A difícil decisão de sair de cena
- Mauro Segura
- 21 de set.
- 15 min de leitura
Atualizado: 23 de set.

“Se eu perguntar para você o que é o tempo, você vai olhar para o relógio ou para o calendário?”
Adorei essa pergunta, simples na forma e profunda na indagação. Ela é dita no episódio
“Nunca é tarde demais para ser que você desejar ser”, no canal do Youtube @NelsonFreitasOficial. Aliás, já que citei o episódio, convido para assistir os primeiros 50 segundos do episódio porque a mensagem é muito bonita e vem do filme "O Curioso Caso de Benjamim Button".
Com a idade biológica batendo na minha porta, o conceito de tempo vem ganhando novas tinturas em minha mente. Quando eu era mais jovem, eu tinha “todo o tempo do mundo”, que poderia ser gasto à vontade, porque era algo “quase infinito”. Mas agora não é bem assim, o meu relógio tem andado mais rápido do que antigamente.
Apesar de tudo, ainda penso que o tempo não é barreira para nada, ou pelo menos, não deveria ser.
Independentemente da idade, sempre temos todo o tempo que precisamos. Isso vale para tudo: para aprender uma nova profissão, desenvolver uma nova habilidade, escrever uma nova história pessoal, mudar de carreira, se estabelecer em outro país ou o que imaginarmos. Tudo tem por base a tríade: escolhas, coragem e iniciativa.
7 Histórias reais de recomeço: tempo, coragem e iniciativa
Nos últimos anos, eu tenho observado as histórias pessoais de amigos e amigas (e conexões no LinkedIn) por outros ângulos. A seguir, apresento resumidamente algumas destas histórias.
São todos casos reais, apenas mudo os nomes (com exceção dos casos 6 de Rodrigo e caso 7 de Danielle, porque eles mesmos contaram suas histórias pessoais em posts publicados no LinkedIn e por isso uso seus verdadeiros nomes).
Tente olhar cada caso sob o prisma do tempo, da coragem em se jogar em algo novo e da iniciativa em dar o primeiro passo na caminhada e se manter firme nela.
Caso 1 – Carla: Transição do corporativo para a cerâmica
Carla não aguenta mais o mundo corporativo onde atua. Ela já tem décadas de trabalho em sua profissão e sente necessidade de mudar. Há um ano surgiu uma oportunidade em um negócio de cerâmica artística, onde ela tem investido o seu tempo livre. Desde então ela sonha diariamente em abandonar de vez o trabalho no escritório para se jogar de vez no trabalho do ateliê. Esse momento está cada vez mais próximo porque ela vem se preparando para isso. Além da insegurança financeira por conta da nova empreitada, ela está tendo que lidar com seus familiares e amigos, e principalmente com ela mesma, pela decisão de renunciar a um reluzente cartão de visita, cargo respeitado, bom salário e uma carreira crescente e vitoriosa.
Caso 2 – Renata: Realizando o sonho tardio da arquitetura
Aos 45 anos de idade, Renata decidiu fazer uma mudança radical em sua carreira. Ela entrou em um curso universitário de arquitetura, que era seu sonho há muito tempo. Foi desafiador porque ela teve que interromper a carreira anterior, onde já tinha uma longa experiência acumulada, repleta de referências e um currículo robusto. No entanto, àquela atividade profissional havia perdido o encanto e ela não se sentia mais realizada. Ela passou anos tenho que lidar com insegurança em mudar de profissão. Isso já tem mais de dez anos. Hoje ela atua como arquiteta e diz que, finalmente, se sente realizada profissionalmente.
Caso 3 – Luiz: Do escritório para guia turístico
Luiz trabalhou por décadas em atividades de escritório. Aos 55 anos de idade decidiu que era hora de mudar porque não se sentia mais feliz. Com descendência germânica, ele falava alemão fluentemente. Foi estudar turismo e obteve a certificação como guia turístico. Então abandonou a antiga carreira e se jogou na nova. Há vários anos atua como guia especializado em atender turistas alemães no Brasil e se diz realizado fazendo este trabalho. Ela viaja por todo o Brasil e diz que é “cara mais feliz do mundo”.
