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Expedição ao Monte Roraima: lições, perrengues e dicas

Eu fui dormir por volta de 21h30. Entrei na frágil barraca com a lanterna de cabeça. A noite estava muito escura, com tempo nublado e muito úmida. O terreno era lama pura, consequência da tempestade que inundou a minha barraca por completo.

As barracas, iluminadas internamente devido as lanternas, criavam um colorido deslumbrante no acampamento. O visual era bonito, contrastando com a dura realidade que eu sentia dentro de minha barraca.

Coloquei o isolante térmico em cima do plástico molhado do fundo da barraca, por cima o colchão inflável e depois o saco de dormir. Todos haviam ido para as suas barracas, criando o momento da “hora de dormir”. Porém, eu estava sem sono, excitado ainda pela experiência que eu estava vivendo e, mais ainda, pelo que ainda estava por vir.

Juro que eu tentei dormir: fechei os olhos, apaguei a lanterna, escuridão total, com o leve som do vento balançando a barraca e o odor de umidade fria dentro do cubículo.

Senti uma sensação de claustrofobia, um início de síndrome do pânico. A barraca pequena me sufocava. O desconforto era imenso, fui envolvido por uma espécie de falta de ar e agonia, então saí correndo da barraca para me resguardar em uma pequena choupana de palha que havia no local.

Acho que fiquei trinta minutos do lado de fora. Sozinho! Havia lama, mas já não chovia. Uma brisa agradável e fria me fazia bem. Apesar do céu noturno dominado pelas nuvens, já dava para ver algumas estrelas. Pensei na incrível oportunidade que estava vivendo e que ainda iria viver. Pensei melhor e concluí que a sensação de medo não era apenas pela barraca sufocante, mas pelos dias que estavam por vir.

Esta era a primeira noite da expedição ao Monte Roraima. Era impossível fechar os olhos e não pensar no desafio físico e psicológico de chegar ao topo do Monte de 2.800 metros de altitude.

Tudo parecia um sonho e ainda impossível. Enfim, indiscutivelmente, esta era a verdadeira razão da minha ansiedade, quase pânico. É como se Deus estivesse me dizendo o que estava à frente nos próximos dias: “Não será fácil, meu filho. Prepare-se”.

Ao descobrir o real motivo, cochichei comigo mesmo: “Estou preparado”.

Voltei para barraca. Aquele dia vivido já tinha sido muito intenso fisicamente. Eu precisava descansar para o dia seguinte, que seria ainda mais difícil. Voltei e dormi… lindamente, consciente de que um dos meus lobos internos estava me sabotando e que eu não deveria dar ouvidos para ele.

Este é um artigo muito longo (o mais longo que já escrevi), repleto de detalhes, imagens e vídeos. Sinto muito pelo excesso de informação, mas escrevo este artigo para mim. Algumas vezes, provavelmente, fui repetitivo. Esta é uma história que preciso registrar porque foi a maior aventura da minha vida.

Mais para frente, eu contarei detalhes do dia a dia da minha experiência na expedição ao Monte Roraima. Até hoje eu não acredito no que realizei e conquistei. Vejo as fotos e ainda me surpreendo, imaginando ter sido um sonho.

No Mirante do Abismo acima das nuvens

3 LIÇÕES DA MINHA EXPERIÊNCIA

Nos últimos dois dias da expedição, eu procurei elaborar os aprendizados mais importantes que me permitiram chegar lá. Espremendo tudo que vi e aprendi, eu cheguei em três lições que foram a base da minha jornada e conquista.

1ª. LIÇÃO: O IMPOSSÍVEL TORNA-SE POSSÍVEL QUANDO DIVIDIMOS O IMPOSSÍVEL EM VÁRIOS PEDAÇOS POSSÍVEIS

Para a maioria das pessoas (como eu!!), subir o Monte Roraima é algo quase impossível. Quando estamos no acampamento do Rio Tek (no final do primeiro dia da expedição, ainda longe da base do Monte) e olhamos para a majestade dos Montes Roraima e Kukenan, a gente não acredita ser capaz de chegar lá.

Aprendi com os guias da expedição o seguinte segredo: em vez de pensar na chegada ao topo do Monte Roraima, o lance é pensar no desafio de cada dia e não se preocupar com o ponto final da jornada. Ou seja, colocar foco total no objetivo do dia seguinte. Isso facilita as coisas e torna o desafio mais possível.

Em resumo: o impossível torna-se possível quando dividimos o impossível em vários pedaços possíveis.

2ª. LIÇÃO: AS COISAS MELHORAM DE REPENTE, QUANDO VOCÊ MENOS ESPERA, BASTA MANTER O FOCO, SER PERSEVERANTE E CULTIVAR UM OTIMISMO REALISTA

Tem momentos em que a jornada está tão difícil e tão exaustiva, que a vontade é desistir no meio do caminho. É como se a esperança daquela experiência extenuante se tornar maravilhosa desaparecesse por completo, torna-se algo impossível.

Aprendi que as coisas podem melhorar quando a gente menos espera, bastando mantermos o foco, sermos perseverantes e cultivarmos um otimismo realista.

Durante a expedição, um dos integrantes do grupo nos apresentou o paradoxo de Stockdale, que foi motivo de conversa em todos os momentos, especialmente naqueles períodos mais desafiadores.

O paradoxo de Stockdale afirma que somente encarar a vida como difícil e sem perspectiva de melhoria pode ser terrível para a motivação. No entanto, o otimismo cego também pode gerar uma frustração igualmente destruidora. Por isso, é preciso conviver com essas duas forças aparentemente antagônicas — o realismo e o otimismo — dentro de si para superar os desafios da vida.

Convivemos e praticamos o paradoxo de Stockdale durante toda a expedição.

3ª. LIÇÃO: RECONHECER NOSSOS LIMITES E PEDIR AJUDA, SEM FILTROS OU VERGONHA, NOS FORTALECE

A expedição ao Monte Roraima é um teste diário de superação, onde corpo e mente, quase sempre, jogam contra você.

Em determinado momento, no meio da expedição, já no topo do Monte Roraima, em uma das atividades, eu falei para o grupo que não seguiria adiante pois estava com muito receio de passar por um local de rochas que se precipitavam em um pequeno abismo.

Falei que estava com medo e inseguro. Reconheci publicamente minhas limitações, me vulnerabilizei e falei que iria esperá-los ali naquele local até eles retornarem daquele caminho. Imediatamente o grupo me encheu de mensagens de solidariedade e incentivo, suporte e ajuda física de alguns. A corrente de apoio criada me motivou a tentar a seguir adiante. E deu certo.

Ao longo da expedição, em alguns momentos, eu falei que estava cansado e o grupo parava para me apoiar. Outros agiam da mesma forma. Tomei consciência em não ultrapassar a linha imaginária do que era risco para mim, para meu bem-estar, confiança e segurança.

Ao longo da expedição adotei o Coronel Barbosa, líder militar aposentado, experiente, um dos integrantes da expedição, como meu Mentor. Ele aceitou o meu pedido e acompanhei-o quase o tempo todo nas longas caminhadas. Ele foi muito generoso, solícito, amigo e professor. Ou seja, eu pedi e ele aceitou me adotar. Muito obrigado!

Aprendi que reconhecer os limites e pedir ajuda, nos fortalece. Ter um mentor, estabelece uma referência e uma fonte de apoio e aconselhamento nos momentos mais difíceis.

Eu e meu Mentor: Coronel Márcio Barbosa

O SONHO

Eu já conhecia, há muitos anos, um pouco da mística do Monte Roraima, mas o sonho de ir ao Monte surgiu ao assistir o filme da Disney “Up – Altas Aventuras”. Era apenas um sonho, como tantos outros, que muitas vezes colocamos num cantinho da mente e nunca mais acessamos.

Nos anos mais recentes, quando comecei a fazer trilhas de forma contínua, a possibilidade de participar de uma expedição ao Monte Roraima saiu do campo dos sonhos e entrou no campo dos desejos de realizações possíveis.

Ao descobrir que existem empresas especializadas nesta expedição, eu iniciei um trabalho de estudo e busca, até chegar nas agências que me proveram todos as necessidades e serviços para a realização desta conquista. Elas estão citadas no final do artigo, mas aqui já a agradeço a “Pés no Cerrado” e a “Monte Roraima Travel”. Well done!

O Monte Roraima é o 7º ponto mais alto do Brasil e se estende por 3 países: Brasil, Venezuela e Guiana. Ele integra o conjunto de montanhas chamadas de Tepui, com relevo raro em forma de mesa. Tepui é uma palavra de origem indígena pemon que significa Monte ou Montanha.

A única forma de subir o Monte Roraima é pela única “fenda” existente no paredão, chamada de “La Rampa”, que fica no lado da Venezuela. Por isso, para subir o Monte, é preciso ir para este país.

Um grande desafio antes da viagem: preparar a mochila com tudo que vou precisar

CHEGADA EM BOA VISTA

Cheguei em Boa Vista, capital de Roraima, no dia 05/09/2023, às 1h45 da madrugada. Dei entrada no hotel e cuidei logo de dormir. Acordei e tratei de bater perna na cidade. Me surpreendi com a cidade repleta de avenidas largas. Caminhei bastante, mesmo sob temperatura de 35C e sol forte.

