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A busca da real prosperidade

A primeira vez que senti que algo estava errado aconteceu em 1998. Morávamos no Rio de Janeiro. O Dia dos Pais estava próximo e a professora pediu aos alunos que fizessem um desenho dos seus pais.

O DESENHO 

Meu filho mais novo, então com 9 anos, fez o desenho, que reproduzo a seguir. Em seu caprichado desenho, eu aparecia vestindo terno, segurando uma mala, ao lado de um computador, a cama por trás e uma grande porta no canto. Eu estava sozinho no desenho. 

Na festa da escola do Dia dos Pais eu recebi o desenho e, inicialmente, achei divertido. Porém, aos poucos, a ficha foi caindo… e foi caindo pesado. Aquela não era a imagem que eu gostaria de ser lembrado como pai. 

Fui conversar com a professora e ela foi cruel comigo. Ela disse mais ou menos o seguinte: “É assim que o seu filho vê o pai dele. É alguém que está sempre trabalhando, ocupado, viajando a trabalho, no computador ou dormindo. Alguém que quase nunca está verdadeiramente com a família”. 

Aquilo foi um tapa na cara. Passei semanas atordoado com tudo aquilo. Prometi que nunca mais iria negligenciar e esquecer aquele momento, por isso peguei o desenho do meu filho e enquadrei. Eu precisava lembrar disso o resto da vida. Aquele momento marcou o início da mudança de alguns comportamentos e atitudes, porém ainda muito incipientes e insuficientes.

Até aquele episódio a minha percepção é que eu desempenhava bem os meus vários papeis, como pai, marido, filho, trabalhador, cidadão etc. Tudo era pura ilusão da minha cabeça. Na realidade, eu estava dedicado à minha vida profissional e, inconsciente ou não, levando todo o resto como podia. 

O GATILHO 

O episódio do desenho do meu filho se transformou em um sinal de alerta contínuo ao longo do tempo. Por várias vezes, nas décadas seguintes, quando eu passava por momentos de forte desequilíbrio entre vida pessoal e profissional, vivendo grande insatisfação, lá estava eu com o desenho em mãos, que me fazia voar no tempo e resgatar o compromisso que eu havia realizado comigo mesmo naquele dia de agosto de 1998. Eu fazia isso escondido, era algo que tinha vergonha e que denunciava a minha incapacidade de mudar.

Portanto, guardar aquele desenho da maneira que fiz, me colocou em mãos um forte gatilho emocional que transformei em bote salva-vidas durante muito tempo. É importante que tenhamos esses gatilhos para usarmos intencionalmente quando necessário.

Quando passamos por um significativo momento de dor, que nos gera cicatrizes profundas, algo acontece dentro da gente. Parece uma ferida mal cicatrizada, que corre o risco de ser aberta em algum momento. 

Ocorreram outros momentos de despertar da consciência de que algo estava muito desequilibrado na minha vida. Foram momentos de muita tensão, que eu teimava em não reconhecer como reais problemas. Me lembro de situações no ano de 2001 e depois por volta de 2007, todas envolvendo trabalho, pressão emocional e profunda insatisfação pessoal com a vida que eu levava. Infelizmente, sobrava para a minha família. Eu era considerado um executivo de sucesso. Por fora parecia tudo bem, mas por dentro eu pegava fogo.

Embora os eventos citados acima tenham sido marcantes, o meu real despertar só foi acontecer no meu “quase burnout” vivido 2016. Chamo de “real despertar” porque identifico este momento como o momento de início de mudança real de direção de minha vida, com o surgimento de mudanças de atitude mais firmes e tomadas de decisão importantes. Este momento está bem contado no meu blog, especialmente em um post chamado “Eu e meu burnout – o dia que quase entrei em colapso”. 

O TSUNAMI 

Nos anos seguintes veio o tsunami transformacional que mudou radicalmente a minha vida. Chamo de tsunami porque é comparável ao fenômeno físico da natureza. 

Um típico tsunami segue um processo conhecido. Imagine-se você em uma praia. De repente, o mar começa a descer levemente de nível, parece que ele se recolhe como o efeito causado por uma maré, tudo aparenta ficar mais calmo, a água parece mais parada, e momento depois (podem ser minutos ou horas) surgem imensas ondas com altura e volume excepcionais conforme elas vão se aproximando da costa. Aqueles vagalhões de água varrem tudo que vêm pela frente invadindo impiedosamente o litoral, causando destruição significativa. 

Foi a sensação de um “tsunami de vida” que vivi de 2017 a 2020. Tudo estava calmo, controlado e previsível até o iniciozinho de 2017… o mar recuado, lembra? De repente a onda gigante surgiu no horizonte e foi crescendo diante de mim. Algo impactante me jogou diante de uma circunstância completamente inesperada. Neste período, eu saí de um contexto de vida fértil e iluminada para um contexto de terra arrasada e sombria, sem perspectivas e sem futuro. 

