem você e te inspirem. Se associe a comunidades de pessoas nas redes sociais que tenham discussões e bons debates em cima de novas tecnologias, mesmo que no início você não entenda nada. Assine newsletters, revistas e meios que falam sobre temas que você não domina.
Existe muito conteúdo disponível na internet para ser consumido. Separe 1 hora todo dia para ler sobre isso, estudar, conhecer coisas novas que não entende direito, e conhecer pessoas com esse conhecimento, que você pode seguir e tentar se relacionar, mesmo que virtualmente. Não acho fundamental entrar numa universidade para encarar um novo curso de formação, mas incentivo muito a fazer MBAs, cursos de curta duração focados em temas específicos, se enfiar eventos e workshops sobre novos conceitos, ferramentas, inovações e novas tecnologias.
Enfim, é preciso abrir a agenda para se jogar em novos ambientes de conhecimento e relacionamento. Isso exige tempo, disciplina, curiosidade, impaciência e compromisso.
4. Tem alguma empresa usando bem Machine Learning em marketing?
Muitas! Mas muitas mesmo.
ML está impactando todo o ecossistema de marketing. Empresas já estão usando tal tecnologia em soluções de análise de dados e conteúdo, permitindo conversas mais eficazes e individualizadas com seus clientes. Os chatbots cognitivos, que estão surgindo por todo lado, são exemplos de ferramentas de engajamento e melhoria de experiência no atendimento aos clientes. Existem vários casos já conhecidos em nosso país, como o Bradesco e a MeCasei. Nos USA existem muito mais ainda, como por exemplo a Under Armour, a North Face e a Performance Bicycle. Todos esses casos são exemplos de projetos usando a tecnologia IBM Watson.
Mas o legal é pensar além de ML. Eu gosto de pensar na combinação das tecnologias cognitivas com outras tecnologias que estão emergindo rapidamente e ficando maduras, como realidade virtual e aumentada, internet das coisas, impressão 3D, nanotecnologia e outras. O potencial da combinação dessas tecnologias é infinito. Isso exigirá uma mudança radical na forma como pensamos e desenvolvemos marketing dentro das empresas, exigindo novas ferramentas, profissionais com profundo conhecimento tecnológico e digital. O potencial da criatividade vai ao infinito.
As empresas, incluindo agências e consultorias, estão diante de um tsunami transformacional. Olhar os vencedores dos Leões de Cannes 2017 é a evidência de que temos algo muito impactante diante da gente, já que os grandes vencedores foram aqueles que souberam amplificar a criatividade através de novas tecnologias.
A IBM está preparando um grande evento que vai acontecer em marco de 2018, em Las Vegas, chamado Think. Nesse evento a IBM vai mostrar novas tecnologias cognitivas que estão emergindo, com muitos casos práticos pelo mundo, especialmente em marketing. Dezenas de empresas que estão liderando a implementação e uso dessas tecnologias estarão no palco, demonstrando seus casos, suas experiências e aprendizado.
5. Você acha que essa é uma tendência permanente ou a revolução tecnológica vai substituir Machine Learning em breve?
Nós ainda estamos vivendo o nascimento da tecnologia de ML. É difícil fazer uma premonição a respeito dela, especialmente porque ainda viveremos uma grande evolução tecnológica nessa área de aprendizagem de máquina.
Hoje, já é possível ver ML entrando em diversas atividades que tocam marketing diretamente ou indiretamente, como por exemplo: reconhecimento de imagens e voz, tradução de idiomas, atendimento ao cliente, assistentes virtuais, geração e curadoria de conteúdo, recomendações para os consumidores, mecanismos de busca, prevenção de fraude, preços, análises preditivas, mídia programática, segmentação de clientes, campanhas individualizadas, etc. A lista é enorme e crescente.
Certamente surgirão novos aparelhos inteligentes nas mãos dos consumidores, novas ferramentas, novas tecnologias, aumentando a interação de máquinas com humanos através de linguagem natural, tudo isso exigirá novas capacidades para os sistemas cognitivos hoje existentes.
A consequência é que os clientes terão experiências mais sofisticadas com suas marcas de preferência, exigindo mais personalização e conveniência. Não consigo imaginar uma nova tecnologia substituindo ML em breve.