Recentemente, fiz a quarta tatuagem no meu corpo.
Diferentemente das pessoas que fazem tatuagens de maneira efêmera e casual, eu tenho uma relação distinta com elas. Para mim, cada tatuagem conta uma história, uma marca indelével que representa um momento importante da minha vida.
Nenhum risco no meu corpo é aleatório ou por acaso. Somente a primeira tatuagem foi feita de forma impulsiva por um tatuador cujo nome não me recordo. As três seguintes, no entanto, são obras do talentoso Bernardo Perpettuo - um artista, ser iluminado, de mãos mágicas, sensível, habilidoso, criativo e leitor de mentes, pelo menos a minha.
Confesso que nunca imaginei ter tatuagens. Havia um preconceito enraizado dentro de mim, influenciado pela minha formação e cultura familiar. Falar sobre isso é desconfortável, mas também libertador. O que me levou a mudar de ideia? Às vezes me pego refletindo sobre isso.
POR QUE TATUAGENS?
A primeira resposta tem conexão com o que falei anteriormente: para marcar momentos importantes da minha vida. Porém essa resposta não é suficiente. Há algo mais profundo. Então passei a me observar mais, até que encontrei uma segunda resposta.
Desde 2020 eu sinto que renasci como ser humano. As minhas tatuagens se tornaram um lembrete diário dessa minha transformação.
Cada vez que me olho no espelho, as tatuagens me lembram que estou desvinculado do antigo Mauro, que estou em uma estrada de autotransformação, onde somente caminhar para frente me interessa. Essa lembrança é constante.
As tatuagens incomodam o Mauro do passado. Elas parecem um pouco transgressoras para ele, e isso é bom. Mr. Hyde, que habita dentro de mim, adora essa transgressão e tem sido um incentivador para as minhas tatuagens. Sempre que me vejo no espelho, surge Mr. Hyde sussurrando no meu ouvido: “Continue! Você está indo bem! Nunca deixe de olhar as tatuagens. Lembre-se do compromisso que você tem consigo mesmo”.
Se você não conhece o Mr. Hyde na minha vida, sugiro clicar no post “Eu e Mr. Hyde”.
A QUARTA TATUAGEM
Há mais de um ano que eu venho elaborando essa quarta tatuagem. Foi um processo lento e gradual, de idas e vindas. Meu propósito inicial era que essa tatuagem representasse o meu atual momento de vida.
Eu vivo a fase mais maravilhosa da minha existência e me parecia um grande desafio traduzir esse estado de espírito em uma arte na minha pele. Por isso demorei a elaborar, até ter certeza dos elementos finais que comporiam o conceito. Na minha cabeça, a tatuagem também deveria homenagear a Valéria, que foi a grande responsável por pegar na minha mão e me colocar em uma nova estrada de vida, iluminando-a e sempre me guiando.
Com tudo isso em mente, eu selecionei quatro elementos que deveriam estar na tatuagem.
OS QUATRO ELEMENTOS
O Sol
Um grande sol, vibrante e radiante, simbolizando a luz, energia e clareza mental que sinto atualmente. Ele representa o meu estado de espírito iluminado pelo universo.
O Caminho
Visualizo a minha vida como uma longa trilha a ser desbravada, sem limites e cheia de oportunidades e alternativas, repleta de novas descobertas, podendo me levar para onde eu desejar e sonhar, com todo o potencial dentro de mim. Uma imagem de um caminho, uma trilha cercada por montanhas, expressa essa jornada livre e rumo ao infinito, um reflexo da minha paixão por trilhas.
Os pássaros
A liberdade é o meu maior tesouro. Sinto-me leve e sem amarras. A cada dia que passa eu descubro o verdadeiro Mauro dentro de mim, que desabrocha, podendo ser quem realmente ele é e deseja ser, sem limites, imposições e expectativas. Vivo uma vida de liberdade plena. Para capturar essa liberdade de forma sutil, imaginei pássaros voando em um horizonte infinito, emoldurados pelo sol - uma bela representação do meu verdadeiro eu.
Plantas e Flores
Por último, imagino a tatuagem abraçada por plantas e flores, simbolizando amor, harmonia e paz, que hoje norteiam a minha existência. Cuidar de plantas é uma das minhas paixões. Imaginei a imagem delas envolvendo a tatuagem, representando minha gratidão pela vida.
O quinto elemento: o legado da Valéria
Tudo isso só é possível por causa da Valéria. Embora eu acreditasse que um dia eu chegaria a esse estado de vida, a Valéria acelerou e potencializou essa transformação. Essa tatuagem não é apenas uma marca na minha pele, é um tributo a tudo que Valéria me trouxe.
A “ÚLTIMA” TATUAGEM
Ao finalizar os conceitos da tatuagem, eu conversei com Bernardo, o tatuador. Falei nos 4 elementos e apresentei estilos e ideias. Ele, com todo o tempo do mundo, ouviu a minha história e conversamos muito. Dias depois ele apresentou a proposta de tatuagem: perfeita!
O design final incorpora uma sutil letra “V” formada pelos galhos das plantas abraçando a tatuagem, um toque delicado que homenageia a presença da Valéria em minha vida. Linda!
Na minha cabeça, essa é a minha última tatuagem. Já tenho tatuagens nas duas pernas e nos dois braços. Não me vejo fazendo novos desenhos pelo corpo. No entanto, me vem uma história de anos atrás.