Boa Vista, capital de Roraima, cidade de grandes avenidas e céu de azul intenso

DIÁRIO

O que você lerá daqui para frente tem origem nas minhas anotações ao longo da expedição. Dentro da mochila carreguei caderno e caneta. Sempre que possível, eu anotava impressões e fatos vividos, carregando com toques de emoção. Tipicamente escrevi a maior parte dos registros durante a noite, mas também fiz escritos durante alguns intervalos de descanso e relax em pleno sol. Com o passar dos dias, o caderno foi se transformando em diário, todo amassadinho, sujo e melado, como tinha que ser. O artigo apresenta tudo que anotei, acrescido de lembranças adicionais, porém me mantendo fiel ao que escrevi no “calor do momento”. Além disso, o artigo está repleto de pequenos vídeos que gravei ao longo da expedição, muitas vezes sendo prolixo e ou cometendo erros.

Em alguns momentos na expedição eu fui flagrado escrevendo no meu diário

A EXPEDIÇÃO

No dia 06/09/23, por volta de 4h50 da manhã, o transporte enviado pela agência foi buscar o grupo no hotel. Eram dois carros Spin.

O grupo era formado por 10 pessoas, sendo 8 homens e 2 mulheres.

1a foto do grupo da expedição ao Monte Roraima. Aqui vemos o grupo e Marcelo, da MRT-Monte Roraima Travel.
Deixando o hotel em Boa Vista

Com os dois carros lotados de gente, mochilas, malas e diversos materiais, partimos em direção à fronteira com Venezuela. Saímos sem o café da manhã, com a promessa de nos alimentarmos no meio da viagem.

No meio do trajeto, paramos em um café de estrada, chamado “Recanto da Paçoca”, que estava lotado. O lugar era bem simples, com serviço de qualidade questionável, banheiros péssimos, mas claramente era a única parada possível na viagem até a Venezuela. No entanto, tomei um bom café acompanhado de uma espécie de pão de queijo de tabuleiro.

Recanto da Paçoca, parada para o lanche entre Boa Vista e Pacaraima
Recanto da Paçoca, parada para o café da manhã do dia entre Boa Vista e Pacaraima

VICENTE

No “Recanto da Paçoca”, me chamou a atenção a quantidade de carros tipo táxi carregados de gente, malas, trouxas e tudo que possamos imaginar.

Em um dos carros havia uma caixa típica de transporte de animais. O calor estava insuportável e a grande caixa estava em cima do carro. Se havia algum animal ali lá dentro, ele estava sufocado. Fiquei preocupado. Vi que não havia ninguém dentro do carro.

Em poucos minutos se aproximou um sujeito com aparentes 30 anos de idade, de sorriso farto, porém sem os dois dentes da frente, roupas muito simples e simpático. Perguntei sobre a caixa em cima do carro. Ele disse que ali estavam 4 cães, mas que eu não me preocupasse porque ele estava cuidando deles. Puxei conversa com ele.

Ele me contou que é venezuelano e que estava retornando com a família para Venezuela. Toda a vida dele estava naquele carro. Além dele, havia mais 4 adultos da família, 1 criança pequena, o motorista da cooperativa, 1 galinha, 1 pato, 1 gato e um isopor cheio de comida e bebida. O carro estava lotado por dentro e carregado por fora, especialmente no teto. Vicente sorria, mostrando gratidão por estar voltando para sua terra, com sua família e todas as suas coisas. Ele disse que a sua vida toda estava naquele carro.

Me arrependi de não ter feito uma foto com o Vicente. Seria formidável. Me restou apenas fazer a foto a seguir, registrando o carro com a sua mudança e a sua família escondida dentro do automóvel.

O carro com “toda a vida” do Vicente

FRONTEIRA BRASIL-VENEZUELA

De Boa Vista até Pacaraima, cidade brasileira colada na fronteira com a Venezuela, foram 214 km em 4 horas de viagem, em uma estrada (BR-174) de asfalto de qualidade sofrível e perigosa, devido aos carros, ônibus e caminhões que ficavam cruzando a pista para fugir dos buracos.

Chegamos em Pacaraima por volta de 9 horas. Tivemos que carimbar o passaporte no posto da Polícia Federal do Brasil.

Mais adiante, poucos quilômetros depois, chegamos ao Posto de Imigração e Controle de Fronteira da Venezuela, onde meu passaporte foi carimbado, registrando a minha entrada na Venezuela.

Na fronteira com a Venezuela

Ainda na fronteira, trocamos de transporte. Deixamos os Spins e entramos em Toyotas 4×4. Todas as mochilas e cargas foram transferidas para os novos carros. Ali conhecemos nossos guias da expedição, que são venezuelanos e descendentes indígenas. Todos muito simpáticos, atenciosos, falando um bom portunhol e jovens. Foi um momento muito agradável.

Na fronteira com a Venezuela, a primeira interação com nossos guias
A partir da fronteira com a Venezuela, nosso transporte passou a ser Toyotas 4×4
Os robustos 4×4 que nos transportaram para Venezuela

VIAJANDO DE 4×4 NA VENEZUELA

Entrando na Venezuela, o péssimo asfalto brasileiro foi esquecido rapidamente. A Troncal-10 é uma estrada com asfalto bem conservado, quase um tapete.

Na Troncal-10, Venezuela

Quase quinze quilômetros depois, chegamos na cidade de Santa Elena de Uairén, onde paramos para um xixi basicão e comprar água. O sol estava massacrante e a parada caiu muito bem para todos. Acho que ficamos parados por vinte minutos ou mais.

De lá, seguimos em asfalto até a localidade de San Francisco de Yuruani, em um percurso de 83 km (a partir da fronteira). Apesar da boa estrada, os 4×4 supercarregados não conseguiram desenvolver alta velocidade. Tive a sorte de viajar no banco da frente, ao lado do motorista, onde pude desfrutar de mais espaço para as pernas e ter melhor visão da paisagem.

Um pouco antes de San Francisco de Yuruani, os 4×4 saíram do asfalto para tomar a estrada que nos leva para um dos portais do Parque Nacional de Canaima. Até este ponto, deste a fronteira, já havíamos passado 2 horas de viagem dentro dos 4×4.

Portal do Parque Nacional de Canaima

Paramos no posto de entrada para registro, que fica próximo da comunidade indígena Kumarakapay. Este posto é um ponto de controle turístico do Parque. Acho que gastamos ali uns 15 minutos.

Portal do Parque Nacional de Canaima

Seguimos em estrada de terra por aproximadamente 30 km. Apesar da “curta” distância, levamos 1 hora para percorrê-la devido às condições da via. A estrada começa em condições razoáveis, mas depois se transforma em uma estrada com vários desníveis, pedras e valas. Ali entendi o motivo de estarmos em robustos 4×4.

Seguindo em estrada de terra para Paraitepuy

Ao longo da viagem, o Monte Roraima vai surgindo no horizonte, um pouco indefinido e enevoado, devido a imensa distância, mas seu desenho é magnético, quase impossível deixar de se fixar nele. Confesso, ali rolou uma dose de ansiedade.

O nosso destino era a Aldeia Indígena de Paraitepuy, que é o real ponto de partida da expedição.

Chegamos em Paraitepuy às 12h30, com sol a pino.

Chegando em Paraitepuy

1º DIA – 06/09/23

Apesar do primeiro dia ter se iniciado em Boa Vista às 5 horas da manhã, a sensação que senti quando cheguei em Paraitepuy é que a expedição verdadeiramente começava ali. O clima é diferente. O espírito é diferente. Ali criamos intimidade com os nossos guias, os carregadores e os indígenas que farão parte da nossa expedição. Todos muito alegres, simpáticos e servis. Eles realmente praticam o “espírito de servir”.

O clima leve, com abundância de sorrisos e boa vontade, gera uma sensação de confiança e cumplicidade, gerando rapidamente uma percepção de união e colaboração de todo o grupo. Existe uma alegria no ar de estarmos todos ali para uma aventura e conquista. Os guias, sabiamente, entendem como estabelecer este clima desde o início.

Todos se organizando para o início da expedição – em Paraitepuy

É fácil constatar, em poucos minutos, o quanto a comunidade de Paraitepuy é carente e humilde, e o quanto a subsistência daquela aldeia depende dos trilheiros que diariamente circulam por ali iniciando e terminando as expedições ao Monte. Quando contratamos guias e carregadores locais, nós estamos ajudando economicamente aquela comunidade. No entanto, é fácil também constatar que ali deveria haver mais infraestrutura, suporte e apoio de agentes governamentais, que geraria benefícios concretos para todos. Este não é um assunto que desejo explorar aqui, mas escrevo no intuito de registrar que foi impossível não pensar nisso durante todo o tempo que estive ali.

É na Aldeia de Paraitepuy que temos a primeira visão imponente do Monte Roraima e de seu irmão, o Monte Kukenan (Tepui Kukénan). Por estarem muito distantes de nós, eles surgem descoloridos, com tom azulado, criando um skyline que captura os olhos.

De Paraitepuy avistamos os Montes Kukenam e Roraima, ainda muito distantes e em tom azulado

Assim que chegamos, os 4×4 foram descarregados. Nos dirigimos para a cabana de controle e vigilância do Parque (Puesto de Guarda), onde fornecemos nossos dados pessoais e assinamos o livro de controle do Parque registrando o início da nossa expedição.

