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Eu e meu burnout: o dia que quase entrei em colapso

Rio de Janeiro, 1 de junho de 2017

Há pouco mais de um ano, numa determinada noite, lá pelas 3 da manhã, eu acordei de repente. Parecia que eu tinha levado um choque. Acordei com um aperto no peito, uma sensação de angústia, difícil de descrever. O quarto estava escuro, me deu medo. Deixei o quarto silenciosamente, sem permitir que a minha esposa sentisse a minha saída e fui para sala. Fiquei andando de um lado para o outro, com a TV ligada, som baixo, luzes acesas, sem saber o que acontecia comigo, mas com uma sensação de desespero, ansiedade… quase pânico. Tinha a sensação de que alguma coisa muito grave estava acontecendo durante aquele meu momento solitário. Depois de pouco mais de duas horas a ansiedade foi diminuindo, me acalmei e voltei para o quarto. Semanas depois eu contei para minha esposa.

Nunca entendi claramente o que aconteceu comigo naquela noite, mas me aventuro a dizer que eu tive uma espécie de síndrome do pânico, um profundo transtorno de ansiedade, um desespero injustificável e inesperado. Passei um tempo pensando nisso e acho que seria simplista afirmar que se tratou de um pânico que veio do nada, como uma gripe ou um mal estar passageiro. Na época dessa terrível experiência, eu vivia uma fase complicada, eram tantas demandas pessoais e profissionais que eu não me sentia capaz de dar conta. Me sentia pressionado constantemente. O que aconteceu naquela noite foi o ápice de um esgotamento físico e mental, resultado de uma vida estressante, uma espécie de pré-burnout. O corpo me deu um aviso: “cuide-se, porque caso contrário eu vou entrar em colapso”. Algo parecido com a panela de pressão, que aciona a válvula quando alcança uma determinada pressão interna, liberando o vapor em excesso e impedindo que a panela exploda. Naquele dia, eu estava prestes a explodir.

Faz poucos anos que ouvi a palavra burnout pela primeira vez. Desde então eu já tive três amigos que passaram por isso de forma massacrante, dois deles trabalham em grandes empresas de varejo e o terceiro em uma empresa de telecomunicações, ambas indústrias que sofrem grande pressão por resultados de curto prazo. A experiência deles, e as consequências, me assustaram bastante. Todos os três eram excelentes gerentes, extremamente responsáveis, dedicados, competentes, sempre disponíveis e eram exemplos de profissionais. Eles só tinham um defeito, e que de alguma forma causava uma tremenda pressão no time de liderados: trabalhavam demais, sem descanso, num ritmo alucinante. Tal comportamento agia como padrão para as suas equipes, criando uma pressão psicológica invisível, levando todos os profissionais a trabalharem de modo intenso e pesado. Mesmo assim, o ambiente era saudável, o clima era positivo, as pessoas trabalhavam energizadas, mas além do razoável.

Ao longo da minha vida profissional, como um típico baby boomer, aprendi que teria que trabalhar muito para alcançar o sucesso profissional, afinal, trabalhador bom é aquele dedicado, que trabalha além do que é esperado. Entregar o que me pedem nunca é suficiente, tem que ser sempre mais. Eu sempre fui assim, sem refresco. Com o passar dos anos eu aprendi que o ser humano tem que buscar um melhor equilíbrio. As empresas começaram a falar sobre isso mais abertamente com os seus funcionários, porém ainda vivemos sob a cultura do trabalho surgido na revolução industrial: a gente continua valorizando o excesso de trabalho. Estar ocupado e produtivo parecem sinais de status. Responder um email no meio da madrugada parece ser a evidência de um funcionário dedicado e produtivo, portanto é bom.

Aceitemos ou não, o nosso cérebro nos prega peças. Parece que temos que conviver com um pouco de dor no trabalho. Precisamos nos sentir estupidamente ocupados, cansados, incomodados e pressionados para que nosso cérebro nos provoque a sensação de que o nosso trabalho está nos exigindo o bastante, e que estamos sendo bons o suficiente. Se sentir descansado no trabalho pode gerar uma percepção de sermos dispensáveis e improdutivos. Essa armadilha é que nos impede de relaxar, fisicamente e psicologicamente.