Caso 4 – Dario: Do mundo executivo às terapias holísticas
Dario foi executivo de empresa, tendo alcançado grande sucesso profissional. Durante muitos anos, em paralelo, foi estudante e amante de ciências e terapias holísticas, acumulando cursos, experiências e formações. Ao longo do tempo foi se planejando para encerrar a antiga trilha profissional e se estabelecer como terapeuta e professor na área que tanto amava, o que já tem dois anos. Ele sentia muito insegurança nesta mudança, mas seguiu adiante. Hoje ele vive uma vida minimalista e se diz feliz no que faz. Ele fala que, finalmente, acorda feliz todos os dias para trabalhar, mesmo com menos dinheiro no bolso.
Caso 5 – Roberto: Escapando da competividade tóxica no exterior
Em determinado ponto da carreira, Roberto sentiu uma competitividade perversa no ambiente do trabalho, ele dizia que vivia uma vida extenuante por ter que mostrar valor por meio de coisas efêmeras que não tinham nada a ver com ele. Decidiu sair do Brasil, com sua esposa e filho, e se arriscar no exterior, ainda em sua área de expertise: comunicação e marketing. Roberto afirma: “preferi descer cinco lances de escada na vida corporativa, nos cargos, para poder simplesmente viver”. Hoje, depois de três anos no exterior, ele se prepara para mudar de país de novo, ainda na Europa. Agora vai para uma pequena cidade no interior da Itália. Afirma que o mais desafiador foi lutar contra o ego, mas agora se diz bem “treinado” e focado no que importa para ele e para sua família.
Caso 6 – Rodrigo: Recomeço absoluto e humildade no Reino Unido
Em 2022, Rodrigo tomou uma das decisões mais importantes de sua vida: abandonou uma carreira sólida em comunicação corporativa de 22 anos, arrumou as malas e se mudou com a família para o Reino Unido. Seu foco era priorizar o que mais importava para ele naquele momento: a educação de seus filhos e qualidade de vida.
No Reino Unido ele começou do zero. Trabalhou em diversas empresas fazendo trabalhos totalmente diferentes do que sabia. Isso ensinou algo novo: resiliência, humildade e o valor de recomeçar com propósito. Teve um momento que ele considerou ser motorista de ônibus. Ele tem paixão pelo setor automotivo e finalmente conseguiu entrar na Jaguar Land Rover. Está muito feliz. Diz que vai trabalhar pedalando todos os dias e tem mais tempo com a família e com ele mesmo. E, por fim, afirma: “se você está se perguntando se é tarde demais para recomeçar: não, não é. Às vezes, deixar tudo para trás é o que move pra frente e te leva exatamente para onde você deveria estar.”
A história de Rodrigo está contada em seu post no linkedin
Caso 7 – Danielle: As estradas que escolhemos e as que deixamos para trás
Aos 17 anos, Danielle se mudou para Paris com sua família devido ao trabalho de seu pai. Ingressou em uma universidade conceituada, estudou Ciência da Computação, onde se tornou monitora e ganhou uma bolsa de 50%. Ao final do ano, recebeu a proposta de bolsa integral para continuar estudando em Paris. Porém, com a volta dos pais ao Brasil e o receio de ficar sozinha, decidiu voltar ao país com eles. Aqui ela construiu uma história de sucesso: formou-se na universidade, montou uma empresa, casou-se, teve filhos, vendeu seu negócio e atualmente vive uma carreira executiva que tem muito orgulho.
Hoje, Danielle tem 37 anos. Seu filho vive sozinho no exterior, estudando em uma universidade e realizando o que ela não ousou fazer. Ela afirma que a vida é feita de decisões e que devemos seguir em frente sem olhar para trás: “as decisões que tomamos fazem parte de quem somos. Uma vez escolhida a estrada, se apegue a ela e siga com fé, coragem e entusiasmo”. A história de Danielle está contada em seu post no linkedin.