Em Paraitepuy os 4×4 foram descarregados
Registro no Livro de Controle no Parque – em Paraitepuy

Por volta de 13 horas rolou a primeira refeição da expedição. Como estávamos para partir em caminhada, nos foi servido um sanduichão e refresco, em uma das cabanas. Iríamos encarar sol forte, tempo quente, com muito esforço físico, por isso, sabiamente, não almoçamos um prato de comida pesado e tradicional. O objetivo era alimentar e colocar carboidrato para dentro.

rimeira refeição da expedição: um sandubão!!

Eram 13h40 quando iniciamos a caminhada da tarde, o primeiro trecho da aventura. Depois de concluída a expedição, entendi que este trecho foi o mais fácil. Porém, neste primeiro dia, onde músculos e cabeça ainda estão frios, esta caminhada me pareceu intensa e difícil.

No início da expedição, crianças da Comunidade de Paraitepuy acenam para nós

Logo no início da caminhada, no segundo ou terceiro quilômetro, nós tivemos que enfrentar uma íngreme subida. O guia nos disse que esta subida é chamada de “prova do novato”, numa clara alusão de que aquela “pequena subida” é uma prova do que virá pela frente.

A tal “prova do novato” me faz parar para reajustar os tênis de caminhada. Afrouxei os cadarços e reapertei os calçados, na expectativa de me dar mais firmeza e segurança. Passei uma nova camada mais reforçada de protetor solar, ajeitei a bandana para esconder o pescoço do sol forte e bebi vários goles de água. Estava pronto para continuar.

O início da caminhada no 1o dia da expedição

Atravessamos a “Grande Savana” (Gran Sabana), que formam lindos campos de vegetação rasteira, que geram contrastes coloridos com o belo azul do céu. Caminhamos olhando os dois montes icônicos a nossa frente. Pelo menos o sol está em nossas costas, amenizando a incidência de raios solares. Não existe sombra ou abrigo.

A primeira sensação ao ver os montes distantes é de encantamento, pela majestade e por tudo que eles invocam. Depois surge uma sensação difícil de descrever, talvez de medo, de incredulidade de que vou conseguir alcançar o Monte Roraima e subir até o topo. Eu parei muitas vezes para ver o monte e lidar com meu ceticismo. Pensava: será que vou chegar lá e conseguir subir tudo aquilo?

Os Montes Kukenan e Roraima a nossa frente – 1o dia da expedição ao Monte Roraima

Da Aldeia de Paraitepuy até o Acampamento do Rio Tek, caminhamos por 14 km em aproximadamente 4 horas. Saímos sob sol massacrante, depois o tempo fechou e choveu um pouco, depois o sol surgiu de novo, logo em seguida veio uma nova chuva e assim foi. Ali, no primeiro dia, descobri que a alternância do clima, de sol e chuva, de calor e frio, seria uma constante durante toda expedição.

Os carregadores de outros grupos seguindo no mesmo caminho, em direção ao Monte Roraima
O grupo forte da terceira idade. Todos acima de 63 anos. Alexandre, Márcio, eu e Belmiro.
Carregadores descansando no caminho com os Montes repletos de nuvens
O tempo alternou várias vezes entre sol e chuva. A capa de chuva foi fundamental.

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Chegamos ao Acampamento do Rio Tek próximo das 18 horas, com o sol já escondido e a noite se aproximando. O tempo estava nublado, com chuva fina. As barracas individuais já estavam montadas, responsabilidade da equipe de apoio da expedição.

Chegada no Rio Tek com as barracas coloridas já montadas e tempo nublado com chuva fina.

Larguei a mochila em uma barraca, peguei toalha, sabonete e roupas limpas e corri para o Rio Tek tomar um banho. A água corrente do rio tinha temperatura fria, mas suportável. Não deu para mergulhar porque as pedras eram muito escorregadias e me senti inseguro, mas consegui tomar um bom e refrescante banho. Os mosquitinhos chamados de puri puri me picavam, especialmente mordendo meus tornozelos e zunindo nas minhas orelhas.

O banho no Rio Tek: se virando nas pedras escorregadias, curtindo a água de temperatura boa e convivendo com os puri puri.
O Rio Tek ao anoitecer, com o majestoso Monte Kukenan ao fundo

Voltei para barraca. Já quase escuro, conheci melhor meu novo lar. Sensação de aperto. Lá dentro eu tinha a minha mochila de ataque (mochila mais leve, que me acompanhou em todo momento com material básico, pesando no total 4 ou 5kg), a mochila cargueira (com 12kg de material pessoal, que foi levada em toda expedição pelo Eliu, carregador que contratei), o saco de dormir, o colchão inflável, o isolante térmico e os bastões de caminhada.

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O caos dentro da barraca inundada logo no 1o dia da expedição

Como organizar a barraca? O primeiro dia de barraca é sempre o mais difícil. A gente não sabe muito bem onde estão as coisas, como achar e reorganizar. Aliás, o “tira tudo” e o “põe tudo” nas mochilas foi uma atividade recorrente durante toda a expedição. Obviamente que, nos últimos dias, esse processo vai ficando mais fácil porque a gente cria determinadas rotinas, tem mais clareza do que vai precisar, mas o abre-fecha das mochilas foi repetido diariamente dezenas de vezes. Aqui tem um ponto adicional, como o Monte Roraima tem um clima muito úmido, nós fomos alertados para colocarmos tudo em sacos plásticos estanques para evitarmos que nossas roupas e pertences ficassem molhadas devido à umidade intensa. Portanto, o barulho de sacos plásticos também foi algo comum durante toda expedição.

A chuva, que estava fraca, apertou um pouco. Dentro da barraca as coisas não estavam boas. Havia água no piso plástico da barraca, enquanto alguns pingos caiam em partes diversas e, também, do teto. Em resumo: a barraca estava inundada. Cabe esclarecer que não havia problema com a barraca, que estava em excelentes condições. O problema foi o enorme volume de água que caía do céu, associado ao vento forte que espalhava água por todos os lados,

Com a parada momentânea da chuva, eu saí da barraca usando lanterna de cabeça e me posicionei em uma das cabanas de palhoça. Logo a chuva voltou. Em poucos minutos caiu o mundo. Choveu torrencialmente, com trovões e relâmpagos.

Fui para outra cabana, onde o pessoal de apoio estava fazendo nosso jantar. Lá me senti mais resguardado do vento e da chuva. Fiquei um bom tempo por lá conversando e me relacionando com todos, em um ambiente muito agradável e divertido. Acho que o jantar (arroz, frango e maionese) só foi servido quase 90 minutos depois.

O pessoal preparando o jantar, com alegria e leveza. Enquanto isso, caía uma tempestade do lado de fora da cabana
O primeiro jantar da expedição: comida farta e saborosa, preparada com carinho

Depois do delicioso jantar (frango, maionese e arroz), constatei que a área do acampamento estava toda inundada, com muita lama. Voltei para barraca. Ali vivi a experiência que contei no início deste artigo, uma sensação de quase pânico. Não foi nada legal. A barraca não segurou a chuva e ficou toda molhada por dentro, vazando água pelo teto e pela base plástica.

Chuva torrencial transformou o acampamento em um lamaçal

Resumo do 1º dia:
Viagem de carro de Boa Vista até fronteira com Venezuela – 214 km em 4 horas
Viagem de 4×4 da fronteira até Paraitepuy –113 km em 3 horas
Caminhada de Paraitepuy até Acampamento do Rio Tek – 14 Km em 4 horas

2º DIA – 07/09/23

Acordei bem, descansado. O amanhecer estava lindo.

A lama havia desaparecido e se tornado em piso sólido. As barracas coloridas, tingindo o verde da vegetação e o céu azul, com o Monte Kukenan ao longe, criavam um cartão postal lindíssimo.

Acordei super bem e descansado, sob um sol divino e acolhedor
As barracas coloridas e o sol nascente geravam um colorido espetacular na manhã do 2o dia

Tomamos um café da manhã delicioso. Comemos domplin com ovo mexido. Aprendi com Manuel, o líder da expedição, a receita de domplin, que um pãozinho salgado bem gostoso e fácil de fazer.

Café da manhã maravilhoso: domplin com omelete e queijo

Objetivo do 2o. dia da expedição: caminharmos do Acampamento do Rio Tek até o Acampamento Base, com estimativa de realizarmos os 11 km em 6 ou 7 horas, subindo aproximadamente 1.000 metros.

Cartão postal: minha barraca com o Monte Kukenan ao fundo
O Rio Kukenan, que tivemos que atravessar de meias para não escorregar nas pedras traiçoeiras
Uma foto para enquadrar com o Monte Kukenan ao fundo

Logo no início tivemos que atravessar o Rio Tek. E dois quilômetros adiante, foi a vez do Rio Kukenan. Em ambos, a recomendação foi tirar os calçados e realizar a travessia de meia, devido às pedras muito escorregadias. O primeiro rio foi bem fácil. Já o segundo rio exigiu a ajuda dos guias. Eles apontam quais pedras pisar, dão apoio e mãos, com a água na altura dos nossos joelhos. Exige bastante cuidado.

O Rio Kukenan
Rio Kukenan, que precisamos atravessar de meias e com muito cuidado
Os guias e carregadores Eliu e Daniel atravessaram o Rio Kukenan com uma facilidade incrível

O caminho ao Acampamento Base foi árduo, com muitas subidas e descidas, sendo muitas vezes terrenos rochosos, com pedras soltas. Não considerei um caminho difícil, porque caminhamos lentamente, com muitas pausas. O desafio foi a chuva, que foi intensa em alguns momentos. Os pingos eram congelantes. O grupo se dispersava por várias vezes, respeitando o ritmo e a capacidade física de cada um. Os carregadores, que falarei mais adiante, formavam um grupo a parte, devido a agilidade e força que eles demonstravam.