É difícil imaginar um trabalhador nos dias atuais que não sinta cansaço, ansiedade, incapacidade ou despreparo para algumas tarefas. A palavra é stress. Eu ouço isso o tempo todo. O stress, porém, quando leve, é muito positivo, pois gera prontidão, energia e iniciativa, nos deixando mais produtivos. Por outro lado, o stress excessivo e contínuo pode nos levar a um quadro de insatisfação e frustração, que são os elementos iniciais para uma depressão. A passagem de um cansaço crônico, ou depressão recorrente, para um quadro de burnout é muito parecido com aquela história do sapo numa panela com água quente. O burnout chega sem você sentir ou entender o que está se passando. Ele dá alguns sinais, mas nem sempre você é capaz de identifica-los, a não ser a contínua e a assimilada sensação de stress.

Quem me conhece no trabalho, diz que eu sou um cara acessível, leve e aberto. Também ouço dizer que eu sou uma pessoa que lida bem com a pressão e que demonstra um bom equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal. Tenho muitos amigos, colegas na empresa onde trabalho e em outras empresas, que também avalio como pessoas leves, equilibradas e saudáveis. Mas será que é isso mesmo? Os três amigos que conheço, que sofreram crises de burnout, eram pessoas saudáveis, otimistas, bem resolvidas, apenas trabalhavam muito.

Acredito que a maioria de nós tem pequenos estados transitórios de pré-burnout, quando as coisas se acumulam, quando o nível de ansiedade vai pro céu, você sente que não vai dar conta das coisas e acha que tudo vai explodir. Imagine de novo a metáfora da panela de pressão. Nós somos assim. Chega uma hora que a válvula da panela abre e libera a pressão interna. Assim somos nós no dia a dia. Liberamos a pressão com o nosso lazer, com uma boa noite de sono ou de outras formas. O problema é quando não identificamos essa pressão excessiva, ou não damos atenção para os sinais, aí a válvula emperra e a nossa panela explode.

Infelizmente não existe solução fácil. O burnout, mais do que um drama físico, é um drama psicológico. A solução está dentro da nossa cabeça, na forma como lidamos com o desconforto constante e com a nossa inevitável ansiedade de sermos seres humanos perfeitos, pais e mães perfeitos, profissionais perfeitos, seja lá o que for. A primeira barreira é você reconhecer que não vai conseguir fazer tudo que você deseja, e que isso é natural, não tem nada demais.

Nos dias atuais, eu vivo uma fase onde me sinto continuamente sobrecarregado. Eu não consigo dar conta de fazer tudo que eu gostaria de fazer. Sinto a sensação de frustração constante porque eu gostaria de estar fazendo muito mais do que eu faço. Gostaria de estar cuidando mais do meu corpo, dando mais atenção para os meus projetos pessoais, sendo um pouco mais individualista, mas também dando mais tempo para a família, de ser mais competente e produtivo no trabalho, ler mais, estudar mais, me dedicar mais… mas não dá.

É uma questão matemática. As coisas que desejo fazer não cabem nas horas do dia. Obviamente que eu forço a barra, para fazer mais, para dar mais. Apesar de tudo, hoje eu já consigo ter uma auto consciência da minha capacidade de realização e consigo traçar limites que convivo diariamente. Com isso a minha frustração é plenamente dominada. Ela existe, está dentro de mim, mas está calma, no lugar dela, num nível de ansiedade controlado, me permitindo viver mais calmamente, sabendo largar a caneta no horário que acho adequado, sem dores ou temores. Convivo numa boa com mais de 3 mil emails não lidos e com a minha mesa de trabalho num estado de zona constante, porque não sou perfeito e assim será.

Daquele meu estado de pré-burnout até hoje, eu aprendi algumas coisas que vão além do domínio da minha frustração. Esse é um exercício diário, que tento praticar o máximo que posso.