O elemento invisível: a batalha contra o próprio ego
Os casos acima têm o tempo como elemento central, porque todos envolvem um tempo aparentemente longo na mudança de rota do transatlântico da vida. Além disso, todos são bons exemplos da tríade “escolhas, coragem e iniciativa”, que pode ser reescrita como “foco, disciplina e resiliência”.
Entretanto, as histórias carregam algo que muitas vezes passa desapercebido, ou negligenciado. Ele foi citado explicitamente apenas no caso 5, pelo Roberto, quando ele comentou comigo sobre o desafio de “lidar com o ego” ou “abandonar algo que me parece caro”.
Por ter trabalhado décadas no mundo corporativo, sendo muito tempo como executivo, eu sou amigo de muitos líderes “poderosos”. Muitos(as) ainda ocupam altas posições de liderança executiva, enquanto outros(as) já mudaram a direção de vida.
Vou contar a seguir a história de um amigo. Para facilitar, vou chamá-lo de João.
“O mais difícil é sair de cena”: a confissão do João
João foi um executivo de sucesso. Por anos ele foi o principal líder de uma grande organização, com grande reconhecimento de mercado, sempre se mostrando muito à vontade na posição. Entretanto, em determinado momento da carreira, ironicamente quando ele estava no ponto mais alto de sua vida profissional, nós tivemos uma conversa longa onde ele confessou que aquilo tudo não estava mais valendo a pena. Foi um papo bem inesperado e surpreendente.
O que era para ser um papo de café, curto e despretensioso, se transformou em uma conversa longa, de quase duas horas, onde conversamos de forma muito transparente.
Não vou entrar em detalhes, mas na conversa entre goles de café frio, João soltou uma frase que eu nunca mais esqueci: “O mais difícil é sair de cena”.
Ele falou do desconforto do jogo corporativo, o peso do desafio de comandar milhares de pessoas, citou o desequilíbrio inevitável da gangorra pessoal versus profissional e a pressão constante que sofria, todos os dias, por conta de metas “quase impossíveis e sempre crescentes”. Tudo isso emoldurava a sua vida como líder de empresa. O que já foi motivo de satisfação e realização profissional para João, agora não era mais. Ele estava consciente de que era hora de pular fora do barco e mudar a direção de vida.
Em nenhum momento ele citou uma possível questão de insegurança financeira como um desafio para mudança de direção de vida. Curiosamente, a sua maior dor estava centrada na dificuldade de sair dos holofotes, de sair do palco... de sair de cena.
Eu estava diante de um executivo de sucesso, uma pessoa que me inspirava muito, que na minha cabeça era um modelo a ser seguido, mas que agora estava na minha frente falando: “o mais difícil é sair de cena”. Não era o verdadeiro João que falava isso, mas sim o seu ego, um dos seus lobos internos.
Essa conversa com João aconteceu há mais de dez anos e foi muito marcante para mim.
A frase, grudada na minha cabeça, foi determinante nos anos seguintes, quando eu mesmo comecei a questionar a minha rota profissional e dei os primeiros passos para mudança de direção. A todo momento eu buscava estar atento ao meu ego, para que ele não me sabotasse como fez com João.
Meus troféus e a identidade que deixou de me representar
O artigo chamado “Quando a minha identidade profissional não me representava mais”, que publiquei anos atrás, apresenta um pouco da minha história e descreve uma cena interessante.
O texto foi escrito no pequeno quarto que funcionava como escritório para mim. Eu já havia doado tudo e morava em um apartamento pequeno. Eu vivia um processo intenso de desapego e transformação interna. Porém, ao me livrar das coisas, eu guardei comigo quatro troféus que recebi na minha vida profissional.
Eu fiz uma foto para o artigo, onde eu apareço com os “meus” quatro troféus, todos cobiçados e respeitados no mercado. A seguir reproduzo a foto.

Os troféus simbolizam uma suposta carreira de sucesso profissional. Meu ego acreditava que eles me representavam. Entretanto, hoje, eles não significam mais nada, apenas um peso difícil de guardar. Não preciso deles materialmente e eles não mais me representam mais, basta a lembrança e as recordações que tenho em mente.
