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Eu e meu transplante capilar: uma experiência emocional

  • Foto do escritor: Mauro Segura
    Mauro Segura
  • há 2 horas
  • 8 min de leitura

Hoje, dia 02/11/25, completa 1 semana que fiz um transplante capilar. É uma data simbólica e importante para o tratamento.


Com o meu velho costume de escrever, de registrar pensamentos e sentimentos no papel, eu comecei a escrever sobre o transplante uma semana antes do procedimento, de forma aleatória e descompromissada, apenas para registrar algumas reflexões que povoavam a minha mente. Descobri, ao escrever, que estava vivendo uma intensa experiência emocional.


A decisão de fazer o transplante foi rápida e certeira, surpreendente até mesmo para mim. Em pouco tempo eu já não tinha dúvidas de que queria fazer o procedimento. O que ainda não estava bem claro eram as motivações desta decisão. O que será que realmente rolava dentro de mim, nas minhas profundezas?


Uma imagem metafórica, recorrente, ocupava a minha mente: os lobos que me habitam, surgiam de todos os lados e, tal qual uma alcateia, se organizavam ao redor da fogueira para conversar. Quem foi escoteiro ou bandeirante, entende essa imagem.


Eram conversas longas, com argumentos de todos os lados, porém sem clara conclusão. Este artigo registra um pouquinho do que se passou na minha cabeça. As linhas seguintes sumarizam parte das minhas anotações até o dia de hoje.


Alcateia de lobos ao redor da fogueira
Os lobos que me habitam, surgiram de todos os lados e, tal qual uma alcateia, se organizaram ao redor da fogueira para conversar.


A semana decisiva: meu diário do transplante capilar


Dia -6: A ruptura de um tabu e o espelho estranho


Faltam apenas 6 dias para o procedimento.


Sempre fugi de qualquer intervenção no corpo. Uso óculos desde os dezoito anos, tenho miopia e nunca cogitei fazer uma cirurgia nos olhos. Nunca me imaginei fazendo qualquer procedimento estético. Importante dizer que não tenho problema com quem faz, o que importa é ser feliz. Só fui fazer a minha primeira tatuagem aos 56 anos porque não aceitava mexidas no meu corpo. Não sei explicar muito bem esse meu comportamento de hoje.

"Em seis dias farei um transplante capilar" - Eu penso nisso o tempo todo porque mostra que está ocorrendo uma ruptura dentro de minha mente. O que me jogou nisso?


Trabalhei a minha cabeça, ao longo de duas décadas, para aceitar a inevitável calvície. Lembro do meu avô materno careca, ou seja, essa herança genética deve ter vindo dele. Convivi muito bem com essa perspectiva durante todo esse tempo, até que a calvície chegou de verdade, junto com outras mudanças no corpo e mente. Nos últimos dois anos, algumas vezes, passei a não me reconhecer no espelho.


Difícil falar sobre isso. Falo para mim mesmo que não é vaidade, mas será que estou enganando a mim mesmo?


Colecionador de óculos desde os 18 anos
Sou usuário e colecionador de óculos desde os 18 anos de idade, quando me descobri míope


Vaidade ou Autocuidado? O cerne da minha busca


Fico incomodado com isso e vou me informar mais. Busco elaborar a diferença entre autocuidado e vaidade.


O autocuidado é uma jornada de cuidado interior, um compromisso de amor-próprio e com o bem-estar interno. Quando genuíno, transborda para a aparência de forma autêntica.


Por outro lado, a vaidade é motivada pela validação externa e necessidade de aprovação. A vaidade prioriza o olhar externo, tem foco na aparência e na imagem que desejamos projetar de nós para os outros.


A diferença entre autocuidado e vaidade reside, fundamentalmente, na intenção.

No youtube tem um pequeno trecho de um vídeo da Monja Cohen onde é dito:

  • “A alegria de me cuidar. Nesse sentido da vaidade, do cuidado terno, respeitoso com a vida, em você, e o que você apresenta ao mundo”.

  • “Auto-estima, preservação, apresentação pessoal, bem-querer. Estar feliz consigo mesmo”.

  • “Estado de plenitude em si mesmo”.



A década dos 60 anos: força interior e transformação externa


A década dos meus 60 anos de idade tem sido a mais intensa e transformadora para mim, em todos as dimensões, inclusive no visual corporal. Não é apenas uma careca crescente, mas as rugas no rosto e a pele mais enferrujada. É paradoxal, mas eu nunca me senti tão forte corporalmente, mentalmente e espiritualmente como agora.


