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Os riscos de se associar uma marca a uma pessoa – caso Michael Phelps

Lembro muito bem, há quase 15 anos, quando eu comandava a área de comunicação de marketing (publicidade, eventos, patrocínio e promoções) de uma empresa, que eu tive uma discussão fenomenal com o Diretor de Relações Externas (responsável por comunicação interna e externa, inclusive imprensa, e relações governamentais) a respeito de um projeto de patrocínio. Aliás, não foi uma única discussão, foram várias conversas duras e desgastantes.

Eu estava começando a minha vida em marketing e comunicação, era uma espécie de aprendiz de feiticeiro, e de repente estava diante de uma oportunidade maravilhosa de patrocínio. O retorno sobre o investimento mostrava-se espetacular e a oportunidade imperdível. A questão é que o projeto de patrocínio estava ligado a uma personalidade nacional, uma pessoa admirada por todos, com uma reputação inabalável e querida por toda a mídia.

Associar o nome da empresa a essa personalidade parecia ser maravilhoso, pois essa pessoa agregaria atributos importantes para a marca da empresa. Foi um projeto que eu vinha desenvolvendo arduamente, com características inovadoras e inexistente no mercado.

Como aprendiz da área, obviamente que eu cometi equívocos e erros que poderiam ter sido evitados. Um deles é que eu deixei para conversar com o Diretor de Relações Externas muito tarde, quando cheguei nele o desenho do projeto já estava num estágio muito adiantado.

Lembro muito bem da conversa inicial. Ele foi radicalmente contra o projeto desde o primeiro minuto. Ele não tinha nada contra a pessoa, aliás, ele afirmou várias vezes ser um admirador voraz dessa personalidade, mas achava um risco muito grande associar a marca da empresa a uma personalidade. Ou seja, seu argumento era conceitual e não dizia respeito ao nome envolvido. Ele não recomendava seguirmos em frente com um projeto daquele tipo, independentemente da personalidade ou do nome em questão.

Seu receio se baseava em dois simples pontos: – que o nome da pessoa se sobrepujasse a marca da empresa; – que algum problema pessoal daquela personalidade, desconhecido e/ou imprevisível, pudesse impactar os atributos da marca, podendo até causar uma crise, o que colocaria a credibilidade da marca da empresa em risco.

Ele dizia que, por mais inabalável que fosse a reputação de tal pessoa, fatos imprevistos e situações impensadas poderiam reverter o cenário e colocar em risco a marca da empresa. Acho que ouvi isso mais de “mil vezes”.

O projeto proposto era inicialmente de 12 meses. Isso significava dizer que, ao longo do tempo, a associação da marca da empresa com a personalidade iria se fortalecer, a ponto dos atributos dos dois lados se misturarem. O executivo tinha muito receio dos riscos envolvidos, apesar de todas as evidências mostrarem que os riscos eram mínimos e controláveis. Eu, na minha ingenuidade e inexperiência, achava-o excessivamente conservador e retrógrado. Não conseguia ver riscos sérios. Eu queria a todo custo colocar o tal projeto inovador no ar, pois tinha certeza que ele traria excelentes resultados para a empresa.

Enfim, foram várias discussões, muitas análises foram feitas até a tomada de decisão.


Conto toda essa história por conta da notícia que ocupa os jornais nos últimos dias. Michael Phelps, o super-campeão olímpico, foi fotografado fumando maconha numa festa universitária no final do ano passado. A foto foi publicada no domingo passado no jornal britânico “News of the world”.

Michael Phelps é sinônimo de sucesso, saúde e código de conduta. Ele é inspiração e herói de uma nação inteira. Seu nome tem sido venerado como atleta exemplar e modelo a ser seguido pelos jovens. Phelps virou ícone mundial e aspiração de muitas empresas em seus planos de marketing. É garoto-propaganda de empresas como Kellogg’s (a do sucrilhos), Omega (a dos relógios) e a Speedo (a fabricante de roupas de natação e outros produtos esportivos). Sua imagem está intimamente ligada a várias entidades importantes e associações como a USA Swimming. Sua imagem é tão forte e poderosa, que as caixas de sucrilhos Kellogg’s carregam a imagem de seu rosto estampada em grande estilo.

Enfim, seu nome era sinônimo de sucesso e reputação inabalável até semana passada. Era difícil imaginar que algo pudesse abalar esse fenômeno. Afinal, o que poderia acontecer a um campeão olímpico como ele, de 23 anos, com toda uma carreira ainda pela frente? O fato é que o improvável, o inconcebível e o inacreditável aconteceu. O sinônimo de saúde foi pego fumando uma “maconhinha” (ou algo parecido).

Phelps já está sofrendo as consequências dessa pequena ação impensada. A USA Swimming já publicou um comunicado dizendo que Phelps decepcionou o país. Os contratos de propaganda estão sendo revistos. A Kellogg’s já disse que não vai renovar o contrato com o atleta. E por aí vai. Aliás, vale dizer que a Kellogg’s está em maus lençóis, pois como eu já disse antes, seus sucrilhos vendidos nos supermercados americanos carregam a imagem destacada de seu garoto propaganda. Como resolver e tratar isso? O pessoal de marketing e comunicação da Kellogg’s deve estar pensando um bocado. Aliás, se você estivesse no lugar deles, o que você faria? Boa pergunta, né?

Aqui no Brasil temos vários exemplos de rostos e nomes que ficaram intimamente conectados à marcas de empresa. Para citar um exemplo, lembro da Embratel que durante anos teve a Ana Paula Arósio liderando suas iniciativas de marketing.

O resumo disso tudo é que empresas de marcas fortes têm que pensar muuuuuito a respeito dessa estratégia de associar sua marca a uma personalidade, por mais “segura” e inabalável que ela seja. O exemplo de Phelps é um dos melhores exemplos que vi nos últimos tempos.

Valer ler esse post de Mario Persona, pois ele aborda bem esse tema de associação de pessoas a uma empresa.

E para você, que estava curioso com a minha história…

O projeto era o patrocínio do Jô Soares, quando a IBM colocou na mesa do Jô, no seu programa Jô Onze e Meia, um notebook onde ele acessava a internet ao vivo. Foi a primeira vez que isso foi feito na TV em todo mundo. Foram quase dois anos contínuos no ar, de segunda a sexta, com grande sucesso e impacto na mídia.

O Diretor da IBM era Roberto Castro Neves, uma das maiores autoridades de comunicação corporativa do país, hoje consultor e ombudsman da Aberje, além de autor de vários livros de comunicação.

É isso mesmo que você está pensando. O projeto foi adiante e gerou grande retorno para a IBM, que naquela época buscava popularizar sua marca pois ainda era grande fabricante de PCs. Os nomes IBM e Jô Soares ficaram intimamente conectados durante esse período. Aliás, foi muito divertido trabalhar junto com Jô e sua equipe – um pessoal formidável, competente e muito profissional, comandado por um gênio da comunicação.

Prá fechar o post, acho muito improvável que eu faça um projeto como esse novamente. O caso Phelps explica tudo, né?

Vai aqui um abraço saudoso ao amigo e mestre Roberto Castro Neves. Um dia escrevo sobre ele.

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