Dias atrás eu fiz uma palestra para mais de 250 pessoas. Acho que eu fui bem. Depois de muitos anos fazendo apresentações, confesso que eu encaro com tranquilidade o palco e não fico mais tão nervoso como antes. Apesar dessa aparente tranquilidade, minutos antes de encarar o microfone e a plateia, o meu coração está a mil, sinto a insegurança infinita de que vou esquecer de falar algo importante e as minhas mãos suam frio o tempo todo. Não tem jeito, isso sempre acontece, mesmo convencido de que eu vou me sair bem. Quando faltam 15 minutos para começar, eu torço para o tempo passar rápido e para a tortura da ansiedade ir embora. O nível de adrenalina está no máximo.
Por outro lado, depois de 10 minutos da palestra iniciada, tudo entra nos eixos e me sinto plenamente equilibrado, minha mente está sob controle, minhas mãos param de suar e eu entro num estado de domínio absoluto. Daí para frente minha preocupação é outra, eu fico obstinado em criar conexão com a plateia. Passo o tempo todo olhando para as pessoas, buscando os seus olhos, como se estivesse conversando individualmente com cada uma delas. É assim que funciona comigo. Em resumo, não é somente você que treme quando tem que encarar um microfone.
Eu tenho outro segredo para contar. Em todas as palestras, eu repito, em todas as palestras, sem exceção, sempre aparecem as mesmas figuras. Nessa minha última apresentação aconteceu mais uma vez.
Veja só quem aparece em todas as palestras:
O dorminhoco: são aqueles que dormem descaradamente durante tooooda a palestra. O cara está ali, na sua frente, babando de sono. Os olhos completamente fechados, o tempo todo. Esse é profissional do sono… e é profissional porque ele dorme direitinho, empinadinho, sem nem balançar a cabeça.
O sonolento: diferentemente do dorminhoco, este curte a palestra com os olhos mareados. Acho que aquela voz no fundo dá soninho. Ele abre e fecha os olhos, quase sempre com a cabeça balançando pra lá e pra cá.
A esfinge: são aqueles que olham para você fixamente, sem mexer um músculo. Você não consegue ter a mínima ideia se o cara está gostando e entendendo o que você está falando. Não dá nenhum sinal, nenhuma pista. Da até para desconfiar se o cara está vivo.
O confirmador: esse é uma delícia. É o cara que passa o tempo todo balançando a cabeça afirmativamente. Basta você olhar para ele, em qualquer instante da palestra, e ele generosamente balança a cabeça, quase dizendo assim: “sim, estou ouvindo você e concordo com tudo. Você é espetacular”.
O viajante: é o cara com a cabeça na Lua. O cara não olha para você. Ele está o tempo todo olhando para o lado, desenhando na folha de papel, conversando com o vizinho. Só o corpo está lá, o interesse ficou do lado de fora.
O sorriso maroto: sim, é verdade, têm uns caras que passam a palestra sorrindo para você. Você olha e ele sorri.
O digitador: o cara passa a palestra todinha digitando no smartphone. Eu sempre tento imaginar o que o cara está jogando. Será sudoku? Eu gosto. O sofredor: eu não sei descrever muito bem esse tipo. Não é uma questão de expressão facial, mas sim de expressão corporal. Ele está largado na cadeira, transmitindo uma sensação de sofrimento, com a seguinte inscrição na testa: “não aguento mais, quando essa tortura vai acabar?”.
E aí? Curtiu?
Existem mais tipos, mas estes são o mais pitorescos. Eles estão sempre presentes, independentemente do tempo e do tema da palestra.
Viu como é difícil se concentrar no palco com tantas distrações e coisas mais interessantes do que você próprio falando? Eu luto para não cair em tentação e ficar olhando para estas figuras, criando apelidos para eles.
Quer saber de um segredo final? Às vezes, quando eu sinto que o número de pessoas distraídas começa a aumentar, eu faço uma pergunta para plateia e crio um silêncio constrangedor. Surge uma espécie de “vácuo absoluto”. Alguns segundos de silêncio são suficientes para as pessoas levantarem a cabeça, se fixarem no apresentador e tentarem entender o que está se passando. Quase todos fazem isso: os sonolentos acordam, o confirmador para de confirmar, o sorriso maroto fica sério e até o digitador larga o smartphone. A única exceção são os dorminhocos, estes nem sabem o que está se passando.