Certa vez, conversando com uma amiga sobre tatuagens, eu comentava que já havia feito uma tatuagem na minha perna e estava pensando em fazer uma segunda tatuagem. Eu disse que a segunda tatuagem seria a última, que eu nunca mais faria qualquer nova tatuagem no meu corpo.
Essa pessoa amiga olhou para mim e falou:
“É comum as pessoas fazerem uma tatuagem e pararem na primeira. Ficam com apenas uma. E podem existir várias razões para isso. As vezes não gostaram da experiência, se arrependeram, sentiram dores no processo etc. Por outro lado, existem pessoas que gostaram, curtiram, porém estão satisfeitas e não sentem vontade de fazer uma segunda tatuagem. E está tudo bem assim”.
Então a minha amiga complementou, abrindo um sorriso contido:
“No entanto, quando uma pessoa já tatuada, como você, afirma que vai fazer uma segunda tatuagem, é porque certamente virá a terceira”.
Eu lembro que recebi aquele comentário como uma brincadeira e não como uma profecia. Mas a minha amiga estava certa.
A HISTÓRIA DAS MINHAS TATUAGENS
A história das minhas tatuagens começa há menos de dez anos.
A primeira tatuagem foi em 2016, de surpresa para Regina. Nós havíamos feito uma viagem maravilhosa de férias pelo sul do país. Cheguei no Rio e tive uma enorme vontade de fazer uma tatuagem em homenagem a ela. Foi algo que surgiu de repente e que eu decidi que não iria reprimir. Foi impulsivo e intuitivo. Deixei rolar. Pensei em uma coroa de rainha e decidi por fazer a tatuagem na panturrilha da perna direita. O desenho é simples, porém grande. Tem uma grande coroa e um “R”, grande e de formato clássico, de Regina e de Rainha. Foi uma forma de marcar o meu amor por ela. Não falei nada previamente e fui fazer escondido. Lembro chegando em casa e da reação dela. Ela deve ter pensado: “Esse não é o Mauro que conheço”. Ela ficou encantada com a tatuagem. Meses depois, em um exame de rotina, Regina foi diagnosticada com câncer. Os anos seguinte trataram de mudar o curso de nossas vidas, história já contada intensamente no meu blog.
A segunda tatuagem veio em 2020. Era final de agosto e a Regina havia partido 6 meses antes. A história dessa tatuagem está detalhadamente contada no artigo “O beija-flor e a tatuagem”, carregada de emoção e de fatos surpreendentes. Na época fiz a tatuagem para guardar para sempre a história do beija-flor e de minha vida com a Regina. No entanto, pouco tempo depois, eu ressignifiquei a tatuagem. Passei a vê-la como uma marca do meu renascimento como ser humano, da mudança do curso de minha vida, de descobertas e novos caminhos. É uma tatuagem carregada de energia e significados.
Hoje, quando vejo a tatuagem, lembro da Regina e do meu renascimento, tudo misturado. Em todos os momentos da minha vida que vejo um beija-flor, vejo o pássaro como a Regina me visitando e falando baixinho no meu ouvido: “Eu estou aqui, sempre do seu lado”.
A terceira tatuagem é do final de 2021. Essa tatuagem marca o surgimento de algo que parecia impossível: um novo amor na minha vida. Foi algo que eu nem cogitava, mas o universo surpreende e conspira. Valéria entrou na minha vida transformando tudo, subvertendo, amplificando e acelerando o meu processo de renascimento. Passei a viver sentimentos de adolescente e a clara sensação de início de uma vida nova. A cada dia que passava surgiam evidências de que estava diante da fase mais encantadora da minha existência e que a Valéria seria a minha companheira nessa nova jornada.
Certo de que esse era o “meu caminho”, eu fiz uma tatuagem na panturrilha da perna esquerda. A tatuagem tem um grande “V” de Valéria, com 3 elementos: um sol, pássaros e uma chave. O sol mostra a luz que a Valéria trouxe para a minha vida, dando mais clareza e iluminando um novo caminho. Os pássaros simbolizam leveza e liberdade. E a chave reforça tudo isso, porque a Valéria me tirou da prisão, da armadilha de vida em que eu estava metido. A chave representa a gaiola aberta, ela implodiu as minhas crenças limitantes e o meu vitimismo, dissolveu as minhas certezas de que eu já tinha vivido o melhor da minha vida e nada de bom me restava. Fiz a tatuagem de surpresa para Valéria. Ela não esperava. O “V” na minha perna, rodeado por símbolos de liberdade e luz, é uma declaração diária de amor por ela.
São quatro tatuagens. São quatro momentos de grande significado na minha vida. São marcas visíveis das experiências que vivi, das dores e alegrias que moldaram quem sou. Ao olhar para cada uma, lembro de que a minha jornada está sempre em movimento. Cada um dos desenhos me conecta ao meu passado, mas também me impulsiona para o futuro. O que parece ser o fim, quase sempre também é um recomeço.
Tenho a certeza de que esta quarta tatuagem será a última. Por mais que eu pense dessa forma, a mente voa e imagina a minha amiga querida sussurrando no pé do meu ouvido: “Quem faz a quarta tatuagem, sempre faz a quinta”.