Olhar no espelho é um exercício de procura constante. Me olho no espelho e, às vezes, vejo um estranho. Fixo o olhar, bato um papo com esse ser desconhecido, tento fingir indiferença, mas o estranho continua me encarando. Me acostumo com ele. Na verdade, eu tenho que aceitá-lo. Tento reconciliar esses dois personagens, que são a mesma pessoa, mesmo estando em dimensões diferentes.


Me vejo no espelho, e me procuro, demorando para realizar que aquele ali sou eu mesmo.


O Boné Inevitável: O Incômodo que Virou Motivação


De poucos anos para cá, eu não consigo mais sair de casa, durante o dia, sem usar boné. Eu tenho a pele muito branca e sensível. Qualquer sol já torra a minha cabeça, cria brotoejas, irritações, e algumas viram pequenas feridas.


Considerando que vivo em Goiás, terra inundada por um sol impiedoso (que eu adoro! Aqui tem um sol para cada um!), o boné passou a ser vestimenta indispensável. Isso me incomoda porque preciso usar boné para todo lugar que vou, mesmo que seja uma padaria próxima.



A ponte para o transplante: do rompimento a um novo reconhecimento


Fazer esse transplante capilar implica em dois pontos importantes.


O primeiro é o rompimento da minha antiga barreira psicológica (já citada) em não realizar intervenções estéticas no meu corpo. Posso dar qualquer desculpa para o que vou fazer na próxima semana, mas admito que é um procedimento estético e ponto. E tudo bem ser assim. Sou eu atualizando meus conceitos.


O segundo ponto é o depois. Se hoje eu não me reconheço no espelho, será que vou reconhecer esse novo personagem pós-transplante? Será que vai surgir um novo estranho? Será que meu futuro é aprender a conviver com uma inevitável confusão de identidade visual?


No episódio #20 do podcast Alma Talks - Prof. Lúcia Helena Galvão conversa com o pessoal do Elefantes na Neblina - é dita uma frase que guardei e endereça essa minha conversa interna: "Nós somos seres no tempo. Estamos mudando o tempo todo. Até os nossos sentimentos amadurecem e vão mudando como um vinho".


Pois é, "eu sou um vinho".


Boné faz parte do meu corpo
Boné faz parte do meu corpo durante o dia. Impossível sair de casa sem ele.


Dia -5: A ansiedade que persiste


Já vi dezenas de vídeos sobre cirurgias de transplante capilar? Pré, pós e durante. Estou tranquilo com o procedimento.


A clínica é ótima, o médico é experiente, tenho domínio e conhecimento do que vou viver, estou em pleno equilíbrio físico de saúde, tudo parece perfeito e planejado para uma boa experiência. No entanto, confesso, rola uma certa ansiedade.



Dia -4: A consulta que trouxe confiança


Hoje fiz uma consulta com o anestesista, dentro do plano de preparação do procedimento. Foi ótimo e saí mais seguro e motivado com o processo.


Ele me detalhou a sequência da operação. Fiz muitas perguntas. Estarei sedado desde o início, em um procedimento que vai durar muitas horas. Estou muito seguro.



Consulta médica
Na clínica para uma consulta médica


Dia -3: O transplante invisível e a ressignificação da identidade


Penso no que este transplante capilar simboliza internamente.


Imagino a existência de dois tipos de transplante capilar: o visível e o invisível.


O visível é simples e físico: mais cabelo, estética rejuvenescida e uma melhora na autoestima. Nada de errado com isso.


O invisível é psicológico. Será que esta é uma tentativa de recuperar o meu “eu antigo” que já não existe mais?


Um lobo me desafia com a pergunta: “Será que o transplante pode ser uma tentativa de negar a mudança que está ocorrendo dentro de mim?


“Não!” Responde outro lobo, emendando: “Eu não estou tentando ser jovem. Estou buscando harmonia. Estou buscando convergir corpo e identidade, harmonizar o que sinto por dentro com o que eu vejo por fora”.


O incômodo que eu sinto, de não me reconhecer, não é propriamente vaidade. E, sim, uma espécie de desalinhamento identitário, que é um fenômeno legítimo, aceitável. No fundo, busco uma coerência interna.


Essa coerência interna vem no rastro do que tenho vivido últimos anos. É uma fase pessoal de expansão de propósito, de reinvenção madura, de busca do meu “eu interior”, de muitos questionamentos e consciência emocional crescente.

O transplante poderá causar dois efeitos, que parecem extremos.


Um efeito bom – o transplante se torna parte da minha nova fase, representada em um gesto de autocuidado, presença e respeito pelo corpo que carrega a minha história.


