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Chega! Quero mudar de vida

Quando comecei o meu sabático, fruto de um momento de vida peculiar e indesejado, já contado e recontado no meu blog, eu não tinha certeza de quando ele terminaria ou para onde as coisas iriam. Eu estava convencido de não olhar para o retrovisor, apenas tinha em mente manter a cabeça levantada e os olhos direcionados para frente, caminhando em direção ao horizonte, sem chance de meia-volta. Na verdade, eu nem chamava aquele período de sabático, só fui carimbar o nome “sabático” tempos depois. O que eu queria era um tempo para pensar e redirecionar a minha vida, com o propósito de procurar algo novo e bem diferente.  

O meu passado era o exemplo maior do que muitos chamam de modelo de sucesso, baseado na fórmula família-trabalho. Eu tive um bom casamento, filhos bem criados, imóvel próprio quitado e vida financeira equilibrada. Uma família estável e sólida, que “deu certo!” No trabalho, eu tive uma carreira crescente, com bons empregos, em boas empresas, com estabilidade profissional, reconhecimentos, trabalho duro e boas histórias para contar. Ou seja, uma história profissional bacana e exemplar.

Resumindo: ao olhar o passado, a sensação é que eu estava cumprindo bonitinho a minha missão de vida, seguindo o modelo de sucesso de vida da minha geração. A ruína, ou redenção, começou em 2020, quando iniciei um profundo repensar da minha existência, o tal sabático… e tudo virou de cabeça para baixo.

Como já disse, o meu sabático não começou como um sabático desejado e planejado. Ele teve início a partir de um trauma vivido, que me jogou em outra dimensão. Por fora eu continuava sendo uma pessoa de aparente sucesso (e eu lutava para manter essa percepção junto ao meu círculo social), mas por dentro eu estava destroçado e perdido. Portanto, aquela tal “missão de vida sendo cumprida” era uma ilusão que começava a derreter dentro de mim. 

No meu blog, e no LinkedIn, eu escrevi dezenas de artigos sobre o meu processo pessoal de angústia, descoberta e ressignificação. De alguma forma, a minha história alcançou e tocou muitas pessoas. Eu recebi, e continuo recebendo, mensagens de pessoas que se identificaram com minhas narrativas, meus conflitos, que estão passando por contextos parecidos, além de uma lista interminável de perguntas sem respostas. São pessoas que estão vivendo, ou viveram, situações de reflexão, transformação de vida e desejam compartilhar suas experiências comigo, o que é maravilhoso. Tenho muita gratidão por isso.

É surpreendente constatar que muitas pessoas estão se dizendo infelizes e frustradas, com dificuldade para alcançarem uma vida de paz e realização, porque simplesmente não reconhecem o modelo tradicional de família-trabalho como algo que as alimentem suficientemente. Falta alguma coisa. Parece que o modelo de sucesso agora é outro, diferente de um passado recente.

A parte família do binômio família-trabalho parece ser a mais fácil de avaliar. Na minha visão simplista, avalio que a sociedade começa a aceitar uma mudança no conceito tradicional de família, expandindo largamente a concepção do que é família. Pode ter casamento ou não, com filhos ou sem filhos, vivendo perto ou separado, tudo parece estar sendo assimilado paulatinamente pelas pessoas. Este é um processo evolutivo em andamento. Para muitas pessoas, o importante é que exista amor e felicidade dentro da família. De resto, está tudo bem!

Me parece que o principal pivô da frustração coletiva se encontra no trabalho, que posso expandir para o trio carreira-reconhecimento-conta bancária.

Tive e continuo tendo o privilégio de conversar com executivos e executivas de empresas. Essas pessoas se dizem cansadas de manter o tal “sucesso profissional” a qualquer custo. Essa turma está cansada, declara que deseja largar tudo para fazer algo que alimente o corpo e, principalmente, a alma.

No início, pensei que essa tendência estava concentrada em profissionais de médio e alto escalão. Ao entrar no projeto de mentoria do Leading Zone, há quase um ano, eu passei a conversar regularmente com dezenas de pessoas trabalhadoras de diversos segmentos, geografias e maturidade profissional. Foi aí que eu descobri que esse fenômeno pega todo mundo e, principalmente, a geração trabalhadora mais nova de idade.

