A entrevista dada pelo Luca Cavalcanti, diretor executivo do Bradesco, para o Projeto Draft é quase uma aula de transformação empresarial, mas também gera angústia para quem trabalha em marketing. Basicamente duas coisas emergiram na minha mente.
Em primeiro lugar, me fez refletir sobre o marketing de hoje: a missão, a expectativa e o papel da liderança de marketing dentro das organizações; me pareceu incrível descobrir tudo que o Bradesco vem fazendo ao longo do tempo para se reinventar. Ali tem um monte de histórias boas contadas de forma resumida, muitos acertos, mas certamente por trás existem muitos erros, mudanças de caminho, reuniões tensas de decisão de investimento e aprendizados que não fizeram dessa jornada uma viagem tranquila. Porém, o mais importante, é que a jornada evolutiva descrita pelo Luca evidencia que o caminho percorrido não foi por acaso, mas sim intencional, com tijolo sobre tijolo, derrubando parede e construindo de novo, de forma diferente, e assim foi. Mas eis o ponto que mais me tocou: essa história mostra um perfil plenamente distinto da atividade de marketing que aprendemos nas escolas.
O que o Luca faz é marketing?
Se não é marketing, qual seria a outra área dentro da empresa que poderia ter a ousadia de transformar os projetos citados em realidade?
Quais outras áreas seriam suficientemente transgressoras para fazer coisas com razoável chance de fracasso?
E para vender a ideia de novos caminhos desconhecidos para a empresa? Será que os profissionais de marketing do Bradesco estavam e estão preparados para tanta transformação?
Que tipo de perfil de profissional é necessário para fazer um plano desse ficar de pé e avançar?
Conhecimento, experiência, onde encontrar esses elementos no mercado para entregar tais responsabilidades?
Ver o Luca contando a sua história me fez cair a ficha sobre aonde o marketing está indo para se reposicionar dentro das organizações. Poucos conseguem isso, especialmente em grandes companhias.
O segundo ponto que emergiu na entrevista é a importância da tecnologia de Inteligência Artificial (IA) dentro do Bradesco. Fica evidente, nas palavras do Luca, que essa tecnologia está no eixo central dos planos da empresa, mesmo diante de tantas outras novas tecnologias e projetos em curso. Os profissionais de marketing, tal qual os profissionais de outras áreas, estão se tornando profissionais dependentes tecnológicos. No caso do Bradesco, é possível dizer que IA está permitindo a empresa entrar em um novo ciclo de sua história.
Dois meses atrás, em um evento de mercado onde fui palestrante, uma pessoa na plateia me perguntou pelo microfone qual o líder de marketing que ela poderia seguir no mercado para servir como referência. Essa pessoa disse que queria alguém com muito conhecimento em marketing digital porque essa era a sua área de interesse. A minha resposta seguiu uma linha diferente.
Falei que ela deveria seguir pessoas sob dois prismas. Necessariamente acompanhar profissionais que, independentemente do nível hierárquico, não somente tenham conhecimento, mas que gostem de compartilhá-lo, que sejam generosos em contar histórias de suas experiências pessoais, falando sobre seus acertos, conquistas e aprendizados, mas também contando sobre suas vulnerabilidades, erros e aspirações não realizadas. Ou seja, uma combinação de conhecimento, experiência e prazer em compartilhar de forma genuína.
O segundo prisma é ainda mais importante. Devemos seguir lideranças que estão se transformando e conduzindo transformações por onde passam. Pessoas que falam coisas diferentes, que muitas vezes nem entendemos direito, que nos geram desconforto, que entram em áreas que ninguém ainda domina e que vendem sonhos que nem sempre estão devidamente claros e estruturados. São essas pessoas que nos transformam. Portanto, ao seguir líderes de marketing, que sigamos profissionais que compartilham conhecimento com experiência prática, mas também os inquietos e transformadores, que olham para frente e nos instigam constantemente a mudar.
Aí ela perguntou: Pode me dar um nome?
Minha resposta foi: Luca Cavalcanti, do Bradesco. E, semanas depois, coincidentemente, me chega aos olhos essa entrevista dada por ele.
Seguir pessoas no mundo de hoje é muito fácil. É clicar num botão e você passa a acompanhar os passos de uma pessoa no mundo online e nas mídias sociais. Ironicamente, por ser tão fácil, a decisão de quem seguir se torna difícil. É fácil cair na armadilha de seguir centenas e até milhares de pessoas, fazendo a sua timeline se tornar um inferno de tão poluída e desinteressante. Aqui o segredo é simples: menos é mais. Portanto, reduzir o número de pessoas que seguimos é condição básica para termos uma timeline de valor e interessante, em qualquer rede social.
Por outro lado, o mundo não é apenas online. Eventos, congressos, livros, “papers”, aulas, seminários, meetups, podcasts, vídeos, tudo isso são também meios de compartilhamento de conhecimento e experiência. Seguir profissionais nesses meios é tão ou mais eficiente que os seguir nas mídias digitais.
Nos últimos anos, a pergunta de quem seguir surgiu para mim várias vezes em diversos fóruns. Ao longo desse tempo, a minha resposta foi apontando para nomes diferentes, conforme o momento e o contexto.
Tenho em mente nomes que até hoje me ensinam e me inspiram pelo que pensam, falam e compartilham. São profissionais de empresas das áreas de marketing e inovação, que fazem acontecer, como Fred Trajano, Romeo Busarello, Daniela Cachich, Igor Puga, Pyr Marcondes e muitos outros, que, deselegantemente, não cito aqui.
E também tem os professores, os acadêmicos, os pensadores, gente com experiência de campo e de sala de aula, como Martha Gabriel, Silvio Meira, Gil Giardelli, Edney Souza, Cesar Taurion e vários outros. Todos esses são nomes, acrescidos do Luca, de profissionais que pensam marketing de forma diferente, com outra cabeça, que estão constantemente inquietos, que não nos trazem conforto e nem respostas para tudo.
Na verdade, em várias oportunidades, eles são melhores nas perguntas do que nas respostas. Saber fazer as perguntas certas é uma das maiores virtudes das pessoas que transformam.
A capacidade de desenvolvimento, a jornada da nossa transformação e a evolução da carreira profissional são completamente dependentes da nossa capacidade de buscar conhecimento, experiência e relacionamento com as pessoas certas, mesmo que elas não estejam ao nosso lado como amigos e colegas.
Tomar a iniciativa, sair do lugar comum, aceitar riscos e conviver com o eterno suor nas mãos são tão importantes quanto a conexão com pessoas competentes e transformadoras, que empurram você pra frente.
Erasmo Carlos um dia contou que aprendeu com sua mãe o seguinte: “Junte-se aos bons e será um deles”. Portanto, identificar os bons e ir atrás deles é um dos bons segredos para nos tornarmos mais especiais.