Apesar deste suposto discernimento e iluminada consciência, meu ego continua dentro de mim e as vezes se faz presente. Não é um processo fácil. Quando me dou conta, vem o meu ego para me perturbar mais uma vez, acompanhado de outros lobos que me habitam. Já escrevi sobre isso nos artigos “Os Lobos Dentro de Mim” e “O Dilema dos Dois Lobos Dentro de Mim: o Preço do Desapego Profissional”
A poesia da desimportância: a lição dos botecos de André Kassu
André Kassu, que sempre escreve artigos incríveis, publicou certa vez um artigo maravilhoso que endereça o nosso nível de irrelevância na humanidade. O título do artigo já diz quase tudo: “Mensure a sua desimportância”. Eu queria muito dar este mesmo título ao meu artigo, mas seria uma deselegância total.
André conta que existe uma certa poesia nos botecos. Lugares onde ninguém precisa ser grande para caber. O perfil @preah_ no Instagram captura isso bem. Em suas fotos de pé-sujos, vemos histórias que não precisam de holofotes, só de um balcão, um copo e gente que não se leva tão a sério.
Em uma das postagens, um de seus ensinamentos é simples e visceral: "Mensure sua desimportância. Centenas passam por ali e você é só mais um."
André afirma que, nos botecos da vida, descobrimos verdades que os livros de filosofia não ensinam. Ali, entre copos e conversas banais, o ego se dissolve como açúcar no café quente. Nos botecos, ninguém é especial. O garçom não se impressiona com seu cartão de visita, títulos e prêmios. Os frequentadores não querem saber de suas conquistas. O que vale é a cerveja gelada e a capacidade de rir de si mesmo. Enquanto o mundo lá fora exige que você seja extraordinário, o boteco sussurra: "seja apenas você".
Nos templos da desimportância dos botecos, a gente finalmente respira. Ali ninguém espera nada de nós, apenas que paguemos a conta e não arrumemos confusão. E nesse anonimato abençoado, entre estranhos que viram cúmplices, encontramos algo raro: a liberdade de simplesmente existir, sem precisar justificar o nosso lugar no mundo.
Nos botecos, parece que a gente “sai de cena”.
No episódio 33, do excelente videocast/podcast “Tantos Tempos”, comandado por Candice Pomi, rola uma conversa franca e aberta de Clarice Niskier e Ernesto Paglia sobre as várias visões e dimensões do envelhecimento. No intervalo de 1h06min a 1h08min, a conversa cruza “desimportância”, “sair de cena” e “ego”, e depois encaixa um quarto elemento: “maturidade”.
Pena que eles não se aprofundaram nesse debate, mas deixaram no ar um profundo aprendizado: a consciência de nossa desimportância vem com a maturidade.
Então pensei: quando somos jovens, nos sentimos muito importantes porque temos “todo o tempo do mundo” e temos tudo por ainda por conquistar. Quando nos tornamos mais velhos, as conquistas já foram realizadas e a finitude corrói o nosso tempo. Aí temos a noção da nossa desimportância perante o universo e chegamos a uma conclusão iluminada: “somos importantes, verdadeiramente, apenas para nós mesmos”.
Quando somos jovens, temos um relógio que gira sem fim. Quando velhos, um cronômetro regressivo.

Vestindo o manto da invisibilidade
Recentemente, conversando com um amigo ex executivo de longa data, eu compartilhava sobre a minha vida atual, brincando que eu não tinha mais a capa de superexecutivo e nem um crachá bacana para mostrar.
Em certo momento, disse a ele que eu havia vestido o “manto da invisibilidade” e que, ao fazer isso, eu ganhei mais leveza e liberdade na minha agenda diária de vida.
