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Quando vamos fazer algo diferente, Mauro?



Numa entrevista recente, motivada pela sua vinda ao Rock In Rio, o lendário Pete Townshend, do The Who, disse que precisa desesperadamente fazer algo novo e diferente. Seu incômodo tem origem em algo que ele faz constantemente: tocar as mesmas músicas compostas há muito tempo – a maior parte dos sucessos do The Who foi feita há mais de 30 anos. Ele diz que nos palcos, durante seus shows para dezenas de milhares de pessoas, uma voz vinda de sua consciência surge inesperadamente. Às vezes, ela diz: “Você foi tão brilhante, jovem Pete”. Mas em outras vezes diz: “Quando vamos tocar algo difícil?”.


Dias atrás, num evento onde o iluminado Romeo Busarello falava no palco para profissionais de marketing e comunicação da IBM, ele disse que, como profissionais, nós temos que nos desafiar a entrar em áreas que não dominamos. Foi categórico ao afirmar que nossa sobrevivência e reinvenção depende disso. Foi tão enfático que gerou profundo desconforto na plateia. O fato é que a maioria de nós tem consciência disso, porém, gastamos quase a totalidade do nosso tempo lidando com o mesmo de sempre e com as mesmas pessoas ao nosso redor. Parece que estamos sempre buscando fazermos melhor o que já sabemos fazer. Isso é importante, mas está longe de ser suficiente.


Busarello afirma que os profissionais, especialmente de marketing, têm que desenvolver a habilidade fundamental de criar e manter relacionamentos. Para isso, ele cunhou uma expressão própria: Hora Bar. Precisamos conhecer pessoas diferentes e ter conversas abertas, nos conectar com novas cabeças, de onde vêm novas ideias e soluções. A exposição a novos pontos de vista, conhecimentos e percepções ajuda a rejuvenescer a mente a e alma. É papo de bar mesmo: sem freio, livre, divertido, sem agenda, sem prazos e sem responsabilidades. Isso vale no mundo físico e no mundo digital. Precisamos destinar mais tempo para o “hora bar”.


Eu e Busarello somos executivos de grandes empresas. Somos bem remunerados para empurrar o caminhão. Aceitemos ou não, mas a realidade nua e crua é que maior parte da nossa agenda de trabalho é gasta com administração de pessoas, construção e implementação de projetos. Lidamos com processos, reuniões, negociações, conflitos e desafios corporativos tradicionais de grandes organizações. Pejorativamente, eu chamo isso de máquina de moer carne. Estamos nela o tempo todo, às vezes, conscientes e outras vezes inconscientes. Pode entrar o que for na máquina, mas o que sai é quase sempre o mesmo. Muitas das nossas atividades diárias são realizadas por hábito. Nossas tomadas de decisão são fortemente influenciadas por nossas experiências acumuladas, basicamente aquelas que consideramos que foram sucesso. Se deu certo, por que não continuará dando? E assim vamos caminhando e mantendo o status quo.


A incrível sensação de Pete Townshend dizendo que precisa fazer algo novo e diferente também habita a minha mente. Penso nisso o tempo todo. Preciso fazer algo novo. Preciso aprender coisas novas. Preciso me relacionar com pessoas novas e diferentes de mim. Preciso ter uma sensação mais prazeirosa de realização profissional. Sinto que posso fazer muito mais do que faço hoje, mas como? Como fazer isso se estou na máquina de moer carne. Quais as alternativas para mudar essa situação? Isso não me sai da cabeça.


Dias atrás, um colega entrou no meu escritório, em casa, e exclamou: “Esse seu escritório aqui é uma zona, um verdadeiro caos”. Ele sorriu, andou de um lado para o outro, contornou a mesa e disse: “Queria ter um ambiente assim na minha casa”. Dessa vez fui eu que sorri.


O meu escritório, a minha estante, a minha mesa caótica, os meus livros com dezenas de pequenas dobras nas folhas, o imenso número de papéis com rascunhos de manuscritos de ideias e coisas a fazer, as minhas canecas com dezenas de canetas coloridas… tudo isso parece um retrato da minha cabeça. Sinto que tenho novos caminhos para trilhar, coisas diferentes para realizar, mas me sinto preso, apenas me dando ao luxo de pequenos voos esporádicos.


Ao longo do dia, seja no trabalho, seja no trânsito, seja na minha casa, em qualquer lugar e a qualquer momento, eu convivo com uma voz dentro de mim falando: “Mantenha os pratos girando, Mauro”. E fico pensando sempre nos pratos diários que tenho que girar para não caírem, tal qual o malabarista mambembe das ruas. E ela repete: “mantenha os pratos girando”.


Quebrar pratos é uma velha e milenar tradição grega, que ainda hoje está presente nas festas daquele país. A origem do hábito, surgido há milhares de anos, perdeu-se no tempo, mas os gregos afirmam que é uma forma de demonstrar alegria e desapego pelas coisas. Às vezes, me pego pensando nos meus pratos e nessa tradição grega. Enquanto eu luto para não abandonar os pratos, os gregos os desdenham.


Continuo com meu incômodo, sem ter uma resposta, mas cada vez com menos disposição de manter girando os pratos que tenho hoje. Quero novos pratos. Não quero mais pratos redondos. Quero pratos quadrados, volumosos, diferentes, menos previsíveis e mais coloridos. Deixo os pratos redondos e brancos para quem gosta deles, e com certeza muitos gostam de pratos redondos e brancos. Às vezes, me permito deixar cair alguns pratos, que sutilmente enganam a minha consciência, funcionando como uma resposta à mesma voz da consciência do Pete: “Quando vamos fazer algo diferente, Mauro?”.


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