Em um dos meus inúmeros papos de mentoria, quando estava prospectando a fonte de dor e insatisfação da minha mentorada, ela disse: “Chega! Quero sair do meu emprego! Quero mudar de vida. Sinto que estou perdendo tempo nesse trabalho. Isso não me realiza. Tô jogando a minha vida na lata do lixo para buscar posição e dinheiro em algo que está me fazendo mal. Quero outra vida para mim”. Essas foram exatamente as palavras ditas por ela. Está tudo anotado em meu caderno de mentoria.

Existe uma insatisfação latente com o modelo de sucesso profissional instituído pelas gerações passadas. Acho que esse é um ponto evidente e indiscutível. Surge a pergunta: Qual seria, então, o modelo atual de sucesso pessoal e profissional que as pessoas estão buscando?

Dias atrás, o meu querido amigo Raul Storino me enviou um artigo muito bem escrito sobre esse dilema. Chama-se “A geração que encontrou o sucesso no pedido de demissão”, assinado por Ruth Manus. Curiosamente, o artigo foi publicado em 2016 e continua super atual. Vale a pena ler porque a sacudida cerebral é boa.

Uma evidência de que algo grande está em curso no mundo é o fenômeno “The Great Resignation”. Em uma tradução livre para português: “A Grande Renúncia”. Vale a pena conferir o excelente artigo “O que é The Great Resignation” publicado no Projeto Draft porque aí temos uma noção mais clara do tsunami em curso no mundo do trabalho.

Eu tenho uma experiência pessoal que me permite ter um ponto de vista sobre esse tema. Muito do que eu penso eu já escrevi no meu longo artigo “Quando a minha identidade profissional não me representava mais”. A seguir eu elaboro um pouco mais sobre o tema.

Como já disse, ao iniciar o meu sabático eu carregava dentro de mim que meu modelo de sucesso como ser humano era o modelo do passado família-trabalho. Por isso, confesso, nos primeiros meses do sabático eu me sentia uma espécie de “vagabundo”.

Um lobo dentro de mim sussurrava no meu ouvido que eu deveria procurar um emprego e ser produtivo. Na verdade, rolava bem mais do que isso dentro de minha mente. Com base em minha experiência de vida, ser produtivo e ter um trabalho significa viver sob pressão, ter uma agenda insana de atividades, brigar com o relógio, terminar o dia exausto e acreditar que no futuro tal situação vai melhorar. Era isso que o lobo de fato estava tentando despertar dentro de mim. Para ele, me sentir livre, leve, com atividades prazerosas e agenda aberta era sinônimo de “vagabundagem”.

Por outro lado, outro lobo sussurrava no meu outro ouvido para não aceitar a volta ao vício do “trabalho insano”, a volta ao palco, de ser visto e admirado, de buscar eminência a qualquer custo. Eu já escrevi sobre a minha convivência com meus dois lobos interiores no artigo “Os lobos dentro de mim”.

Ao longo do sabático, passei a olhar cada vez mais para dentro de mim. Em determinado momento, eu descobri que o meu modelo de sucesso de vida estava totalmente equivocado. Havia um erro enorme de conceito no que eu buscava.

O verdadeiro modelo de sucesso não é olhar para fora, não é me preocupar com o que eu faço e muito menos com o que as pessoas pensam a meu respeito. O correto é olhar para dentro e cuidar do que eu penso, da minha consciência e do meu corpo. Essa é a equação do sucesso verdadeiro que formulei para mim.

Com essa nova fórmula na cabeça eu comecei a ponderar sobre um monte de coisas. O lobo que sussurrava sobre ser mais produtivo foi se afastando ao longo do tempo. Comecei a considerar que o meu real desejo é viver uma espécie de “sabático sem fim”. Não sei se é adequado o uso desta expressão, mas adotei tal termo.    

O “sabático sem fim” não significa ficar parado e improdutivo, e sim que devo investir o meu tempo em atividades que me fazem bem, para minha alma e corpo, dispensando coisas que antigamente pareciam ser muito relevantes para mim, como reconhecimento público e uma conta bancária mais gorda.

Nessa jornada de descobertas e decisões de vida, várias coisas foram e continuam acontecendo. A busca por um propósito de vida e pelo “quem sou eu de verdade” continua sem resposta, mas sigo avançando, fazendo conquistas e ganhando pontos no jogo da vida real. Sobre isso eu já escrevi vários artigos no blog e no LinkedIn, como o mais recente “O desafio de se descobrir e ser você mesmo”. Me orgulho muito deste texto porque ele traduz muito bem a minha “viagem pessoal”.

