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Um ano depois, a nossa última rosa



Eu dei a rosa para Regina e ela ficou fascinada. Nós ficamos extasiados. A rosa era linda, vermelha, dentro de uma redoma de vidro. Parecia uma rosa mágica. Nós a colocamos em um lugar de destaque na sala. Esse foi o nosso presente de casamento em setembro de 2019. A rosa nos acompanhou nos últimos seis meses de vida dela. Sempre ao alcance da nossa vista.


Essa rosa chama-se “rosa encantada”. É uma rosa verdadeira, tratada quimicamente, conservada artificialmente para manter a aparência de beleza e vitalidade por dois anos, talvez até por três anos.

Hoje, 28 de fevereiro de 2021, é um dia importante. Faz exatamente 1 ano que a Regina partiu. Já contei essa história várias vezes nesse blog, com todos os desdobramentos de uma montanha-russa de sentimentos, repleta de subidas e descidas. Após todo esse tempo, finalmente, me senti preparado para libertar a rosa de sua prisão de vidro.


Dentro de mim, a libertação da rosa é uma simbologia muito forte pois marcará o fim de um ciclo e o início de outro na minha vida.

As cinzas da Regina foram jogadas no mar de Paraty no dia 10 de março de 2020, exatamente no dia de seu aniversário… dez dias depois de sua partida. Realizamos uma cerimônia linda, simples, íntima, de celebração, jogando suas cinzas na entrada da Baía de Paraty, quase já em alto mar. Era um dia lindo, de clima perfeito, de céu e mar azuis, de paz celestial e corações repleto de gratidão e resignação. Foi emocionante e inesquecível. A Regina adorava comemorar anualmente seu aniversário, habitualmente com festa e muita energia, ela adorava mar e Paraty sempre foi o “seu” lugar.




A Regina gostava muito da rosa encantada. Eu também! Portanto essa rosa sempre foi importante para nós dois. Eu não gostaria de manter a rosa em minha casa, aprisionada na redoma, esperando o tempo passar, até vê-la se transformar em arbusto seco e descolorido. Mantê-la longe da Regina foi um incômodo para mim durante o ano passado.


Há meses que venho pensando em como fazer a rosa encantada chegar à Regina, de alguma forma, esteja ela onde estiver. E sempre achei que o dia certo para esse encontro seria o dia de completar 1 ano de sua partida. O dia chegou! Imaginei ver essa rosa, que ainda tem “vitalidade”, entrando no mar, navegando e chegando às mãos da Regina.


Eu sempre dei rosas para Regina ao longo de nosso relacionamento, desde o início do nosso namoro, portanto idealizei ser essa a nossa “última rosa”.

Acordei bem cedo hoje, ainda com o dia clareando. Fui direto para a praia do Pontal, no Recreio, nos primeiros sinais do amanhecer. A praia do Pontal é um local que nós fomos várias vezes ao longo dos dois últimos anos de vida da Regina. É um lugar lindo, de natureza exuberante. A Regina entrava no mar e se revigorava.


Minhas pegadas na Praia do Pontal

Esse era o nosso ritual: chegávamos na praia em um horário super cedo, eu estendia a toalha na areia, perto da água, no lugar com o mar mais calmo, a Regina imediatamente entrava no mar, tomava um banho por inteira, mergulhando a cabeça várias vezes, sempre em movimentos lentos. Isso durava aproximadamente quinze minutos. Depois ela caminhava lentamente para a areia, onde ficava mais quinze ou vinte minutos sentada na toalha. Conversávamos pouco.


O prazer era sentir a brisa, contemplar o mar e ver o sol subindo no horizonte. Esse era o tempo suficiente para ela se secar um pouco. Em seguida deixávamos a praia. Voltávamos para casa. Ela com os pés sujos de areia, olhos brilhando de vida, pele colando da maresia forte, janela aberta do carro com o vento entrando, com a esperança renovada e a alma mais leve. Isso sempre fez bem para ela, porém ganhou uma conotação mais especial durante a fase mais aguda de seu tratamento, especialmente no último ano.


Vir para praia do Pontal é inevitavelmente lembrar da Regina. A imagem dela entrando e saindo da água ainda está clara na minha cabeça. Consigo ainda vê-la caminhando na areia com o mar ao fundo, cabelos ralos molhados, passos lentos, sorrindo para mim, depois sentada contemplando o mar, como se tudo estivesse bem, como se ela fosse o ser humano mais feliz do mundo e mais abençoado pelos céus. Ela sempre foi assim.


Regina na Praia do Pontal

Voltando para o dia de hoje. Como disse, cheguei bem cedo na praia quase deserta. Com a rosa em mãos, sem a redoma, caminhei até o mar e pousei a rosa delicadamente na água, como se o mar fosse uma cama, com textura e conforto. O mar estava agitado, bem diferente de outras vezes em que o mar estava mais calmo. Mesmo assim, a rosa flutuou e, lentamente, foi se distanciando, evidenciando que o mar entendeu a missão de receber a rosa e levá-la para o destino desejado.


Fiquei aproximadamente trinta minutos naquele local, olhando o mar, olhando a rosa, olhando o mar, olhando a rosa, até ela se tornar um pequeno ponto minúsculo no meio da imensidão. Eu via tudo como nos velhos tempos: o vento acariciando o rosto, o forte som da arrebentação das ondas, as línguas de água refletindo o amanhecer e invadindo a areia brilhante, enquanto o sol subia no horizonte lentamente, sentado na mesma toalha de praia, como tantas vezes fizemos juntos. Tudo isso me fez bem.