Surpreendentemente, ao me sentir sem saída e sem salvação, ao me perceber encurralado e nocauteado, eu consegui nos dois anos seguintes (2020 e 2021) iniciar uma jornada de ressignificação de vida e ver surgir na minha frente a fase mais maravilhosa de minha existência. Esta história está detalhadamente contada no meu blog em 31 longos artigos condensados em uma página chamada “A minha história de luto, transformação e renascimento”. 

UM ENCONTRO COM DEUS

Já passava das 11hs da manhã, quando me deparei com a Capela de Santíssima Trindade. Eu já havia andado aproximadamente 14 quilômetros. Estava muito cansado por conta do calor do cerrado, de quase 40C e um ar muito seco, umidade abaixo de 30%. Este era o quinto dia do Caminho de Cora Coralina, em algum ponto no trecho entre Fazenda Caxambu e Radiolândia, no interior de Goiás. O meu planejamento apontava que naquele dia a caminhada seria de pouco mais de 22 quilômetros, portanto ainda faltavam 8 a 9 quilômetros a fazer, mas eu me sentia esgotado.

O Caminho de Cora Coralina é uma trilha de longo curso (de aproximadamente 300 quilômetros) que corta o cerrado. Eu estava fazendo sozinho o trajeto em junho de 2022, um dos meses mais secos do ano, o que significava um clima hostil para longas caminhadas. 

Caminhando na terra árida, onde cada pisada levanta uma poeira fina vermelha, por longos trechos sem grandes árvores que nos abençoam com alguma sombra, ver a primeira imagem da igreja na minha frente, ainda distante, me deu esperança para um lugar para descansar. Ao chegar mais perto eu fiz a foto que está aqui no artigo.   

Foto de Mauro Segura

A igreja estava fechada. Havia um pátio ao redor da construção, com bancos de cimento e algumas poucas árvores frondosas. O silêncio era quase total, apenas cortado pelo barulho de aves por todos os lados. Me sentei em um dos bancos e me livrei da pesada mochila. As minhas costas rangeram de alegria por poder me sentar depois de horas de caminhada dura. Minhas pernas e botas estavam vermelhas pela terra grudenta. De repente, senti uma brisa no rosto, embaixo da sombra fresca de uma grande árvore. Peguei a minha garrafa com água quente de sol, que desceu saborosa na minha garganta seca. Aquele era um oásis no meio do caminho.

Fiquei naquele local por trinta longos minutos, sentado, descansando e me refrescando. Ao longo deste tempo não surgiu ninguém, nenhum movimento além dos pássaros e do leve vento que não parou em nenhum momento. Porém algo mais aconteceu. No fundo da minha mente eu fiz uma viagem inteira da minha vida. Olhei para dentro de mim e pensei: eu estou fazendo uma caminhada de longo curso, sozinho, concretizando um sonho, sentindo uma imensa paz de espírito e com incrível senso de realização. Levava comigo algumas poucas roupas, uma garrafa de água, uma parte de um sanduíche e meu celular… e a sensação de não me faltar nada. 

Pensei no meu existir, em tudo que eu vivi, no que ainda planejo viver e senti uma enorme satisfação comigo mesmo. Pensei na longa estrada de autoconhecimento que venho pavimentando nos últimos anos, no quanto me desnudei, nas ações que tomei, na dura revisão de prioridades e nos novos valores de vida. Senti a paz interior de que estou fazendo as coisas certas para a vida que almejo, que eu estou evoluindo como ser humano, me permitindo novas experiências e caminhos de vida. 

Em determinado momento veio em minha mente o desenho feito pelo meu filho, com incrível riqueza de detalhes. Ainda tenho claro o desenho na minha mente: eu dentro de casa, vestindo terno, segurando uma mala, ao lado de um computador, a cama por trás e a porta ao lado… sozinho! 

Comecei a rir. Agora eu estava no meio do cerrado de Goiás, sol a pino, com uma mochila nas costas, todo sujo de terra vermelha, cercado da natureza, superando uma caminhada sozinho de centenas de quilômetros e dormindo as noites em hospedagens simples e casas de produtores rurais. Eu vivia a antítese daquele desenho. 

Aquele foi um momento mágico impossível de esquecer. Não sei muito bem dizer o motivo daquela sensação, mas foi algo simples e muito marcante, talvez por eu te passado muitas horas difíceis de caminhada e, de repente, me deparar com um momento de descanso, paz e reflexão. Mas não foi somente isso, eu não posso minimizar o que senti, ali ocorreu uma das vivências mais plenas da minha vida. Era um momento sublime, curto em tempo, mas profundo na emoção, por mais simples e sem graça que possa parecer. Como poderia imortalizar a gostosa sensação daquele momento dentro de mim? Como replicar isso futuramente? Como preservar a emoção de plenitude que eu sentia?

Ao viver aquele momento sentado no pátio da igrejinha, isolado, me veio a clareza do que realmente vale a pena para a minha vida, do que eu quero realmente para mim. A minha mente ganhou mais consciência, eu fortaleci meus valores, rearrumei prioridades de vida e estabeleci critérios para os próximos anos de minha existência. Isso tudo sem racionalizar muito, mas apenas sentindo a energia, a paz e a força do universo ao meu redor, exatamente naquele curto espaço de tempo que fiquei ali. 

É difícil de descrever tudo isso, porque não é algo racional, mas sim algo energético e espiritual. Ali fui tocado por algo, e isso só aconteceu porque minha alma, mente e coração estavam abertos para viver aquilo. 

Eu estava no pátio de uma igreja. Talvez Deus estivesse ali naquele momento. Talvez ali tenha acontecido um encontro, quem sabe?

Foto de Mauro Segura

PRECISAMOS DE MOMENTOS ASSIM

Acho que a maioria dos seres humanos não se permite viver momentos como este que vivi. Estamos todos consumidos por afazeres, pela busca da sobrevivência e do sucesso, por atender as demandas que a vida e a sociedade nos impõem, aí acabamos sugados pelo turbilhão de uma existência muitas vezes sem satisfação e realização. Não criamos momentos de reflexão e meditação, que nos permitem pensar em real propósito e sentido de vida. Qual é a vida que realmente vale a pena? O que é ser feliz de verdade? O que é a real prosperidade?

As perguntas acima, se forem respondidas apenas de forma racional, provavelmente não trarão respostas genuinamente verdadeiras e transformadoras. As respostas precisam emergir de nossa alma, do nosso espírito. E, para isso, precisamos alcançar um outro estágio dentro de nós mesmos. Acho que foi isso que aconteceu comigo naquele dia. Inconscientemente eu criei condições para um encontro divino comigo mesmo. 

Segundo Mariana Nahas, em seu excelente artigo “Prosperidade é um estado interno”, a fonte do nosso poder pessoal e da nossa prosperidade vêm do equilíbrio de nossas forças interiores, por isso, a busca do autoconhecimento é fundamental. Ela diz que a maneira mais eficaz de ter uma vida próspera, seja ela financeira, amorosa, social ou física, é a compreensão de que é preciso aprender como viver uma vida de coerência entre o mundo externo e visível (corpo) e o mundo interno e invisível (espírito). Em outras palavras, viver uma vida sem a dualidade: material versus espiritual.

Nos últimos anos, eu tenho tentado criar momentos de reflexão e consciência para entender o que é a real prosperidade para mim. Sinto que estou conseguindo avançar, porém lentamente. A minha jornada de autoconhecimento e aprendizado não tem linha de chegada, apenas linha de partida. Um dos recursos que uso em minha maratona pessoal é o uso de vários gatilhos pessoais que fui desenvolvendo ao longo da vida, como o caso do desenho do meu filho contado neste artigo. Quando sinto que preciso refletir ou redirecionar algumas coisas, aperto os botões dos meus gatilhos para me provocar o repensar de vida. O importante é seguir em frente, corrigir o curso para seguir na direção de vida que escolhi. 

Alice perguntou ao Gato Cheshire: 
– Pode me dizer qual o caminho que eu devo tomar?
O Gato respondeu: 
– Isso depende muito do lugar para onde você quer ir 
Alice retrucou: 
– Eu não sei para onde ir!
O Gato, fazendo pouco caso, concluiu: 
– Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.
(trecho de Alice no País das Maravilhas)

Nas minhas mentorias eu tenho identificado cada vez mais pessoas questionando a vida que levam, a busca sem clareza do que é felicidade e prosperidade para elas. Várias pessoas me falam de uma mudança de pensamento por terem passado muito tempo assumindo que o sucesso leva a felicidade. Porém, agora, questionam esse conceito, dizendo que é o inverso: é a felicidade interior que leva ao verdadeiro sucesso. Quando entramos nesse papo, obviamente que surgem as perguntas: o que é sucesso? O que é felicidade? E outras interrogações de vida, muitas delas filosóficas. 

Aprendi, com o passar do tempo, de que as respostas não são tão importantes quanto imaginamos ser, até porque não existem respostas certas e erradas. Todas as respostas, na essência, são boas e dignas. Indo no contrassenso que imaginamos, o mais importante são as perguntas. São elas que geram o despertar da consciência, do olhar interior, da necessidade de se transformar e de evoluir. São elas que permitem a nossa alma se fazer presente. No final de tudo, o que importa é viver intensamente o processo, tendo a consciência de que o processo começa a partir das perguntas que emergem de dentro da gente.