Fiz muitas fotos neste caminho cruzando a Grande Savana. Os efeitos do céu, com os montes distantes, criavam belos cartões postais.

Como falei, uma boa parte do caminho foi sob chuva, as vezes com chuva intensa. Nestes momentos, o uso de capa de chuva foi a salvação da lavoura. Apesar de desconfortáveis, porque geram imenso calor corporal devido a sua impermeabilidade, a capa nos protege de nos ensoparmos completamente.

No meio do caminho, passamos por um local chamado Acampamento Militar (não tinha nada de militar. Na verdade, era uma pequena formação rochosa com poucas árvores), onde almoçamos sob chuva fina, aproveitando uma pequena brecha do tempo, já que vínhamos sob chuva pesada. Neste local surgiram muitos mosquitos e fui salvo pela tela mosquiteira de rosto que levei comigo.

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Uma parada para descansar perto do Acampamento Militar
Terreno lamacento e escorregadio, uma constante no 2o dia da expedição
Almoço rolando perto do Acampamento Militar, onde paramos para descansar e nos alimentar
Caminho com lama e água, vendo o Monte Roraima cada vez mais perto
O paredão do Monte Roraima cada vez mais próximo no 2o dia da expedição
Capa de chuva e bastões de caminhada foram fundamentais no 2o dia da expedição

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Chegamos no Acampamento Base um pouco depois de 15h. O que chama atenção neste local é o gigantismo do paredão do Monte Roraima a nossa frente.

Chegada ao Acampamento Base, encharcado pela chuva e bem pertinho do paredão do Monte Roraima

As barracas já estavam montadas. Escolhi uma, coloquei a minha mochila dentro, separei roupas limpas e toalha e partir para tentar tomar um banho.

Dentro da mochila, com uma veia sobressaltada na testa, possivelmente resultado do esforço da caminhada

No Acampamento Base não havia um rio, mas sim um pequeno córrego, cuja água vem do Monte Roraima. Este riacho era um pouco distante, em um local com acesso mais difícil e desconfortável, mas um “banho de caneca” era necessário. O riacho tinha uma água hiper gelada, por isso os nativos chamam de “geladeira”. Só deu para entrar com água até as canelas, que congelaram. Tomei banho de cuia e me dei por feliz.

O banho no córrego conhecido como “Geladeira”. Em poucos minutos virei picolé!

O final de tarde no Acampamento Base foi super agradável. Desta vez não choveu. Conversamos muito, acompanhados de um providencial café, compartilhando nossas apreensões sobre o dia seguinte, o 3o dia da expedição, onde teremos que subir a “La Rampa”.

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No Acampamento Base havia outros grupos de expedição além do nosso, por isso ocupamos uma área onde ficamos todos juntos
Com um final de tarde muito agradável, o Acampamento Base ofereceu belos cartões postais do Monte Roraima
Tentando secar as minhas roupas ao lado da minha barraca
No Acampamento Base rolou um clima de confraternização e conversa sobre o dia seguinte, acompanhado de um bom café

Eliu preparando o nosso jantar, sempre com sorriso largo no rosto
Tomando um café e me aquecendo. O anoitecer trouxe frio e sereno gelado no acampamento.
O Sol indo embora se despedindo do Monte Kukenan
O delicioso jantar da noite: carne, arroz e banana frita

O céu limpo foi um presente de Deus. Nas primeiras horas da noite o céu ficou super estrelado. Coloquei o meu smartphone no modo manual de fotografia e fiz algumas fotos da Via Láctea que estava acima de nossas cabeças.

O papo da noite com o Líder da expedição, Manuel, nos preparativos para o “grande” dia seguinte
A Via Láctea acima de nossas cabeças no Acampamento Base, em foto feita por mim usando celular

A madrugada na barraca foi bem difícil. O sereno forte e a temperatura baixa foram bem desagradáveis. Senti frio durante à noite. O terreno estava levemente inclinado e meu saco de dormir deslizava a todo momento. A noite senti meus pés “congelarem”, porque eles escorregaram para fora do isolante térmico por diversas vezes.

A primeira noite com a barraca inundada e o segundo dia com a chuva intensa ao longo da caminhada (entre o primeiro e segundo acampamentos), colocaram na minha cabeça que a experiência iria exigir muito mais equilíbrio psicológico e resiliência do que eu havia imaginado. Ou seja, mais do que o esforço externo, a superação seria interna, e demandante.

Ingenuamente, imaginei que os dias seguintes seriam piores em termos de pressão e esforço por conta dos desafios diante de nós. Depois descobri que não foi bem assim. No momento que descobri que o medo real estava dentro de minha cabeça, e que eu conseguia dominá-lo de alguma forma, tudo passou a ficar mais fácil.

Resumo do 2º dia
Caminhada do Acampamento do Rio Tek ao Acampamento Base – 11 km em 6h30, com subida de 1.000 metros.

3º DIA – 08/09/23

O dia nasceu lindo no Acampamento Base.

Havia dezenas de barracas denunciando que outros grupos, talvez mais dois grupos além do nosso, estava ocupando o acampamento.

A bagunça e o arruma-arruma diário dentro da barraca
Um cafezinho de “bom dia” ainda dentro da barraca
Café da manhã: arepa com queijo e apresuntado
Café da manhã rolando no Acampamento Base no 3o. dia de expedição

Um pouco antes de partimos do Acampamento Base, eu fiz o meu primeiro “Número 2” da expedição, inaugurando o uso da casinha. Desculpe escrever sobre isso, mas todas as vitórias merecem ser contadas!

Olhar de onde estamos para o topo do Monte Roraima causa uma sensação de incapacidade e medo. O paredão assusta. Muitas e muitas vezes peguei meus companheiros e companheiras de jornada contemplando o colosso diante de nós.

O nascer do sol no paredão do Monte Roraima foi muito bonito e “quentinho”
O colorido do amanhecer no Acampamento Base é de uma beleza difícil de descrever
Pronto para partir para o considerado dia mais difícil da expedição ao Monte Roraima
Todo o meu material: a mochila cargueira, o isolante térmico, o colchão inflável e o saco de dormir, tudo transportado pelo “meu carregador”, Eliu Garcia. Comigo vai a mochila de ataque e os bastões de caminhada.

O líder e guia da expedição, Manuel Benavides, juntou todos para uma reunião de planejamento e preparação, quando ele deu instruções básicas do plano a ser seguido para o dia.

Reunião de preparação para o “ataque a montanha”, sob liderança no nosso líder, Manuel Benavides

Hoje é o dia de “ataque ao Monte”, ou seja, sairemos do Acampamento Base, entraremos pela floresta que circunda o imenso paredão do Monte, vamos subir pela fenda, também conhecida como “A Rampa” (La Rampa), para finalmente chegarmos no topo do Monte. Este percurso tem aproximadamente 4km, é muito íngreme, com elevação de 850 metros. A questão é que o trajeto não é continuamente para cima, existem subidas e descidas acentuadas, exigindo muito do trilheiro. O grupo precisa estar bem instruído e consciente das dificuldades, sabendo como proceder diante dos obstáculos.

La Rampa – a subida para o Monte Roraima

Partimos do Acampamento Base às 8h30. O grupo estava energizado e confiante.

No 3o dia, o primeiro trecho de subida ao Monte é o mais fácil, quando entramos na vegetação e ela vai se tornando mais espessa, até entrarmos na floresta que circunda o paredão do Monte

A subida foi é difícil e perigosa. Como disse, este não é um trajeto apenas de subida. É um sobe e desce o tempo todo. Rochas, raízes escorregadias, árvores caídas, pedras soltas, subidas intensas, terreno molhado e lamacento em alguns trechos. Por outro lado, uma boa parte da subida é realizada dentro da floresta, o que nos protege do sol impiedoso e nos refresca.

O terreno da subida ao Monte é escorregadio e traiçoeiro

Os bastões foram fundamentais. Nas subidas eles atuavam com alavancas. Nas descidas como bengalas. Sem eles a minha performance e segurança seriam diferentes.

Muitas rochas, pedras, lamas e raízes no caminho de subida
O grupo todo junto no trecho inicial da subida, depois nos dispersamos conforme a velocidade e capacidade de cada um
Muito raramente abre uma clareira no caminho de subida. Quando acontece, é momento de foto
A primeira metade da subida ao Monte está dentro de uma floresta, repleta de rochas e pedras que caíram do paredão, circundadas por árvores caídas e raízes escorregadias

Em determinado momento, exatamente no meio do trajeto, passamos por uma pequena queda d´água, formando um pequenino córrego, com água gelada descendo do Monte, criando um ambiente mágico. Enchi de água gelada as minhas garrafas plásticas. Ali, naquele local, encostamos, finalmente, no paredão. Não tive como evitar, fui lá para colocar a mão no mágico paredão e me alimentar de sua energia.

Uma pequena queda d´água no caminho ajudou a encher nossas garrafinhas com água potável e geladinha
Tocando no paredão do Monte Sagrado
O famoso paredão

Seguimos em frente, parando por diversas vezes para descansar e beber água. Em dois momentos comi barrinhas de cereal e rapadura. A rapadura dá energia, joga glicose no sangue, gerando disposição e vigor físico. A rapadura foi uma grande companheira nos momentos de fraqueza e cansaço.