Vestir o manto da invisibilidade é um exercício de abafamento do ego, de retirar todas as camadas de personagens que eu criei ao longo da vida, de sair do palco no teatro da vida e ir para os bastidores, onde eu, finalmente, terei a oportunidade de me encontrar comigo mesmo, sem maquiagem, máscaras e armadura... no camarim, escondido de tudo e de todos. Paradoxalmente parece um ocaso, mas na verdade é uma apoteose pessoal. Esse exercício é transformador porque mostra quem realmente eu sou e me eleva como ser humano, estabelecendo o desejo de viver sob o manto no resto da minha existência.
Se eu encontrasse com André Kassu, provavelmente diria o seguinte a ele: “Meu amigo André, finalmente assumi a minha desimportância. Não preciso mais viver me justificando, nem defendendo conquistas ou parecendo extraordinário. Ao assumir a minha desimportância, eu esvaziei a mochila da vida que carregava nas costas. Estou mais leve”.
Quem pula e quem entra no barco: as reflexões do Traca
Tracanela, ou Traca para os amigos, foi o poderoso CMO do Banco Itaú: competente, genial e muito humano. Me sinto à vontade de escrever sobre ele porque o assunto é público, e ele próprio publicou posts no LinkedIn sobre o que vou contar a seguir.
Traca trabalhou na empresa durante muitos anos, construindo uma história de sucesso, tornando-se grande referência na área de marketing e publicidade no país. Certo dia, ele saiu, deixou a organização.
Imaginei o Traca chegando no boteco e lá encontrando André Kassu, que relaxado na cadeira desconfortável de plástico encardido, abre um sorriso largo e com os braços abertos exclama: “Bem-vindo ao mundo da desimportância”.
Poucas semanas atrás, Traca publicou dois posts no LinkedIn com boas reflexões sobre os seus momentos “fora de cena”.
No primeiro post, eu destaco a seguinte parte do texto:
“O diálogo com o tempo é por vezes ensurdecedor. Mas pode ser também um raro e gentil gesto de carinho com a gente mesmo. E foi o que eu fiz nesses últimos tempos. Depois de mais tempo trabalhando do que não, dei tempo ao tempo. E ele me devolveu uma melhor versão de mim. Fui pai não somente nas horas extras. Fiz mais terapia do que na minha vida inteira. Li mais livros do que nos últimos muitos anos. Estudei de novo. Ampliei meu repertório. Voltei ao meu peso. Recuperei meu fôlego. Encontrei o amor da minha vida. E que felicidade: era o mesmo da vida anterior.”
Dias depois do primeiro post, ele voltou com outra mensagem impactante. Eis um trecho selecionado:
"Aprendi que quando você deixa o sobrenome corporativo, pessoas entram e pessoas saem da sua vida. E é natural que isso aconteça. Mas aprendi que tem uma beleza nas duas coisas. Tem uma beleza nas pessoas que pulam do barco, e tem uma beleza nas que entram no barco. A vida fica mais leve quando algumas pulam do barco. E, ao mesmo tempo, quem continua e quem entra no barco são as pessoas que vão seguir o próximo passo com você. São as pessoas que vão te transformar para melhor, que vão te levar para lugares ainda melhores."
Ler esta mensagem me faz refletir sobre pessoas que pulam do barco, enquanto outras entram no barco. Foi isso que aconteceu com meu “barquinho” nos últimos anos. Confesso que pessoas muito interessantes entraram no meu barco nos últimos tempos, que me trouxeram novas perspectivas, potenciais e horizontes.
Boas reflexões do Traca... como sempre. Ele saiu de cena, mas já voltou ao palco de novo. Abraços, amigo, você é realmente uma pessoa especial!

O luto necessário: as 6 fases de sair de cena
Sair de cena não tem relação apenas com o ego ou deixar os holofotes, mas se relaciona também com “desacelerar o carro da vida”.
Sabe quando você está em uma autoestrada, em alta velocidade, e tem que desacelerar para entrar em uma estrada marginal para tomar um outro caminho? É disso que estou falando.
Sair de cena é quase uma experiência multissensorial porque afeta vários sentidos e envolve vários estágios emocionais.
Sair de cena é aceitar viver um processo de perda, praticamente um luto.