A primeira foi esquecer a minha obsessão de saber tudo que está se passando no trabalho. Aprendi a delegar mais, a compartilhar mais e não ficar obstinado em ter o controle total das coisas. Hoje eu falo “não sei” para o meu chefe numa boa. As vezes me pego contando o número de “não sei” que falo ao longo do dia.

Outro ponto foi admitir as minhas fortalezas e fraquezas, ou seja, autoconhecimento. Se conhecer e saber lidar no dia a dia com meus limites, imperfeições e virtudes fez toda a diferença pra mim. Eu não sou um super-homem, mas ao estar consciente de minhas melhores habilidades e capacidades, eu passei a administrar melhor as demandas e prioridades. Hoje convivo com minhas limitações sem problemas, até me divirto com elas.

Aprendi a ser um pouco irresponsável, a topar entrar em temas que não domino, a conviver com uma boa dose de incerteza e ambiguidade. Passei a não levar tudo tão a sério, pelo menos eu tento ser assim o máximo que puder. Confesso que esse é um desafio muito difícil para mim, mas estou progredindo. Aceitar a incerteza é ótimo, faz bem, e dá um certo conforto psicológico.

Passei a adorar agendas vazias e a odiar agendas lotadas. Hoje eu encho a minha agenda de bolsões que me oferecem algum tempo para pensar, respirar e fazer coisas que eu acho importante, e não o que os outros acham. A agenda passou a ser minha, pelo menos na maior parte do tempo.

O domínio da agenda foi o primeiro passo para a gestão do meu tempo. O segundo passo foi a obsessão por escrever no papel as minhas prioridades. Eu faço isso todos os dias. Eu começo cada dia escrevendo a lista das coisas que preciso fazer, na vida pessoal e profissional, organizando em prioridades e mantendo essa lista na minha frente o tempo todo. Sou o maior comprador de cadernos do bairro.

Na arte de lidar com prioridades, eu aprendi uma coisa deliciosa: deixar cair pratos. Antes eu ficava enlouquecido de manter todos os pratos no ar, mas agora é diferente. Eu não sofro mais ao deixar cair os pratos menos prioritários. Pode cair, sem sofrimento. Deixar cair pratos exige prática. O primeiro prato caído é difícil, o segundo é um pouco mais fácil, mas depois de alguns você vai até assobiar. Faz parte do processo anti-burnout você aceitar que não vai conseguir fazer tudo. Quando alguém reclama comigo que eu não dei conta de algo, eu peço desculpas e tento contornar a situação, afinal foi apenas mais um prato caído.

Antes, falar “não” era uma dificuldade. Nesse processo de transformação eu aprendi a falar “não” de forma diferente. Lembro que eu falava “não” de forma acanhada, quase que pedindo desculpas. Hoje eu consigo falar um “não” com a boca cheia, sem dor, nem piedade… e sorrindo.

Por fim, uma coisa que foi fundamental para mim: atividade física. Não estou falando de nada massacrante, mas de caminhadas regulares, diárias, que mudaram a minha vida. Ao caminhar rotineiramente, o meu corpo pediu algumas corridas de vez em quando, e com isso o meu metabolismo começou a mudar. Eu passei a me sentir mais atento, ganhei disposição, minha cabeça ficou mais leve, fiquei mais criativo e passei a ter noites de sono mais restauradoras. Tudo melhorou a partir disso.

Essa foi a minha fórmula. Acho que cada um deve criar a sua própria fórmula para lidar com a rotina louca que vivemos no dia a dia. A fórmula é individual e deve ser montada por experimentação, praticando pequenas ações e adotando aquelas que fazem a diferença. Apenas não caia na armadilha de achar que dá para viver o tempo todo em ritmo acelerado. Não é trabalhando alucinadamente que seremos mais produtivos, mas sim com autoconhecimento, reconhecendo nossas virtudes e limites, e tendo clareza do que queremos fazer com a nossa vida.