Praia do Pontal

Depois resolvi caminhar na praia, imerso na playlist que me faz viajar no tempo e sempre me aproxima da Regina. Fiquei muito emocionado.


Deixei soltar a saudade que venho controlando ao longo de todo esse tempo. Me permiti ficar triste de novo, pensar nela com toda força.


De repente, a minha vida toda com ela me veio a cabeça. Que vida! Não foi uma sensação ruim e nem de tristeza, mas sim uma sensação boa, de plenitude e gratidão. Enfim, foi uma saudade boa, mesmo com lágrimas nos olhos. A sensação foi que ali, naquele momento, eu estava fazendo realmente a última despedida da Regina, como se ela estivesse partindo para uma longa viagem.


Conversei muito com ela. Mesmo distante, ainda sinto ela do meu lado o tempo todo. Isso tudo foi muito especial, uma sensação que poucas vezes tive na vida. Senti uma energia forte, me senti leve, em paz e pleno. Tudo isso me parece impossível de descrever em palavras. Ao entrar no carro, para voltar para casa, eu chorei muito, como nunca chorei na vida. Foi uma despedida de verdade.


Praia do Pontal

Aprendi, no meu processo de luto, que é saudável criar marcos de mudança de ciclos. Esses marcos funcionam como virada de página, ou melhor, mudança de capítulos. Para mim, esse momento da rosa chegando à Regina marca uma mudança de capítulo em minha vida. Como já escrevi antes, em outro texto no blog, considero que o meu luto já acabou. Acredito que a rosa encantada no mar é o melhor símbolo para o fim do meu luto.


Mesmo que alguns amigos não demonstrem empatia pelo que vou dizer, afirmo que uma pessoa de luto vai sorrir de novo, vai entender que a vida continua e vale a pena, que um passado lindo não inviabiliza um possível futuro maravilhoso e que coisas extraordinárias ainda podem acontecer na vida de pessoas enlutadas.


Com sorte, uma pessoa que perdeu um grande amor, pode encontrar um grande amor novamente. E, mesmo encontrando o amor novamente, nada do que foi vivido ficará para trás, nada será esquecido ou negligenciado, nada será apagado, porque o passado fica para sempre dentro da gente.


Lembro muito bem que a Regina, em seu último ano de existência, já sabendo do desfecho inevitável, puxou conversas comigo sobre a nova companheira que eu deveria ter na minha futura vida. Regina tomava a iniciativa de conversar comigo sobre esse assunto, apesar de me provocar enorme incômodo. Ela dizia que eu não saberia viver sozinho e que eu precisaria viver com uma nova parceira depois de sua partida. Por diversas vezes, ela me deu instruções das características e habilidades que essa parceira deveria ter, para que eu realmente estabelecesse um novo ciclo de felicidade na minha vida. Eu não consigo descrever o que eu sentia durante essas conversas e como tais diálogos ainda repercutem na minha cabeça.


O fato é que as projeções da Regina sobre a minha nova vida começam a fazer sentido e prognósticos se tornam realidade. No final do ano passado, surgiu um novo grande amor na minha vida. As estrelas se alinharam no céu e colocaram uma pessoa maravilhosa na minha frente, pela qual estou apaixonado. E não estou apaixonado somente por ela, mas também pela minha nova perspectiva de vida, pelo futuro, por tudo que posso construir com essa pessoa.


Praia do Pontal

O fato verdadeiro é que eu não estava procurando por uma nova parceira na minha vida. A Valéria muito menos. Mas o amor é imprevisível e improvável. Ele simplesmente aparece, invade as nossas vidas, ocupa espaço, cria amarras e nos transforma. Eu e Valéria não estamos vivendo um flerte ou uma aventura. Existe algo muito mais forte nos unindo, até porque somos maduros e sabemos compreender os sentimentos que vivem dentro da gente.


Engana-se quem pensa que, ao me apaixonar pela Valéria, eu esqueci da Regina. As coisas não funcionam assim. A Regina está presente no meu relacionamento com a Valéria, porque a vida, a morte e o amor da Regina fizeram de mim a pessoa com quem a Valéria se apaixonou e está se relacionando. Eu não deixei a Regina para trás porque ela sempre será parte da minha existência. O fato é que dois mundos se desenrolam ao mesmo tempo dentro de mim. A Regina está se tornando passado. A Valéria é o presente e futuro.


Meu amor pela Regina e meu amor pela Valeria não são excludentes, muito menos são sentimentos opostos. Eles caminham juntos porque Valéria e Regina fazem parte da mesma trama, da mesma teia, do mesmo livro. As páginas viram, os capítulos mudam, mas o livro é o mesmo… o livro da minha vida! Páginas não podem ser apagadas, muito menos arrancadas. Apenas novas páginas se somam ao meu livro.


Isso tudo para mim é muito mágico, difícil de descrever e explicar. Eu nunca poderia imaginar que eu estaria sentindo o que vivo hoje, que eu estaria diante de um futuro tão inesperado e improvável, especialmente depois do que vivi nos últimos anos. Acho que pessoas não conseguem entender quando falo que meu futuro é de luz.


Valéria é o propósito da minha vida daqui para frente. Ela é o renascer e o despertar do que existe de melhor dentro de mim. Ela é a evidência que o amor se renova e que a vida é maravilhosa. Com ela me sinto protegido e abraçado, me sinto um ser humano melhor e mais pleno. Com ela, a vida faz sentido. Que siga assim!


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