Um efeito ruim – o transplante tenta “salvar” um sentido antigo, o que vai me fazer perceber depois que o problema não era a falta de cabelo e nem o espelho, mas a falta de integração com o novo Mauro.


Refletindo bem, acho que estou no efeito bom.



Dia -1: Os últimos receios na minha viagem emocional


Hoje cedo, ainda na cama, acordei inseguro, mas não é propriamente medo da cirurgia.


Será que vou me arrepender?


Será que devo dar ouvidos ao lobo interno, ameaçador, que fala alto: “não sou mais o mesmo Mauro do passado que nunca admitiria fazer um procedimento destes”?


Mas de novo, surge um outro lobo sereno dizendo para eu não me render à minha “rigidez do passado”. E com a voz suave me cochicha no ouvido: “Seja feliz!”


Às 14hs vou para clínica para instruções pré cirurgia. Volto com tudo claro e explicado. No final, fazem fotos da minha cabeça para registro. Amanhã é a cirurgia.


Agora já passa das dez da noite. Estou muito tranquilo, plenamente seguro, leve e sem nenhuma ansiedade. Me sinto confiante pelo que vai rolar amanhã.


a famosa escultura "O Pensador", de Auguste Rodin, cabeludo
O quadro que me chamou a atenção, na parede da clínica, no dia do procedimento: a famosa escultura "O Pensador", de Auguste Rodin, cabeludo!!! Eu me vi nela!


O dia do procedimento e a recuperação


Dia 0: As 10 horas do procedimento


Chegou o grande dia! Acordo às 5h40. Me sinto bem. Ainda em completo jejum, inclusive de água, chegamos na clínica às 6h45. Valéria, ao meu lado, me incentiva, está tranquila e feliz. Ela tem certeza de que tudo dará certo.


Sou atendido imediatamente. Estou brincalhão. O médico e equipe me recebem. Estamos muito integrados. Realizamos os procedimentos de marcação da cabeça, raspagem e já sinto o processo em curso. Valéria me filma e faz fotos. Me divirto e desfruto de toda experiência.


Entro na sala de cirurgia por volta de 7h15, e saio de lá um pouco depois das 17h.


Foram quase dez horas de procedimento, incluindo a aplicação e a volta da anestesia. A equipe me disse que a dificuldade foi por conta dos meus cabelos brancos que são muito finos. Eles tiveram que separar os fios por tonalidade e replantá-los com muito cuidado e planejamento para manter a harmonia da cabeça. A equipe médica foi sensacional, especialmente o Dr. Fernando.


Os números da transformação: 3.800 folículos


Foram 3.800 folículos transplantados da área doadora para as áreas receptoras, um a um.


Isso dá, aproximadamente, 8 mil fios de cabelo transplantados, já que cada folículo capilar é uma estrutura natural que pode conter de um a cinco fios de cabelo, mas a média no couro cabeludo humano é de aproximadamente 2 a 2,2 fios por unidade folicular.


Preparatório para a cirurgia de transplante capilar
Eu com o Dr. Fernando, prestes a entrar na sala de cirurgia, já com a cabeça raspada


Dia +1: A primeira vista e a paz interior


Sabe quando você acorda no dia seguinte, após uma longa noite regada a vinho? Acho que é assim que me sinto. Ainda estou em um processo de voltar ao meu centro.


Fui à clínica de manhã cedo para retirada dos curativos e lavagem da cabeça. Pela primeira vez vi a “obra de arte”. Simplesmente perfeita! Estou bem tranquilo, confiante e carequinha no momento!


Seja bem-vindo, cabeludo Mauro
Quando cheguei em casa, depois da cirurgia, ganhei esse presente da Valéria: "Seja bem-vindo, cabeludo Mauro"


Um novo capítulo, o mesmo Eu (só que mais alinhado)


Os meus lobos internos, que antes disputavam uma acalorada conversa ao redor da fogueira, agora estão mais calmos. Parece que encontraram uma trégua.


A "obra de arte" está apenas começando a se revelar, e agora é "só" esperar doze meses para ver o resultado completo. Que passe rápido!


Estou gostando de me ver no espelho porque simboliza uma caminhada, que eu gosto tanto. Já dei os primeiros passos, impossível retornar. Já estou na estrada.


Mais do que aguardar novos fios, vejo esta caminhada como um período de integração, talvez um reencontro. Como disse a Monja Cohen: “Estou feliz comigo mesmo”.



Transplante capilar
O primeiro dia pós-transplante capilar, após a retirada do curativo



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