Segundo Elisabeth Kubler-Ross, no seu impactante livro “Sobre a morte e o morrer”, o processo de luto envolve 5 fases: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Essas fases descrevem as reações emocionais comuns diante da perda, seja ela a morte de alguém ou outras experiências de luto, como uma demissão ou aposentadoria. Eu já escrevi sobre isso em meu blog, no artigo “A minha experiência com o luto ou Os 7 primeiros meses sem Ela”
Cabe dizer que as fases citadas por Elisabeth não seguem uma ordem fixa. Elas também não são universais, ou seja, nem todas as pessoas passam por todas as fases, e a intensidade de cada fase pode variar. Tais fases podem ser interpretadas como ferramentas úteis para entender e identificar as emoções durante o luto, mas não devem ser vistas como etapas rígidas a serem seguidas. É importante lembrar que cada pessoa lida com a perda de maneira única e individual.
Tudo fica mais simples quando entendemos que “sair de cena” é um processo de perda e a consciência está preparada para viver um luto.
A sexta fase: encontrar o significado
Estudiosos, como David Kessler, deram continuidade aos estudos de Elisabeth Kubler-Ross e acrescentaram uma sexta fase no processo de luto: a fase do significado, ou a fase de encontrar um sentido. Nessa fase, o indivíduo busca encontrar um significado para a perda e para a própria experiência de luto, buscando dar sentido à dor e integrar a perda à sua vida.
Eu vivi intensamente essa fase no meu luto e ele foi o grande provocador da minha transformação pessoal, que vivo ainda hoje.
É uma fase que envolve reflexão sobre valores, revisão de prioridades de vida, de fortalecimento de vínculos, busca por propósito e crescimento pessoal. Por trás de tudo está um forte desejo, até necessidade, do indivíduo dar mais sentido à sua existência.
É exatamente nesse ponto que a “busca por sentido” e o “sair de cena” se cruzam.
Muitas pessoas buscam “sair de cena”, ou mudar a direção da vida, por conta de um grande clamor interno de busca por uma vida com mais propósito ou sentido. Já existe algo queimando por dentro, nem sempre bem entendido, mas que é suficientemente forte para provocar uma mudança da existência.
Ao aceitarmos o modelo das 6 fases do luto, é bem razoável afirmar que aquele que decidir “sair de cena” e conseguir superar o inevitável luto que viverá em seguida, certamente entrará em uma fase de profunda reflexão e possíveis decisões de vida que poderão levá-lo a um estágio de maior propósito, significado e realização pessoal de sua existência.
A liberdade de ser apenas você
Os ventos vindos do João, André, Traca, meus amigos dos casos reais, o sussurro insistente do meu próprio ego, e até os lobos que ainda rosnam quando sentem o cheiro da desimportância, trazem frescor para minha forma de encarar a vida.
A grande lição aprendida é que sair de cena não é um ato de fraqueza e nem de derrota, mas de independência, liberdade e soberania.
Sair de cena é a coragem de trocar o aplauso efêmero daqueles que estão ao meu redor e que alimenta o meu ego, pelo silêncio necessário, contemplativo, mas também barulhento, para ouvir a voz da minha alma.
Sair de cena é vestir o manto da invisibilidade, não propriamente para sumir, mas para, finalmente, me fazer voar para longe dos holofotes que emolduram as personas que criei na vida e que distorcem quem realmente eu sou.
Sair de cena é aceitar e viver o luto das personas que me habita. É encarar a luta diária com o ego. A recompensa é uma vida mais leve, autêntica e, paradoxalmente, mais significativa. É entender que sou importante apenas para mim mesmo e para quem está no “meu barco”, e que essa é a única importância que verdadeiramente importa.
No grande boteco da vida, não há troféus no balcão, é onde aceito e assumo a minha desimportância, onde encontro a minha maior liberdade... e a liberdade de, finalmente, ser apenas eu.
Finalmente, sair de cena é sair do palco, mas não desistir de ser o autor da própria história, com a coragem de escrevê-la para um público de um: você mesmo.