O difícil caminho sobre rochas e pedras que caíram do paredão.
Olhar para cima e ver o paredão, as vezes nos causa surpresas lindas, como esta visão de um paredão repleto de vegetação exuberante
O caminho repleto de obstáculos na subida ao Monte
A floresta destruída pelas rochas que caem do paredão e pelas chuvas torrenciais constantes

O trajeto passa por dois pequenos mirantes, o que nos permite sentir a evolução da subida, permitindo ver o acampamento de onde saímos, cada vez mais distante.

Um dos mirantes na subida ao Monte, permitindo constatarmos a nossa evolução rumo ao topo
O Acampamento Base visto da subida, cada vez mais distante

Quando chegamos no segundo mirante, já na segunda metade do percurso, vislumbramos, com clareza, o famoso Paço das Lágrimas. Este ponto conhecido marca o início da parte mais íngreme do percurso, honrando o nome “A Rampa”. A partir deste ponto não tem mais floresta e tudo vira apenas rocha e pedras soltas. Escalaminharemos muito próximo do paredão e tudo ficará mais grandioso, perigoso e assustador, exigindo atenção redobrada e esforço físico adicional.

A primeira visão do Paço de Lágrimas, que justifica plenamento o nome de “La Rampa”

O Paço das Lágrimas (Paso de Las Lagrimas) ganhou este nome por estar sempre gotejando. É uma poeira molhada que cai do topo do paredão. Em dias de chuva, as gotas se transformam em cachoeira e a trilha vira corredeira. É um trecho super íngreme devido às rochas escorregadias e traiçoeiras.

Ver o Paço das Lágrimas, a partir do mirante, nos causa a sensação de que será impossível superar o aquele trecho. Já extenuados pelo esforço até aquele trecho, ficou claro que a parte mais difícil ainda estava a nossa frente.

Uma dor na minha coxa esquerda começou a surgir forte. Eu sentia a perna latejar. Meus companheiros falaram que isso é normal, devido ao esforço extremo. Neste momento o grupo já havia se dispersado. Praticamente havíamos nos separados em 3 subgrupos, organizados espontaneamente em função do passo de cada um e das paradas de respiro ao longo do caminho.

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O Paço das Lágrimas é realmente o clímax da expedição. É difícil, desafiador, perigoso, exige cuidado e atenção, colaboração do grupo, paciência e lentidão. A gente se enrola um pouco, com a mochila nas costas, com os bastões nas mãos e tendo que andar de quatro para usar as mãos como apoio nas rochas, tudo ao mesmo tempo. Em determinados momentos, nos transformamos em felinos sobre rochas.

O famoso, desafiador e assustador Paço de Lágrimas
Os carregadores subindo “facilmente” o Paço de Lágrimas
Na parte final da subida ao cume, os desníveis continuam fortes, com muitas rochas e pedras escorregadias. Olhar o que ainda precisaremos percorrer exige força e resiliência.
O trecho final de La Rampa

O trecho final até o topo foi realizado na base da superação física e psicológica… na fé e do “não parar para pensar muito no que está fazendo, apenas faz e segue em frente”. A Rampa exige muito do trilheiro.

A chegada no topo é uma sensação de vitória, mesmo esgotado e com as pernas bambas. Enquanto meus amigos se deitavam nas rochas, deixando esvair um evidente cansaço extremo, eu ainda estava tomado pelo entusiasmo de ter chegado lá.

Ao chegar no topo, alguns se deitavam extenuados pelo esforço extremo

Caminhei por aquela parte do cume, sobre as rochas de aparência extraterrestre, olhando o paredão do Monte e o horizonte infinito que se misturava com as nuvens. Eu estava extasiado com a aquela beleza. Pedi para fazerem fotos de mim diante daquele painel deslumbrante.

A chegada ao topo do Monte Roraima me brindou com esta foto. Inesquecível !

O grupo foi chegando lentamente no topo do Monte e logo estávamos juntos novamente. Alguns choravam, outros sorriam descontroladamente. Todos felizes. Todos vitoriosos. Todos emocionados.

Eram 13h30. Subir La Rampa até o topo, desde o Acampamento Base, nos exigiu 5 horas de caminhada e esforço. No entanto, naquele ponto do topo, ainda estávamos “longe” do nosso hotel no Monte Roraima. Para chegarmos lá, ainda teríamos que caminhar mais 3 ou 4 quilômetros, sob sol forte. Cabe dizer que o Monte fica muito próximo da linha do Equador e a 2.800 metros altitude. Ou seja, o sol se posiciona perpendicular às nossas cabeças e o ar é um pouco mais rarefeito devido a altitude. Portanto, o impacto do sol sobre nós é intenso.

Os primeiros passos no monte sagrado mostraram uma paisagem diferente, um pouco lunar, um pouco desértica, mas sem areia, apenas rochas amorfas, elevações, fendas, abismos e aridez. O céu tinha azul intenso e nuvens brancas. Flores e plantas diferentes davam algum colorido ao ambiente monocromático. O lugar inóspito é de “outro mundo”. Mais adiante falarei mais sobre isso.

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Os primeiros passos no topo do Monte Roraima mostra um mundo diferente daquele que conhecemos

Fica evidente que no topo do monte temos sempre que caminhar perto dos guias, caso contrário, vamos nos perder e isso será trágico. Como falei antes, o Monte Roraima é um tepui, uma elevação enorme com formato de mesa, onde o topo tem mais de 30 quilômetros quadrados, ou seja, é enorme. Por outro lado, em poucos minutos, descobrimos que o topo está longe de ser algo plano. Caminhar no topo será um sobe-desce constante, passando por rochas, fendas, elevações e vales de todos os tipos.

A paisagem de “outro planeta” do Monte Roraima
Em pouco tempo, fiquei encantado pelos “jardins” do Monte Roraima
O Monte Roraima brindou a nossa chegada com um tempo maravilhoso e paisagens deslumbrantes.

Caminhamos um pouco mais de 3 km até o nosso “hotel”, que nos tomou mais de 1h30 de zigue-zague por paisagens muito loucas! O “hotel” era distante e se chamava “Balbina”. Chegamos no “hotel” por volta de 16 horas. Todos cansados, suados, mas entusiasmados e impactados pela paisagem do Monte e…. famintos!

A chegada ao “Hotel” Balbina

“Hotel” no Monte Roraima não é propriamente o hotel que nós conhecemos. “Hotéis” no Monte são grutas ou cavernas que permitem a acomodação de barracas, com alguma proteção de chuva e vento, que são constantes no topo do tepui. A questão é que estes espaços não são propriamente planos e de fácil acesso, muitas vezes exige caminhar e pular sobre rochas e terrenos alagados. Além disso, as barracas, muitas vezes, ficam distantes uma das outras, para melhor se aproveitarem dos vãos criados pelas grutas e rochas gigantes.

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“Hotel” Balbina: “nossa casa” por 4 dias e 3 noites

Nosso hotel fica dentro de uma elevação de rochas gigantes, de todos os tamanhos, o que exige grande esforço para locomoção dentro do espaço, que é totalmente desuniforme, com significativos desníveis, rampas perigosas, pedras desniveladas e perigosas.

Visão de uma parte do “Hotel” Balbina
Visão de uma parte do “Hotel Balbina”
Visão de uma parte do “Hotel” Balbina

Por ter sido um dos primeiros a chegar no “hotel Balbina”, eu tive o privilégio de escolher uma barraca antes da maioria dos integrantes do grupo, por isso escolhi uma barraca “bacana” (entenderam o bacana entre aspas?) para mim. Aliás, eu caminhei quase o tempo todo no pelotão da frente do grupo neste dia. Ao chegar primeiro, eu pude escolher uma barraca em boa posição.

O “bacana” da barraca foi por ela estar em terreno plano, sob uma gruta bem iluminada e colada a um espaço que chamamos depois de “terraço do acampamento”, por ser um local onde o grupo ficava reunido por longas horas. Me senti em posição privilegiada. Por outro lado, o teto da gruta era baixo e me exigia entrar e sair da barraca agachado, em uma posição bastante desconfortável, quase caindo na barraca ao lado. Por algumas vezes, nos dias seguintes, eu bati com a cabeça na rocha do teto da gruta, machucando minha “careca” várias vezes. Acho que levei comigo uma “marquinha” do Monte no meu cucuruco.

A minha barraca ficava no meio, entre duas barracas iguais, e protegida da chuva por uma rocha gigante

O finalzinho da tarde foi usado para organizar o interior da barraca, para o arruma-arruma das mochilas, para descansar e para tomar banho com lenço umedecido. Sem chance de banho com água! Não havia água perto do hotel… qualquer tipo de água. Os guias saíam com panelas e vasilhames para buscar água nos arredores de nossa localidade. Nos dias seguintes, esta dependência de água dentro do hotel trazida pelos guias, virou rotina.

A cozinha no “Hotel”, comandada pelo cozinheiro. Todos os guias e carregadores se transformam em chefs e ajudantes de cozinha.

Pedimos para mudar a posição da casinha do cocô. Ela estava longe, em um lugar que exigiria excepcional capacidade de equilíbrio de andar sobre rochas. Imaginamos o perigo que seria em um momento de chuva e neblina.

A noite veio trazendo a escuridão. Como havia nuvens, o céu estava negro, que misturado a negritude das rochas, fazia tudo ficar muito escuro. Em algum momento entrou uma neblina que prejudicou ainda mais a visibilidade. As lanternas de cabeça tornaram-se nossas amigas.

“Hotel” Balbina à noite, iluminado graças a minha lanterna de cabeça

Perto das 20 horas jantamos uma comida divina: macarrão com carne moída. Tudo muito saboroso e bem temperado. Eu repeti esta refeição. Foi a única vez na expedição que eu pedi para repetir uma refeição inteira.

A comida foi farta durante toda expedição, onde podíamos solicitar repetições quantas vezes desejássemos. Tudo era feito com carinho e em quantidade. A cozinha provisória montada na gruta era surreal, a localização doida e as condições mínimas.

Nada no Monte Roraima é definitivo, ou seja, cada expedição tem que levar e trazer tudo de volta. Isso significa cozinha, barracas, materiais etc. Inclusive o cocô que fazemos no Monte, que ficam em saquinhos, tem que voltar conosco para fora do Parque.

Fez muito frio à noite, mas do lado de fora da barraca. Dentro dela, eu não senti frio e me senti protegido. Foi uma noite muito boa, sem stress, pânico ou ansiedade, apesar de todo ambiente estranho.

Acordei no meio da madrugada para fazer xixi e vi um céu magnífico de lua e estrelas. As nuvens e neblina já haviam se dissipado. Fiquei um bom tempo acordado dentro da barraca, durante a madrugada, pensando na vida, agradecendo a Deus por estar vivendo aquela experiência e ter a vida que tenho hoje. Foi um momento de conversar com Deus, deitado relaxadamente em uma das obras primas de sua criação.

Resumo do 3º dia.
Ataque ao Monte Roraima- Escalaminhada do Acampamento Base ao topo do Monte (La Rampa) – 4 km – 5 hs – subida de 850 metros
Caminhada do topo até o Hotel Balbina – entre 3 e 4 km, em 1h30

4º DIA – 09/09/23

Hoje acordei muito descansado e renovado.

Amanhecer do 4o dia da expedição, no “Hotel” Balbina e tomando um delicioso café quente
o pessoal se reunindo no “terraço” do hotel
Alexandre e a “ginástica” necessária para entrar e sair de sua barraca
Márcio arrumando a sua barraca
Uma visão do Hotel Balbina com o pessoal já pronto para as atividades do dia

O plano do dia inclui uma caminhada de aproximadamente 12 km e contempla as atrações tradicionais do Monte: Mirante La Ventana, Mirante do Abismo, Vale dos Cristais, as Jacuzzis e El Maverick.

O “terraço” do “Hotel” Balbina todo para mim!

Saímos do hotel por volta de 8h30, logo após o café da manhã, sob um céu de sol acanhado e muito frio.

As paisagens espetaculares do topo do Monte Roraima

No início da caminhada, passamos pela famosa Pedra da Tartaruga. Lá fizemos o registro divertido a seguir, simulando uma cena do filme “Up – Altas Aventuras”.

Eu e o garotinho do filme Up apontando para a Pedra Tartaruga
O Monte Roraima apresenta um gigantismo impressionante
Poças viram lagos criando contrastes lindíssimos no Monte Roraima
Os “jardins” do Monte Roraima
Apesar do formato do Monte Roraima parecer com uma mesa, o seu topo está longe de ser plano

O primeiro ponto que chegamos foi o Mirante La Ventana. Ele é especial porque oferece uma visão privilegiada do horizonte, da Grande Savana e do Monte Kukenan. Muitos afirmam que este é o mirante mais sensacional do Monte. Enfrentamos muita neblina e nuvens, prejudicando a visibilidade. Mesmo assim foi lindo e inesquecível. Fizemos boas fotos.

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Mirante La Ventana
Mirante La Ventana
Os “jardins” de outro planeta do Monte Roraima

O segundo ponto visitado foi o Mirante do Abismo, que tem vista para o lado da Guiana. Chegamos em um momento de intensas nuvens e neblina, com poucas chances de ver a grandiosidade do mirante. Mesmo assim deu para curtir e sentir a energia do local.

O Mirante do Abismo rodeado de nuvens
Uma foto do grupo perto do Mirante do Abismo

Seguimos caminhada em direção as Jacuzzis.

As Jacuzzis são piscinas naturais de água transparente, cercadas por formações rochosas e forradas no fundo com cristais e quartzos brancos brilhantes, que formam reflexos cintilantes. Tudo ficou mais encantador porque chegamos nas jacuzzis com sol quente e gostoso. Tomei um banho delicioso, o melhor de toda expedição. Foi tudo tão sensacional, que curti aquilo tudo como se estivesse em um spa.

As Jacuzzis – Monte Roraima
A minha Jacuzzi – foi nesta piscina natural que tomei o meu melhor banho da expedição
As jacuzzis tem cristais de quartzo branco e reluzentes no fundo
O melhor banho de toda expedição aconteceu nas Jacuzzis com um sol espetacular acima de nossas cabeças

O pessoal de apoio da expedição fez feijoada, que foi servida na área das jacuzzis. Como pode aquele pessoal levar cozinha, comida, utensílios etc, para aquele local? Achei incrível! A feijoada estava deliciosa. Não repeti para evitar ficar com muita comida no estômago porque ainda iríamos caminhar muito, mas juro que estava com vontade de mais um prato.

A cozinha improvisada na área das Jacuzzis para fazer uma das melhores e mais saborosas refeições da expedição: feijoada
Feijoada como almoço na Jacuzzi. Foi mais do que chique, foi supreendente!!

A experiência da jacuzzi associada ao almoço de feijoada, fez daquele momento um dos supermomentos da expedição.

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As Jacuzzis formam um spa a céu aberto no Monte Roraima
Na área das Jacuzzis encontramos flores ornamentais por todos os lados
Os guias Eliu, Cora e Manuel conversando com o grupo na área das Jacuzzis

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De lá, seguimos para o Vale dos Cristais.

O Vale dos Cristais é incrível. Andamos sobre milhares de pequenos cristais de quartzo brilhantes em formatos completamente diversos. Muitos cristais estão soltos no solo, mas muitos outros estão incrustados nas rochas. Há vários locais no Monte Roraima repleto de cristais, o Vale talvez seja onde eles aparecem de forma mais volumosa, criando um ambiente de energia e beleza.

Caminhando no Vale dos Cristais
Vale dos Cristais no Monte Roraima
Vale dos Cristais no Monte Roraima
Vale dos Cristais no Monte Roraima

De lá, seguimos para El Maverick, uma gigantesca formação rochosa que é o ponto culminante do Monte Roraima. Parte do grupo resolveu não ir, optando por retornar ao hotel, mas metade do grupo seguiu para o Maverick.

O sobe-e-desce constante no topo do Monte Roraima
Uma espécie de lago no topo do Monte Roraima
O grupo que decidiu subir El Maverick, formação rochosa que é o ponto mais alto do Monte Roraima, que aparece atrás de todos na foto. O restante do grupo decidiu retornar para o acampamento.

Subir o Maverick exigiu esforço e disposição. Fomos abençoados com tempo aberto.

Do alto do Maverick vislumbramos paisagens incríveis, para o interior do Monte, que nos permitiu ver a imensidão daquele monte sagrado e inóspito, bem como para o horizonte, onde víamos as nuvens e a Grande Savana. Lá eu consegui registrar imagens maravilhosas.

Vista do El Maverick
Vista da Grande Savana e do Acampamento Base a partir do El Maverick
Vista para dentro do Monte a partir do ponto mais alto do El Maverick
Vista para dentro do Monte a partir do El Maverick
Vista do El Maverick com o Monte Kukenan no horizonte

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Andar no Monte Roraima cria uma sensação de algo fora do planeta. As paisagens mudam, parecem existir microambientes (microssistemas) diferentes.

Acho que existe um “outro planeta” no topo do Monte Roraima

Chegamos no nosso hotel por volta de 16 horas.

O final da tarde e início da noite foi de muito papo e diversão de todo o grupo. O descer do sol foi bem bonito, mas o frio chegou intenso no hotel.

Muito papo no final da tarde no 4o. dia do grupo no “Hotel” Balbina

Protegido do frio, encapuzado e com luvas, passei todo o tempo junto com o grupo no “terraço do hotel”. Me sentia cansado, mas bem fisicamente.

Frio, frio, frio!

Fomos para dentro das barracas por volta de 20 horas, por conta da intensa neblina e da chuva, depois de jantarmos sopa de macarrão, legumes e apresuntado.

Final de noite do 4o dia, com o grupo integrado e se divertindo em uma noite de muuuuuuito frio

Eu sentia o dorso das minhas mãos um pouco quente. Constatei que as mãos tinham sofrido insolação, por conta da posição causada pelo uso diário e constante dos bastões.

Por volta de 21 horas caiu uma chuva torrencial em toda região do Hotel Balbina, mas eu estou super bem protegido dentro da barraca, que está sob uma imensa rocha, apesar da chuva cair bem pertinho dela. O forte som da água caindo das rochas assusta, mas é gostoso.

Nada assustou mais do que a aranha que encontrei dentro da barraca, mas eu tive a iniciativa de esmagar a aranha com vontade, numa ação de desespero e medo. Desculpe por isso, mas não deu para salvar o “pequeno” animal.

Nesta noite eu vi o céu mais estrelado da minha vida. Nunca havia visto nada igual. Foi quando levantei para fazer xixi por volta de 1h30 da manhã. Fiquei o máximo de tempo que consegui fora da barraca, até frio o intenso se tornar insuportável.