Uma das coisas que venho experimentando é o manto da invisibilidade. Estar fora do palco implica em saber conviver comigo mesmo, sem pessoas me procurando, elogiando ou paparicando. Sou eu comigo mesmo, sem publicizar minha vida, especialmente nas redes sociais. Aprendi que me basto se eu desligar o meu ego e a minha vaidade. Demorei quase dois anos para chegar no ponto que estou hoje, e sigo avançando no uso do manto da invisibilidade.

Outra coisa que venho aprendendo é viver uma vida minimalista, o que tem sido uma maravilhosa viagem de exercício de desapego e desprendimento. E ainda provoca um bom efeito colateral: uma vida minimalista implica em uma conta bancária mais magrinha, então está tudo bem! Atualmente eu direciono a minha conta bancária para viagens e novas experiências, mas isso pode ser tema para um futuro artigo, quem sabe?

Quando converso sobre a minha vida com amigos e amigas que continuam no mundo louco do trabalho do sucesso profissional a qualquer custo, quase todos dizem que sonham com mudanças todos os dias. Alguns me perguntam sobre qual é a minha fórmula, como se eu tivesse uma poção mágica em mãos. Sinto muito, eu não tenho. Eu não sou alquimista. O fato é que o nível de frustração é alto e a procura pela poção mágica é constante.  

Uma das perguntas que sempre faço para as pessoas é: “por que você não muda a sua vida agora?” A resposta, quase sempre imediata é: “não dá”, seguida de uma lista de razões, sendo a maioria delas bem razoáveis.

Apesar de tudo, já tenho amigos e amigas tomando decisões, gente dispensando um cargo importante em uma grande empresa, abrindo mão da garantia de remuneração mensal e plano médico, para viver uma vida diferente e desconectada das regras obsoletas de sucesso. Algumas pessoas mudaram de cidade, outras de país, muitas vezes sem planos claros, mas confiantes na busca de empreitadas próprias. Ainda são poucos tomando decisões e transformando-as em fato, mas são muitos estufando o peito dizendo que vão fazer. Nesse sentido, convido você para ouvir uma live no instagram, que é uma conversa da Janice Herinnger com Marco Meda. O papo toma 1 hora de duração e ambos contam suas histórias de transformação. Ambos mudaram intencionalmente a direção de suas vidas. Nada foi fácil ou simples. A conversa entre eles contém pontos importantes e que provocam profunda reflexão.

Nas minhas mentorias o que mais escuto é gente falando que a vida que levam no emprego atual não está valendo a pena, com jornadas extenuantes, chefes abusivos e ambientes tóxicos. A grande maioria fala, mas não toma atitude, quase sempre por medos e inseguranças, até muito justificáveis, porque eu mesmo vivi a maior parte da minha vida do mesmo jeito. Outras pessoas parecem estar esperando que mudanças espontâneas ocorram no emprego e tudo fique melhor. Ironicamente, a mudança real e verdadeira não tem que vir do emprego, mas sim das próprias pessoas. Elas têm que olhar para dentro de si, ponderar sobre seus valores e prioridades de vida, e tomar decisões.

Mudanças profundas e permanentes precisam de tempo, precisam de maturação. Quase sempre o processo começa com um pequeno incômodo interno difícil de descrever. A maioria das pessoas tenta abafar esse desconforto, outros tentam aprender a conviver com ele. É como aprender a viver com um sapato apertado o resto da vida.

O segredo é aceitar e reconhecer que esse incômodo existe, é descobrir sua origem. Para isso é preciso você se conhecer internamente, endereçar as suas dores. Esta é uma viagem de autoconhecimento, o que exige tempo, que envolve reconhecimento e aceitação de suas vulnerabilidades e fraquezas. Se debruce dentro de você. Neste ponto, o incômodo deixa de ser desconforto para se transformar em inquietude. E aí você cai na real de que não dá para viver com um sapato apertado o resto da vida, ou seja, a inquietude precisa ser cuidada e tratada.

