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Em busca de sentido: as fases da vida

Um dos impulsos inevitáveis nesta minha atual fase é olhar para trás e rever a minha história de vida, tanto do lado profissional, quanto do lado pessoal. Cabe dizer que o meu momento atual de aposentado não significa estar sentado no sofá ou numa pracinha jogando cartas, o que também não vejo nenhum problema.

O grande destaque da minha fase de aposentado é que estou fazendo o que eu quero, quando quero, trabalhando com o que eu gosto e com o que mais faz bem. Sim! Eu estou trabalhando! E me sinto muito feliz com isso. Ou seja, é uma “aposentadoria com realização”, “aposentadoria com trabalho” ou uma “aposentadoria sem descanso”. Qualquer destas afirmações funciona bem. Aceito outras.

Tem uma frase atribuída a Dale Carnegie que diz o seguinte: “Você nunca alcança o sucesso verdadeiro a menos que você goste do que está fazendo”. É exatamente isso que estou sentindo. Fazendo uma autoavaliação, considero que vivo o momento de maior sucesso de minha vida e realização porque faço o que eu gosto e estou aprendendo a gostar do que não gosto. Claro que nem tudo é perfeito. Obviamente que existem dificuldades e responsabilidades que não tornam a minha vida um mar de rosas.

Em 2020 entrei em um período sabático. Em determinado momento, afirmei que eu queria viver um “sabático para sempre”, de tão bom que eu era aquele momento de reflexão e redirecionamento de vida. Depois de passar por uma fase bem conturbada na primeira metade do sabático, misturada com lutos e perdas, contada e recontada no meu blog e LinkedIn, eu finalmente consegui equilibrar as coisas e encontrei um caminho de satisfação, esperança e direção de vida. Também já contei sobre isso nos meus artigos. A partir daí eu passei a me convencer de que o meu sabático estava encerrado e comecei a me perguntar: “Em que fase estou agora?”

Eu havia entrado em outra “vibe”. Eu não estava mais procurando direções e batendo em portas desconhecidas. Na minha cabeça eu já havia encontrado um caminho. Portanto, com certeza, eu estava em outra fase. Mas qual fase? Em determinado momento cunhei a frase: “aposentadoria com realização”.

Caminho de Cora Coralina – Goiás

Durante o sabático, e ainda nos dias de hoje, eu tendo a olhar a minha vida pessoal e profissional segmentando-a em fases, tal como um jogo de video game. Talvez seja o meu lado racional, o lado engenheiro, de tentar encapsular as coisas, colocar pontos de início e de fim, encaixar as peças da vida com uma visão sistêmica e organizacional, mesmo sabendo que a vida não é binária e muito menos estruturada. Ou seja, eu não deveria pensar desta forma, mas como fazer se eu sou assim?

No entanto, ter o pensamento estruturado ajuda muito a entender algumas coisas, é uma tentativa de dissipar a nuvem de fumaça pois permite dar mais clareza para muitas coisas que parecem confusas. Foi isso que aconteceu comigo quando repensei a minha vida profissional depois de receber o carimbo de “aposentado do INSS” há mais de dois anos.

Mesmo estando fora do emprego desde 2020, e com a pandemia rolando no mundo, eu recebi sondagens de empresas querendo falar comigo sobre posições de marketing e comunicação. Algumas eram posições muito boas, inclusive de CMO (executivo de marketing). Tais fatos me fortaleceram porque me vi ainda tendo “valor de mercado”.

Eu não queria voltar para posições executivas no mundo corporativo, por isso eu não embarquei em nenhuma das sondagens que surgiram. No entanto, eu estava confuso porque não sabia muito bem o que eu queria. Acho que isso deve acontecer com muitas pessoas que entram na tal “fase da aposentadoria”. Foi aí que deu o estalo de rever a minha história profissional, para entender em que fase estava, organizar o turbilhão de pensamentos que pulavam dentro de mim e acalmar a tempestade mental que me angustiava. Fiz essa viagem no tempo repetidamente tentando colocar ordem na minha cabeça, até que consegui chegar a uma visão.

Nos primeiros quinze ou vinte anos de vida profissional eu vivi a fase da doação. Aceitei quase tudo nesta fase: emprego ruim, chefes tóxicos, jornadas de trabalho extenuantes, organizações confusas, remuneração a desejar, sacrifícios de todos os tipos, futuro incerto etc. O que eu queria era entrar no jogo e buscar o sucesso.

Em geral, para as pessoas, o tal sucesso no início da vida profissional pode vir de muitas formas diferentes, eis alguns exemplos: ter um salário maior, ser promovido, ser chefe, realizar trabalhos mais nobres, mudar de cidade ou país, ser reconhecido, alcançar exposição pública etc. Vale “quase tudo” na busca do sucesso, desde que seja ético e moral. É uma combinação de sobrevivência com doação. Aqui falo de uma visão de uma pessoa empregada, como sempre fui, e não de uma pessoa empreendedora, que tem um viés bem diferente.

Caminho de Cora Coralina – Goiás

Depois eu entrei em uma fase de equilíbrio, passei a ser mais seletivo nas minhas escolhas e decisões, reconheci e aceitei finalmente as minhas limitações, e adotei a frase: “eu trabalho para viver e não vivo para trabalhar”. Esta foi uma fase de muitos questionamentos, ansiedade e angústia em relação à minha vida profissional, porque muitas vezes eu não conseguia visualizar uma saída para o loop que eu vivia. Tinha a sensação de ser vítima e prisioneiro do contexto de vida profissional em que eu mesmo havia me enfiado. Este não foi um período curto. Na verdade, foi uma fase longa, de muitos anos, com sensação crescente de falta de realização e felicidade interna. Pessoas amigas e colegas me viam como um profissional de sucesso, como um exemplo a ser seguido, mas por dentro eu queria outra coisa para mim. Em resumo: eu queria passar de fase no video game da vida.

Nos últimos anos, antes mesmo do meu pedido de demissão e da entrada na aposentadoria, eu acho que entrei na terceira e na minha atual fase de vida profissional. É fase do significado e do propósito. É fase das escolhas, onde eu quero ser soberano em 100% das minhas decisões e escolhas, sem abrir mão de nada, sem ter que negociar como em um jogo de cartas, quando aceito jogar fora uma carta para pegar outra. Procuro fazer o que eu realmente gosto e quero. Sei que as vezes é difícil, sei que as vezes isso parece teoria barata, mas cultivar e nutrir este pensamento ajuda muito. O importante é não ser omisso ou passivo, é ter consciência que eu tenho o leme do barco da vida em minhas mãos.

Obviamente que é impossível separar a vida profissional da vida pessoal. As duas andam juntas, se misturam, se influenciam e se canibalizam. A mudança radical de vida pessoal que tive nos últimos cinco anos forjaram intensamente a cabeça que tenho hoje, derrubaram dogmas e conceitos dentro de mim, tendo impacto direto na direção que escolhi para o meu lado profissional daqui para frente. Valores, prioridades e propósito, tudo virou de cabeça para baixo. Até o conceito de tempo ganhou novas nuances na minha mente. Estou com menos pressa.

Ao fazer o exercício acima para meu lado profissional, eu resolvi fazer o mesmo para as várias dimensões de minha vida pessoal, mesmo reconhecendo que tudo é junto e misturado. E me surpreendi, porque o paralelo é perfeito.

Eis o exemplo do exercício que fiz me vendo como pai.

Durante décadas eu fui o “pai provedor”, uma espécie de doador universal, aquele que sempre se doou para a família e os filhos, em todas as dimensões, inclusive no lado financeiro. Basicamente estou falando da visão dos filhos dependentes de um pai provedor. Aqui também tem a figura do “pai orientador”, aquele que dá a norte, que é o exemplo e o esteio da família. Obviamente que tudo isso ao lado da mãe, que juntos iluminam, aquecem, protegem e alimentam a família.

Em algum momento eu fui tomando consciência de que a fase de doação estava chegando ao fim. Os filhos foram crescendo, se tornando independentes, com pensamento próprio, livre arbítrio e dono de suas escolhas e decisões. Talvez, até, não vendo mais o pai e a mãe como os únicos e melhores exemplos a serem seguidos.

Nesta fase, o “pai provedor” começou a sair de cena e surgia o “pai amigo”, o “pai acolhedor” quando necessário, disponível e conselheiro, sem imposições ou exigências. É uma fase de mais troca com os filhos. Ao mesmo tempo é a fase do pai que busca autoconhecimento, com o despertar da vontade de fazer coisas que não fez ao longo do seu tempo como pai provedor. No meu caso, essa é uma fase de mais liberdade e autonomia, mas também de busca de equilíbrio, ou de reequilíbrio dos pratos da vida. É a fase que comecei a buscar significado de vida. Eu ainda vivo este período, que tem sido para mim um tempo de descobertas contínuas.

Futuramente eu entrarei na fase do “pai receptor”. Não será apenas a fase do pai que quer paz e sossego, mas também será a fase dos pedidos de ajuda aos filhos, em função da idade, de algumas possíveis dificuldades de saúde, talvez até de pedidos de ajuda financeira, apesar de eu estar me preparando para isso. Se depender de meu desejo e escolhas, o que mais desejarei de meus filhos na fase do pai receptor será atenção e carinho.

Caminho de Cora Coralina – Goiás

A “brincadeira” de identificar as fases da vida – de onde venho, onde estou e para onde estou indo – começou como uma diversão, mas ao longo do tempo vi que poderia ser algo útil e importante para meu autoconhecimento e tomadas de decisão. Acho que poucas pessoas fazem isso de forma intencional e com profunda reflexão. A maioria faz isso após uma situação de crise existencial, trauma ou fatos graves de vida, como foi o meu caso. Constatei isso nas centenas de mentorias profissionais que fiz nos últimos dois anos.

Uma das escolhas de vida decididas por mim, recentemente, diz respeito à minha vida profissional. Definitivamente abandonei qualquer pretensão de voltar a trabalhar em uma organização no formato que trabalhei durante décadas.

Tomei decisões inegociáveis comigo mesmo em relação a horas de trabalho, áreas de atuação, atividades e demandas. Carimbei uma visão dentro da minha cabeça sobre o trabalho que desejo a partir de agora. Tal imagem é quase como uma moldura e prometi me manter fiel a ela. Se o que aparece na minha frente não se encaixa nesta moldura, então eu descarto-a sem piedade, mesmo que me pareça algo tentador e extraordinário. Entendi que, respeitando e seguindo os limites e direções em mente, eu serei um ser humano mais feliz e realizado profissionalmente. E é exatamente isso que está rolando.

Tanto nas fases da vida profissional quanto nas fases da vida pessoal, eu identifico duas questões fundamentais. E, a seguir, divido este meu aprendizado.

A primeira é ter a clarividência em identificar em que fase você está. Isso exige autoconhecimento, despojamento de ego, fleuma, humildade, aceitação de suas limitações e fragilidades e tudo mais. Não é simples e nem fácil. Mas, identificar em que fase está, facilita a aceitação de algumas coisas e tomadas de decisão.

O segundo ponto é mais importante, porém muito mais difícil: é o período de passagem de uma fase para outra. Estes são períodos de intensa dificuldade porque a tendência é continuarmos na inércia da fase anterior, com imensa resistência de identificar e aceitar a entrada na nova fase. Como as coisas não são binárias e nem “preto e branco”, esta é uma fase cinza, ambígua, é quando estamos com os pés nas duas margens do rio, as vezes pra lá, as vezes pra cá. Isso exige aceitação da idade, aceitação de que as coisas não são exatamente como pensamos ou desejamos, conviver com frustrações, sair da zona de conforto, viver com um pouco mais de insegurança etc. Essa é uma boa conversa para um futuro artigo.

Ambas as fases nos impõem uma mudança de atitude, que é olharmos menos ao redor para passarmos a olhar mais para dentro de nós, de nos desnudarmos e nos reconhecermos como seres frágeis, vulneráveis e limitados.

Caminho de Cora Coralina

Eu vivi tudo isso na minha vida, mas só fui organizar essas coisas na minha cabeça recentemente. Até então eu achava tudo isso uma enorme baboseira. Na verdade, eu nem aceitava gastar tempo para pensar nessas coisas. Achava perda de tempo porque eu deveria direcionar cabeça e energia para algo mais produtivo. É constrangedor reconhecer e confessar a forma como eu conduzia a minha vida, mas aprendi a ser honesto comigo mesmo.

Em vez de tentar abafar esta minha inquietude, eu fiz o contrário, passei a estimulá-la. Comecei a estudar filosofia, passei a ler e a consumir conteúdo (leitura, áudio e vídeo) que me permitissem mergulhar ainda mais em tudo que estava sentindo, despertando novos interesses e descobertas, agregando mais conhecimento e pontos de vista. Também passei a conversar mais sobre o tema com amigos e amigas que viviam e vivem um momento parecido com o meu. Ao me abrir e provocar tais conversas, surpreendentemente descobri que a maioria das pessoas vivem inquietações parecidas. De certa forma, o mundo pós-pandêmico parece ter intensificado isso em grande parte das pessoas. Ao me aprofundar e buscar respostas para minhas questões mais filosóficas de vida, eu me tranquilizei porque passei a alimentar minha essência e minha alma com possíveis caminhos e soluções. Ao tomar esta estrada, sinto que nunca mais vou sair dela.

A idade nos torna mais cascudos, desenvolvemos uma pele mais grossa em função das cicatrizes e do acúmulo das nossas experiências de vida. Por outro lado, se nos permitirmos, a idade também nos torna mais reflexivos e porosos. Sermos mais impermeáveis ou permeáveis é uma escolha… uma escolha de vida. E fazer escolhas é a nossa real liberdade. Enfim, navegar e viver entre estes extremos pode mudar radicalmente a forma como atravessamos e ultrapassamos cada fase de vida.

Caminho de Cora Coralina – Goiás

Viktor Frankl, neuropsiquiatra austríaco, é autor do livro “Em busca de sentido”, que é bestseller mundial. Em sua obra, Frankl descreve a sua experiência como prisioneiro nos campos nazistas de concentração, onde os seus limites foram levados ao limite. Como é possível que, tendo perdido tudo e com todos os seus valores destruídos, sofrendo de fome e esperando a todo momento pela morte, ele tenha conseguido encarar a vida como algo que ainda valia a pena?

A busca de um sentido para a vida faz parte dos questionamentos existenciais do ser humano. Em algum momento, cedo ou tarde, isto brota dentro da gente. Viktor Frankl foi pioneiro em abordar este tema na Psicologia. Eu recomendo muito a leitura de seu livro porque ele planta sementes transformadoras em nossa cabeça. Eu não estou certo se este livro dá respostas ou se coloca mais perguntas em nossa mente, acho que depende do momento de vida que o leitor está vivendo, mas não importa, o fato é que ele desperta algo dentro de nós que nunca mais nos será indiferente. É uma semente que é plantada e que nunca mais saíra de cena, somente crescerá, mais e mais.

Uma das citações mais famosas de Viktor Frankl é a seguinte: “Pode-se arrancar tudo do homem, menos uma coisa, a última das liberdades humanas: a escolha da atitude pessoal diante das circunstâncias é que vão definir seu próprio caminho.”

Eu acho que este é o grande aprendizado que obtive ao fazer a retrospectiva que contei neste artigo. Em todas as fases da minha existência, eu cresci e evoluí quando eu peguei as rédeas da vida em minhas mãos, quando entendi que eu tinha a escolha da atitude pessoal diante das circunstâncias e tomei decisões conscientes de mudança da minha história como ser humano.

Mudar o que pode ser mudado. Aceitar o que não pode ser mudado e que não depende de mim. Ter consciência da realidade, somente assim é possível alcançar a liberdade. Me satisfazer com o que tenho e não me entristecer com o que não tenho. Buscar sempre a evolução interior porque aí está a verdadeira felicidade. Estes são ensinamentos de Epicteto, filósofo grego, pertencente à Escola Estóica, que viveu a maior parte de sua vida como escravo em Roma. Seu pequeno e incrível livro “A Arte de Viver” deveria ser lido por todos os seres humanos.

O meu atual manual de vida está centrado na combinação dos pensamentos de Viktor Frankl e do filósofo Epicteto. Esta tem sido a minha cartilha. Eu só quero isso para mim. Talvez esta seja a verdadeira sabedoria da vida… da minha vida.

Caminho de Cora Coralina – Goiás