Resumo do 4º dia.
Caminhada no Monte Roraima: La Ventana, Vale dos Cristais, Jacuzzis e Maverick – total de 12 km em 7h30.

5º DIA – 10/09/23

Acordei às 6h30. Senti frio durante a madrugada. Não foi uma noite confortável. Fez muito frio, estimo algo ao redor de 5C. Ninguém sabe dizer ao certo.

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Muito frio na manhã do 5o. dia, porém com céu azul e sol forte

Logo que levantei, fui fazer xixi e depois fazer o “Número. 2” na casinha. Foi o meu segundo “Número 2” da expedição. Tudo funcionou na casinha. Coloquei o saco na cadeira (o saco não se encaixa perfeitamente na cadeira). Dentro do saco plástico tem cal. A gente não pode fazer o Número 1 no saco, apenas o Número 2. Depois de se limpar com papel higiênico (o papel deve ser jogado no saco), devemos fechar bem o saco e colocá-lo do lado de fora da “casinha”.

Olhei as minhas mãos e confirmei: os dorsos, de ambas as mãos, estavam bem queimados, vermelhos, com manchas, como se bolhas fossem surgir. A partir daquele momento decidi aplicar protetor solar de hora e hora nos locais avermelhados.

Mãos queimadas pelo sol

Um quati surgiu andando no hotel e causou alvoroço. Todos querendo fazer uma foto dele. Certamente ele estava lá atrás de alimento.

Hoje saímos do hotel às 8 horas, logo depois do café da manhã, que foi ovos mexidos com 4 cream crackers (este foi o café da manhã mais fraco da expedição, mas saí me sentindo alimentado).

O programa previa uma caminhada à Tríplice Fronteira. Por unanimidade, o grupo optou por outro programa. A nova agenda previa a caminhada ao Mirante dos Guacharos, Jardim das Fadas e o Cânion de Los Guacharos.

Este percurso estimava um total de 7 km a serem percorridos.

Pronto para as atividades do 5o dia da expedição do Monte Roraima

Na saída do nosso hotel eu saí vestindo luvas e casaco, pois estava muito frio. Como queimei muito o dorso das mãos, eu passei muito protetor solar nas mãos para protegê-las. Eu estava de luvas e acreditava que pudesse passar uma boa parte do tempo com elas. Ledo engano, em dez minutos minhas mãos estavam suadas, as luvas estavam fazendo minhas mãos pegarem fogo. Abandonei as luvas e besuntei protetor solar mais uma vez.

Como sempre, o caminho foi repleto de subidas e descidas sobre as rochas, o tempo todo. Joelhos e tornozelos foram testados mais uma vez, exigindo muito esforço físico e equilíbrio. Seguindo o conselho que recebi, optei por usar somente um bastão que foi fundamental para o fazer o tripé ao caminhar, deixando a outra mão livre para apoio em pedras e rochas.

O Mirante dos Guacharos foi espetacular porque pegamos o céu e horizonte limpos. Passamos um bom tempo naquele lugar porque o visual era incrível. Dali tínhamos uma boa visão do Monte Kukenan, do Acampamento Base e do horizonte infinito.

O incrível Mirante dos Gacharos

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Seguindo a caminhada, passamos por formações maravilhosas que se misturavam com a flora local, criando cenários de outro planeta.

No caminho para o Jardim das Fadas, a primeira atração, tivemos que passar por um local perigoso, fiquei com receio de continuar e anunciei a minha desistência. Mas o pessoal me incentivou e me ajudou a passar por aquele pequeno abismo. Este foi um dos aprendizados citados no início deste artigo.

Passagem perigosa no caminho para o Jardim das Fadas

Chegamos no Jardim das Fadas, um lugar lindo, com água brotando de rochas e criando quedas de água limpa e cristalina.

Jardim das Fadas

De lá seguimos para o Cânion de Los Guacharos. A fenda, enorme e misteriosa, é um ambiente perfeito para os guacharos, uma espécie de ave que habita as bordas das grutas e cavernas.

Do alto da fenda é possível ver as enormes paredes entrecortadas do cânion e ouvir o som gritado pelas aves, que ecoam pelas rochas. Alguns do grupo se penduraram (com segurança) na borda das rochas na tentativa de fotografar os animais e ouvir melhor os sons estranhos.

A Fenda – Cânion dos Gacharos
Cânion dos Gacharos

Monte Roraima continuou me surpreendendo e apresentando paisagens deslumbrantes. O grupo imprimia um ritmo de caminhada que exigia a minha atenção e acompanhamento, mas a minha real vontade era ter mais tempo de contemplação e curtição dos locais que estávamos atravessando.

A caminho do nosso “Hotel”

Voltamos para o hotel e chegamos por volta de 13h30. Teríamos o resto do dia para ficar no hotel e descansar. Tivemos sorte porque toda manhã foi de tempo bom e sol luminoso.

O “dono” do “terraço”, no meio das roupas secando

Minhas mãos estavam muito queimadas e o protetor solar continuou sendo aplicado generosamente de hora em hora.

Almoçamos macarrão com atum. Estava delicioso e nós, famintos.

Logo depois do almoço, tomei um banho dentro da barraca… com lenços umedecidos!

Passamos a tarde toda no hotel, descansando e conversando. À tarde, o sol foi desaparecendo e a neblina chegando, lentamente, o frio veio junto. O tempo fechou. Rolou café e pipoca.

Tomando um café na tarde para amenizar o frio

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Por volta de 17h veio uma chuva leve, com muito vento. A sensação de frio aumentou consideravelmente.

Durante estes dias, por várias vezes, pensei sobre o que me levou a viver esta experiência de passar este tempo vivendo sob um desconforto constante.

Frio, cansaço físico, stress por andar nas rochas com desníveis constantes, riscos e perigo para todos os lados, falta de banho e higiene, medo, sensação de impotência e incapacidade, dormir em barraca sob chão duro, caminhar distâncias enormes com altitude desafiadora. Por que se submeter a isso? O que está por trás disso tudo?

Dentro da barraca
O grupo tentando se proteger do frio intenso
Chuva e neblina molharam completamente o “Hotel” Balbina. Na foto destaca-se a casinha.

Jantamos às 19h30 e fomos dormir logo em seguida por conta do intenso frio.

Resumo do 5º dia:
Caminhada no Monte Roraima: Mirante dos Guacharos, Jardim das Fadas e o Cânion Los Guarachos – total de 7 km em 5h30.

6º DIA – 11/09/23

Dormi mal a noite passada. Acordei várias vezes. Por duas vezes, levantei para fazer xixi enfrentando um vento congelante. Sair e entrar na barraca é um sacrifício devido ao frio intenso e à posição da barraca. Mais uma vez, acho que a temperatura chegou a 5C.

Acordei às 4h50. Chegou o dia de descermos o Monte Roraima. Na minha cabeça, surgia sempre a imagem de La Rampa. Descer a fenda do Monte Roraima me parecia um desafio igual ou até mais difícil do que a subida.

Arrumei as mochilas, separando roupas limpas e sujas, o que levaria comigo na mochila de ataque e o que iria na mochila cargueira com o carregador. Este processo me deu trabalho, ponderando muito o que eu levaria na minha mochila para evitar pesos adicionais desnecessários.

Dentro da mochila de ataque comigo havia capa de chuva, remédios, protetor solar, uma camisa extra, power bank para o smartphone, duas garrafas de água, papel higiênico, sacos plásticos, par extra de meias (para usar na travessia dos rios) etc.

O café da manhã do grupo no “terraço” do “Hotel” no último dia da expedição do Monte Roraima
Bom papo e preocupação com o desafio de descer La Rampa

Tomamos o café da manhã (mingau de aveia com corn flakes) às 6h00.

Deu tempo para fazer o meu terceiro e último “Número 2” da expedição. Peço desculpas mais uma vez por registrar isso, mas isto também faz parte da história da minha experiência.

O céu estava completamente limpo, sem nuvens no céu, o que era um lindo prenúncio de uma dia espetacular!!

Deixando o “Hotel” Balbina, “nossa casa” nos últimos dias

Saímos do hotel às 6h30, respeitando o horário combinado e com todos motivados para um dia que prometia ser intenso e desafiador.

Caminhamos 4km no topo do Monte, por aproximadamente 1h45. Minhas mãos estavam enxarcadas de protetor solar. Eu passava o creme de hora em hora durante todo o trajeto com medo das queimaduras piorarem. Tentei até usar luvas na caminhada, mas o calor e a sensação de falta de firmeza ao segurar os bastões me perturbavam.

Chegamos no ponto do topo que iniciava a descida às 7h45 da manhã.

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Iniciando a descida da La Rampa, ainda no alto do Monte Roraima

A descida do Monte nos consumiu 4h15 de caminhada pesada. Foram 4 km, com desnível de 850 metros. La Rampa é um desafio. Como era previsto, a parte mais difícil foi atravessar o Paço das Lágrimas. Mais uma vez fomos abençoados com bom tempo, o que ajudou demais.

A descida foi extenuante e forçou meus joelhos e, no meu caso, principalmente, os tornozelos. Ter equipamentos de qualidade como tênis de caminhada reforçado e bastões foi fundamental para a minha performance e segurança.

Descendo La Rampa
Descendo La Rampa
Descendo La Rampa
Eliu e equipe descendo La Rampa

Ao longo da descida, o grupo foi se dividindo espontaneamente em 3 subgrupos, conforme o “passo de cada um”, portanto os subgrupos foram chegando em tempos diferentes no Acampamento Base. Acho que o primeiro subgrupo chegou 40 minutos antes do último.