O exercício de autoconhecimento é individual e muitas vezes é um caminho longo, quase sempre uma estrada sem fim. Alguns buscam ajuda externa, como terapeutas, psicólogos e outros orientadores, o que me parece muito bom e eficaz. Outros buscam pessoas que passaram por processo semelhante para aprender com suas experiências e conselhos. O que também funciona muito bem. Outros buscam caminhos próprios, como meditação, leitura, autoestudo, qualquer meio que coloque você em profundo contato com você mesmo. Eu faço caminhadas de longo curso que me colocam em uma espécie de estado de meditação e me tiram da realidade para me jogar em outro estado mental. É incrível! Eu nem consigo descrever o que ocorre comigo. Só sei que, cada vez que saio para caminhar, eu tenho longos papos comigo mesmo.   

Quando você se encontra, parece que algumas coisas ficam mais claras. Ao chegar neste estado, você deixa de avaliar as coisas de forma puramente racional e lógica. O seu lado emocional ganha força e passa a dominar seus pensamentos. Aqui você começa a penetrar dentro de você de forma mais profunda e questões de propósito de vida passam a dominar sua mente. Você passa a pensar de forma elevada, em um estado de energia diferente. Você sonha com novas possibilidades, novos desejos se manifestam, enquanto os seus medos e inseguranças são colocados de lado. Surge a esperança.

O passo seguinte é a tomada de decisões, que representa o despertar da real mudança. Muitas vezes isso tem início com pequenas mudanças individuais, com um comportamento mais egoísta, impactando os seus papéis de pai, mãe, filho(a), trabalhador(a), etc. Externalize suas decisões para quem ama, para seus familiares e amigos(as). Assim todos entenderão a sua jornada e aceitarão melhor esse seu comportamento mais autocentrado.

Pequenos momentos de conquista e satisfação interna começarão a surgir. A inquietude interna poderá diminuir ou até aumentar, neste último caso será a sua alma pedindo por mais mudanças, em quantidade e intensidade.

É duro, é difícil, mas uma mudança de direção de vida é uma espécie de um despertar da consciência, de um redescobrir da existência. Quando tomamos uma atitude real de mudança, não aquela passageira que no dia seguinte nos arrependemos, parece que atravessamos um portal porque nunca mais conseguiremos retornar para a dimensão anterior. A nossa vida parece que ganha outro significado, ganha propósito, ficamos mais leves e conscientes do que realmente desejamos e daquilo que nos nutre. Nesta fase, coisas inesperadas e maravilhosas podem acontecer, basta que você esteja receptivo e aberto, emocionalmente e energicamente, para elas entrarem na sua vida. É isso que está acontecendo comigo.  

A minha situação é muito peculiar. Quando minha amada Regina partiu e eu iniciei a minha jornada de transformação de vida, eu nunca imaginaria que poderia ter uma nova companheira. Confesso que estava preparado para viver sozinho, ao mesmo tempo que eu treinava a minha mente me convencendo que estava iniciando o período mais maravilhoso da minha vida. Mas o universo é lindo, o mundo gira e colocou na minha frente a Valéria. Nos apaixonamos e hoje vivemos uma maravilhosa vida juntos.

Minha amada Valéria potencializou a minha ressignificação de vida. Ela é diretamente responsável por tudo que aconteceu comigo nos últimos dois anos. Ela me leva para outra dimensão em nossas conversas de vida, iluminando e semeando o meu caminho. Com ela eu sou um ser humano melhor. Aqui entra um outro ponto importante na equação de uma mudança de vida, que é você ter do lado um parceiro ou parceira que realmente te alimente, que tire você do lugar e que esteja com disposição de buscar novos caminhos ao seu lado, romper elos, construir novas possibilidades futuras e que exercite com você o desapego e a mudança contínua. Valéria me provoca tudo isso!

Nos tempos atuais, as palavras que mais ouvimos são aquelas relacionadas a transformação e mudança. Falamos, o tempo todo, em mudanças coletivas e individuais. Para termos um mundo melhor precisamos ser, individualmente, seres humanos melhores, mais bem resolvidos, vivendo em paz com nós mesmos, em uma jornada sem fim de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal. Entender a dinâmica deste processo e se jogar nele é essencial.

Se este incômodo ainda não virou uma inquietude dentro de você, é porque ele ainda não está maduro suficiente. Mas tenha certeza de que isso vai acontecer, em algum momento. Por outro lado, se você já convive com uma inquietude latente, o tal sapato apertado, é hora de dar os primeiros passos para sua viagem de ressignificação e propósito de vida. A jornada será longa, tortuosa e com contratempos, mas tenha em mente que ela é necessária e inevitável.

A vida real que vivemos não é aquela que está ao nosso redor, mas sim aquela que vivemos dentro de nós.