O dia em que a IBM Brasil vestiu bermuda e adotou o desconfiƓmetro
- Mauro Segura
- 6 de mar. de 2017
- 3 min de leitura
Atualizado: 19 de out. de 2024

Dia 23 de fevereiro de 2017 foi um dia de grande alvoroƧo na firma onde trabalho⦠hahahaha⦠a firma onde trabalho Ć© a IBM Brasil. Nesse dia a companhia publicou um vĆdeo muito divertido e surpreendente. Sabe aquele negócio de āqueixo caĆdoā? Foi isso que aconteceu.
Bem, confesso que meu queixo nĆ£o caiu nesse dia porque eu fiz parte da criação e produção do vĆdeo, portanto eu jĆ” sabia do que seria veiculado. Mas meu queixo e o corpo todo jĆ” haviam caĆdo bem antes, quando o pessoal veio falar comigo sobre o que estavam planejando. Inicialmente achei muito ousado, mas depois divertido. Fiquei realmente surpreso quando entendi todo o projeto.
O vĆdeo tem uma mensagem simples: o código de vestimenta, ou ādress codeā, foi implodido na IBM Brasil. NĆ£o existe mais! Que descanse em paz! Agora o que vale Ć© bom senso⦠vale cada funcionĆ”rio com sua individualidade, seus critĆ©rios, seus gostos, suas preferĆŖncias, sua sensatez e com seu respectivo desconfiĆ“metro ligado em nĆvel mĆ”ximo.
ReconheƧo que o antigo dress code jƔ estava morto hƔ muitos anos. Ele falava em uso de jeans somente nas sexta-feiras. DƔ atƩ vergonha de lembrar.
A abolição da escrav⦠ooopps, do dress code, não foi a única surpresa. Claro que a decisão de abolir o dress code foi o grande lance, mas o pacote completo foi uma espécie de combo, ele veio com três super surpresas. A empresa poderia ter comunicado a novidade mandando um email simples para todos, com um texto bonito, bem escrito, atéinstitucional, mas fez diferente escolhendo um caminho nada tradicional.
A primeira surpresa foi a forma bem humorada, inovadora, de comunicar a decisĆ£o da empresa. O vĆdeo nĆ£o foi apenas criativo e fora de padrĆ£o, mas tambĆ©m surpreendeu ao colocar os funcionĆ”rios como os porta-vozes da notĆcia, de um jeito informal, natural e engajador. Certamente a linguagem usada nĆ£o foi usual e veio carregada de mensagens simbólicas. Se o dress code foi abolido e a autonomia e responsabilidade estĆ£o delegadas aos funcionĆ”rios, entĆ£o nada mais natural que a comunicação dessa novidade fosse dada pelos próprios funcionĆ”rios.
A segunda surpresa foi o canal de comunicação. O vĆdeo foi publicado no blog interno da Diretora de RH da IBM Brasil, Chris Berlinck, por ela própria, incentivando as pessoas a se pronunciarem sobre a novidade. Ao fazer isso, ela ligou o para-raios para coletar as reaƧƵes de toda a organização, composta de milhares de funcionĆ”rios, com todos os riscos e benefĆcios de levar um tema polĆŖmico ao escrutĆnio pĆŗblico. No mesmo dia da publicação, o post jĆ” tinha alcanƧado mais de 10 mil views e mais de 500 comentĆ”rios, registrando um nĆvel de entusiasmo, engajamento e energia que transformou esse dia 23 num dia mĆ”gico.
A terceira surpresa foi a transparĆŖncia e a assertividade da mensagem. As bermudas estĆ£o liberadas. O conforto estĆ” autorizado. Os gostos pessoais e individuais serĆ£o respeitados. NĆ£o tem meio termo e bola dividida. Teve dĆŗvida? Veja o vĆdeo, siga as Dicas da Camis, que Ć© uma parte do vĆdeo onde uma funcionĆ”ria dĆ” dicas no estilo Glória Kalil. O Dicas da Camis, que dura 50 segundos no vĆdeo, deu tĆ£o certo que a empresa estĆ” analisando se vale a penar criar um programa a partir dessa ideia ao longo do ano, funcionando como um canal bem humorado para abordar as eventuais dĆŗvidas e dilemas que certamente vĆ£o aparecer nas próximas semanas e meses.

A adoção do āNO DRESS CODEā foi imediata. No dia seguinte Ć comunicação, os escritórios da IBM foram inundados de pessoas felizes, muitas de bermudas, de roupas leves, sapatos confortĆ”veis, mostrando seu individualismo, seus gostos⦠e atĆ© algumas camisas de Super Homem. Um amigo sugeriu chamar o dia 23 de āBermuda Dayā. Achei divertido. Apesar do āNO DRESS CODEā ir muito alĆ©m da liberação do uso de bermudas, nĆ£o tem como nĆ£o admitir que a bermuda virou o sĆmbolo de tudo isso.
Isso não é pegadinha, não é jogar pra torcida e não tem nenhuma segunda intenção por trÔs dessa decisão. A empresa sabe que excessos vão acontecer, sabe que vai ter que gerenciar situações complexas, dilemas onde a razão estarÔ no fio da navalha, percepções diferentes sobre o que são bom gosto e bom senso. Mas essa atitude e decisão foram pensadas, discutidas, vistas como algo intimamente conectadas à jornada de transformação cultural da companhia. O time executivo, especialmente a liderança de RH, não tomou a decisão olhando o dia de hoje, mas abraçou a causa olhando a linha de chegada, o futuro.
O dia do lanƧamento do āNO DRESS CODEā foi inesquecĆvel, foi daqueles dias emblemĆ”ticos que lembraremos no futuro como um dia de mudanƧas. Uma decisĆ£o, aparentemente simples, que terĆ” impacto no clima e que evidencia a transformação real de uma empresa que se propƵe a mudar o tempo todo. Me lembrou Neil Armstrong ao pisar pela primeira vez na Lua: āUm pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidadeā.