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Sobre fazer 60 anos

Cheguei aos 60!

Confesso, pesaroso, que eu nunca dei muita importância para aniversários. Aliás, nem lembro quantos pedidos de desculpas eu dei para a minha amada Regina por conta disso. Ela amava aniversários, muito! Eu nunca esqueci os aniversários dela e os nossos aniversários de casamento, mas os meus eu nunca dei atenção.

Esse seria apenas mais um aniversário, como tantos outros, porém eu vivo um momento muito especial, que se configurou há poucos meses. A minha amada partiu, eu não estou mais empregado e esse aniversário é de 60 anos de idade, que é um marco emblemático.

Se a minha amada ainda estivesse aqui comigo, fisicamente ao meu lado, certamente ela não deixaria a data dos 60 anos passar em branco. A Regina nem daria chance para eu me pronunciar porque ela trataria de fazer uma festa, mas aqui estou eu sem ela nesse mundo. Eu não tenho vontade de celebrar. Por outro lado, 60 anos são 60 anos, né? Daí decidi me dar um presente especial.

O presente foi me dar uma semana viajando sozinho (com todos os cuidados necessários por conta da pandemia), um tempo para me curtir, esvaziar e ocupar a cabeça com coisas amenas, em uma viagem sem complexidade e “easy going”, espartana, apenas paz, contemplação e relax. Como bônus da viagem, ganhei uma oportunidade para me testar, descobrir se curto realmente uma viagem desse tipo, provar a mim mesmo que consigo me divertir sem a presença física de minha amada (ela está dentro de mim!), também me provar que ainda sou jovem e tenho uma nova longa vida pela frente, exclusivamente minha para construí-la da forma que desejar. Eu fui para a região de Vassouras e do Vale do Café, no Rio de Janeiro, onde estou passando dias maravilhosos.

O meu maior desafio ainda tem sido me conhecer. Eu tenho dificuldade de dizer o que eu gosto e o que almejo.

Minha vida sempre foi para os outros, ponderando e dividindo as coisas e as decisões. Agora estou sozinho, com tudo a minha disposição: todos os minutos do dia são meus! É muita coisa, eu nunca tive tudo isso a meu dispor. Nessa viagem eu descobri isso, e continuo descobrindo.

Alguns anos atrás alguém me disse que “a vida começa aos 60”, o que verdadeiramente é uma mentira. Quem já viveu 60 anos, como eu, já viveu bastante. Os remédios que tomo diariamente, a dor no joelho esquerdo e os cabelos grisalhos comprovam o meu estágio de vida. Estou numa boa com isso, mesmo sabendo que são comprovações de que estou na descida da montanha russa.

Os 60 não me parecem o fim, mas sim o começo de algo.

O bom dos 60 anos, pelo menos no meu caso (tem gente que pensa diferente), é que eu não sinto necessidade de provar mais nada para ninguém, apenas para mim mesmo. O desafio sou eu mesmo. Segundo o meu querido amigo Romeo Busarello, quando passamos dos 50 anos de idade a gente já viveu o suficiente para não precisar se provar para os outros, por isso ganhamos o direito de decidir pelas coisas que nos fazem bem, nos colocando como prioridade. Ou seja, já temos quilometragem de vida e por isso ganhamos o delicioso direito de falar “foda-se” para algumas coisas. Confesso que tenho exercitado esse direito algumas vezes, sempre falando quietinho dentro de mim.

A grande questão em meu momento de vida não é olhar para trás, mas para frente. Começo esquecendo o carimbo de idoso. Aliás, as vezes eu me confundo. Sou ou não sou idoso? O governo as vezes diz que idoso é acima dos 60, outras vezes, 65, já até li 80 anos em algum lugar. Eu já virei essa página. Estou me considerando um idoso-jovem, alguém ainda com muita vitalidade, cabeça boa, bonito de corpo e alma, com muita vida pela frente.

Tenho que cuidar de ter uma vida com propósito, manter a auto estima em alto nível e alimentar continuamente a motivação com o futuro. Os próximos 30 anos poderão ser interessantes, já que estou com algo novo em mãos. Estou viúvo. Os meus filhos estão crescidos, já trabalham, tem suas próprias moradias e são independentes. Eu não tenho mais pretensões na vida profissional, apesar que considero voltar a trabalhar, porém não nas atividades antigas. Não preciso me preocupar em manter meu emprego (até porque ele não existe), em ser promovido e buscar aumento de salário. Isso é libertador, mas estou consciente que preciso levar uma vida mais simples, minimalista e comedida. Enfim, estou em uma nova fase de carreira.

Meus principais desafios atuais têm sido administrar o tempo e dar senso de propósito a tudo que faço. Passo os dias questionando cada atividade do dia: porque faço isso, porque faço aquilo, e o que aquilo ajuda de verdade para o meu bem estar físico e mental, para o meu futuro. Estou gostando desse exercício mental, até porque isso me obriga a me conhecer e testar valores e gostos.

Estou bem fisicamente, com espírito elevado e a mente super ativa. Na verdade, eu acho que nunca estive tão bem equilibrado física e mentalmente. Sinto que estou no ápice da minha vida como ser humano, mesmo considerando os remédios que citei no início desse texto. Por isso não sei ainda muito bem descrever o que é chegar aos 60. Me parece bom.

A idade, em si, é o menos importante. O que importa é o meu momento de vida, que é um caderno em branco pronto para ser escrito. Quero conhecer coisas novas, me abrir para novas experiências e trilhar novos caminhos. O bom disso é que essa opção depende apenas de minha iniciativa e decisões.

Certa vez, em uma palestra, o meu amigo Busarello falou uma coisa que eu guardei para sempre. Ele disse que a vida típica tem 4 S´s. O primeiro S é o da sobrevivência, que vai até aos 25 anos. É quando compramos o primeiro carro usado, sem ar condicionado, almejamos a vaga de estagiário, nos sentimos perdidos na profissão, começamos a dar os primeiros passos na vida e tudo é novidade.

O segundo S é o do sucesso, que vai dos 25 aos 50 anos de idade. É quando constituímos família, criamos filhos, ralamos trabalhando, juntamos dinheiro, desenvolvemos os repertórios social e profissional, ou seja, é a fase que queremos ser alguém na vida e ter sucesso. É uma fase de muito trabalho e busca insana pelo crescimento profissional. São muitos pratos para equilibrar ao mesmo tempo, enquanto subimos a íngreme montanha da vida.

O terceiro S ocorre na fase dos 50 aos 75 anos de idade. É o período que estou vivendo. Essa é a fase do significado, da significância e do propósito. É uma fase que surge sutilmente em nossas vidas, aparece como uma inquietude, que vai crescendo lentamente e nos dominando ao longo do tempo. Ela começa a ficar evidente nas pequenas coisas, nas atitudes e nos pensamentos. Aí começam os questionamentos e não para mais.

Essa é uma fase em que não falamos mais em qualidade de vida, mas em vida com qualidade. Parece um pequeno jogo de palavras, mas não é. Na minha idade, eu quero viver uma vida que vale a pena, quero fazer o que me dá prazer, viajar, aprender e conhecer, ajudar quem precisa, fazer o que é certo e não porque alguém está mandando, não quero apenas fazer exercícios físicos, mas também exercícios para alma. Quero falar muitos foda-se, mas sempre de forma ética, coerente e educada.

Quero viver para mim, fazendo o que me alimenta e me enobrece. Esse é o meu maior presente nesses 60 anos.

O último S é dos 75 anos em diante, que é o S de sossego.

Essas faixas de idade, citadas por Busarello, parecem fazer sentido apenas para as pessoas de minha geração. Certamente as gerações mais novas estão abreviando esses quadrantes. O mundo atual é um mundo de oportunidades, os jovens estão mais conscientes e mais empoderados para mudar a direção de suas vidas a qualquer momento. Vejo uma discussão profunda sobre propósito de vida em pessoas de todas as idades. Além disso, eventos e experiências de vida nos fazem mudar de fases e interesses, o que faz o conceito de quadrantes ser muito questionável.

Estou em Vassouras agora, deitado numa rede, enquanto digito esse texto em meu notebook. São 9:30 horas da manhã. Estou prestes a sair da linda pousada, onde estou hospedado, para fazer uma longa caminhada em uma das trilhas da região, que é fabulosa em belezas naturais. A tarde, visitarei uma das antigas fazendas de café da região, que são lindas e têm origem na época áurea do ciclo do café no século 19. Por isso essa região é conhecida como Vale do Café.

Estou olhando o céu e o tempo está fechando. Tá ficando feio. Parece que vai cair uma forte chuva, além do tempo estar muito mais frio que nos dias anteriores. Meu plano é caminhar 15 km no meio de uma paisagem espetacular, subindo e descendo morros, com trilhas de puro barro e pedras. Pelo jeito eu vou andar debaixo de uma chuva imensa, voltar encharcado e sujo de lama para a pousada. Quer saber? Foda-se !