No trecho final de La Rampa, um pedaço de rocha se soltou do paredão, fazendo um barulho forte e nos assustamos.

A vista do Paço de Lágrimas, o maior desafio na descida da La Rampa
Um dos mirantes de La Rampa, com o Monte Kukenan ao fundo
La Rampa com seus obstáculos de todos os tipos
O último trecho da descida, visto do Acampamento Base

Chegamos no Acampamento Base por volta de 12h.

Chegar no Acampamento Base é um alívio. Na verdade, eu acho que é mais do que isso. Atrevo a dizer que ali, exatamente ali no Acampamento Base, vivemos uma sensação de vitória, de realização e a certeza da conquista pessoal do Monte Roraima. O trecho ainda a ser percorrido, do Acampamento Base até o ponto final da expedição, parecia ser estupidamente mais fácil perante tudo que já havíamos realizado até aquele ponto. Ou seja, o mais desafiador já havia sido vencido. O sentimento de conquista e realização inundou o coração de todo grupo. Havia ali, naquele momento, uma leveza e alegria contagiantes. Éramos todos “conquistadores” do monte sagrado. Olhar o paredão nos fazia encher o peito de autoestima e orgulho pela superação de nossos maiores medos e incertezas.

Chegada ao Acampamento Base, que estava totalmente vazio. O grupo se espalhou para descansar depois de uma manhã de esforço muito intenso no 6o dia da expedição
Acampamento Base com o paredão do Monte Roraima
Caldeirão com nosso almoço no 6o dia: risoto de frango com milho e ervilha

Era 12h20 no Acampamento Base quando nos foi servido risoto de frango com milho e ervilha. Delicioso! Mais uma vez, tive vontade de repetir, mas controlei minha vontade pois ainda caminharíamos várias horas até o destino daquele dia: o Acampamento do Rio Tek.

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Por volta de 12h40 iniciamos a caminhada da tarde. O tempo estava ótimo, ensolarado, com algumas nuvens e uma brisa leve. O sol estava de frente, na nossa cara. Eu continuei, como vinha fazendo desde o amanhecer, besuntando as minhas mãos com protetor solar.

Mais uma vez o grupo andou em subgrupos, conforme a vitalidade e disposição de cada um. Estávamos cansados, mas vitoriosos.

A previsão era andarmos 11 km até o Acampamento do Rio Tek

Na maior parte do tempo eu caminhei em silêncio, olhando repetidamente a beleza da Grande Savana, os imensos campos verdes com o céu tingido pelo branco das nuvens. De vez em quando eu parava e olhava para trás, contemplando os montes sagrados, na tentativa de guardar na memória aquele momento inesquecível.

Saindo do Acapamento Base, que ficou absolutamente vazio, para iniciar a caminhada da tarde no 6o dia da expedição
Uma das fotos que mais gosto, com uma visão maravilhosa do esplendor e magnitude do Monte Roraima

Pensei no que aquela expedição exigiu de mim, na aventura que estava terminando e nas condições vividas. Cheguei à conclusão de que não quero mais aventuras como esta, que impõe desafios além do que eu desejo superar. Não preciso sofrer de frio. Não desejo mais fazer trilhas em rochas com grande grau de dificuldade. Não gosto de escalada e escalaminhada. Não gosto do desconforto de dormir em barraca, não ter banho, de fazer cocô “no mato” e com limitações radicais de bem-estar. Eu prefiro desafios mais brandos, melhores experiências, fazer os meus caminhos de longo curso (muito longos, de centenas de quilômetros), porém de terra e sem rochas e abismos. Eu prefiro dormir em albergues e não sentir frio extremo. Pensei nisso tudo durante aquele caminho. E este pensamento se transformou em uma decisão.

Caminhando em direção ao Rio Tek, deixando o paredão do Monte cada vez mais distante

Na onda deste pensamento, avaliei que o dia que estava vivendo naquele momento era o dia de maior superação física que eu já havia experimentado na vida. Nunca eu havia passado por algo tão intenso antes. Ironicamente, o ritmo imposto pelos meus companheiros de subgrupo era muito forte. Acho que vivíamos uma certa sensação de poder e vigor por termos passado bem pela La Rampa. Nada poderia nos deter! O ritmo da caminhada seguia intenso, com foco no ponto final da chegada. A tarde continuou linda durante todo o percurso, que me permitiu fazer fotos maravilhosas.

Em determinado momento o tempo fechou, mas não utilizei capa de chuva. Os pingos secavam rapidamente.

Perto do ponto de chegada, atravessamos o Rio Kukenan, onde retiramos os tênis/botas e vestimos meias. O rio estava mais caudaloso agora do que na ida, aliado ao fato que estávamos exaustos, o que exigiu mais atenção e a ajuda preciosa dos guias, nos apontando o caminho e nos ajudando com mãos e braços vigorosos.

Eliu Garcia (“meu carregador”) e Cora (integrante da equipe de apoio) foram meus anjos, me dando mãos e indicando as pedras que eu deveria pisar. Pedras escorregadias, água com correnteza forte na altura do joelho, muito perigoso.

Atravessamos o rio e, em seguida, vestimos botas e meias secas para continuar a caminhada.

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A difícil e cuidadosa travessiado Rio Kukenan
Um dos cartões postais da expedição: o Rio Kukenan e o Monte Roraima

Após o rio, subimos uma ribanceira que exigiu muita força, para então vislumbrarmos uma pequena igreja feita de pedras com telhado vermelho, isolada no meio de uma campina. Chama-se Santa Maria de Todos Nós. Esta igreja está quase sempre fechada. Porém, sua posição na imensidão da Grande Savana, produz uma imagem linda de contrastes e uma mensagem de que em algum momento no passado, conquistadores brancos entraram na terra indígena com intuito de colonização, onde uma das ações foi impor a religião católica. Mas essa é uma história que não desejo abordar aqui.

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Igreja Santa Maria de Todos Nós se destaca na Grande Savana
Caminhando na Grande Savana, no 6o dia da expedição
Perto do destino final do 6o dia (Acampamento do Rio Tek), o terreno parece lama endurecida sob um sol escaldante
Comemorando a proximidade ao Acampamento do Rio Tek, destino final do 6o dia da expedição
A visão do Acampamento do Rio Tek, com apenas 1 Km de distância

Em seguida, dois quilômetros depois, chegamos no Rio Tek, onde mais uma vez trocamos as botas por meias. Este rio foi muito fácil atravessar.

Eu cheguei no Acampamento do Rio Tek às 16h45.

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Chegada ao Acampamento do Rio Tek, com as barracas montadas e sol majestoso
Acampamento do Rio Tek. Os Montes Kukenan e Roraima, e as barracas coloridas dominam a paisagem

Foram 10 horas caminhando/trilhando, com apenas 40 min para o almoço, na parada do Acampamento Base. Foram 1.850 metros de desnível, do topo do Monte Roraima até o acampamento onde eu estava.

A primeira coisa que fiz na chegada no acampamento, foi largar a mochila de ataque dentro de uma barraca e correr para o Rio Tek, tomar um banho revigorante de rio. Aquele banho do rio, sob um entardecer lindo, com o Monte Kukenan ao fundo, foi um “presente dos Deuses”.

Rio Tek com sua água limpa e transparente e o Monte Kukenan no horizonte
Banho muito gostoso no Rio Tek

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Aos poucos, os integrantes da expedição foram chegando no acampamento. Fazíamos uma festa para cada um que chegava, trilheiros, guias e carregadores.

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Nesta noite, Deus deu um presente para nós, com um entardecer e noite super agradáveis, sem chuva, vento refrescante, céu limpo e estrelado. Nós devolvemos, saudando a noite com alegria, demonstrando sermos um grupo integrado, colaborativo, com todos se sentindo felizes e realizados. Saudamos a alegria de viver naquele dia.

O colorido das barracas no anoitecer do 6o dia da expedição, no Acampamento do Rio Tek
O grupo reunido batendo papo na noite gostosa do 6o. dia da expedição

O jantar foi macarrão, servido por volta de 20h30.

Por volta de 21h30, o grupo começou a se dispersar. O cansaço bateu forte e a ida para as barracas foi inevitável.

Nesta noite, já dentro da barraca, ansioso pelo último dia e trecho do dia seguinte, pensei na vida. Pensei na realização daquele sonho, pensei no privilégio de poder viver aquela experiência, pensei na Valéria, pensei em ter um amor na minha vida que me apoia e incentiva na busca de minhas realizações, pensei no estágio de vida que vivo, com boa saúde, vigor físico e bem-estar mental. Dormi agradecido e feliz.

Resumo do 6º dia:
Caminhada do hotel até o topo do Monte Roraima – 4 km em 1h45
Descida (escalaminhada) da La Rampa até o Acampamento Base – 4 km em 4h15, com descida de 850 metros
Caminhada do Acampamento Base até o Acampamento do Rio Tek –11 km em aprox. 4 horas

7º dia – 12/09/23

Acordei às 4hs da manhã para fazer xixi. O céu estava estrelado, com a Via Láctea em cima da gente. Voltei para barraca mas não dormi mais. A excitação pelo amanhecer me dominava. Me sentia descansado e pronto para partir.

Deixei a barraca às 4h50, com o barulho das outras pessoas dando “bom dia” uma para as outras, também frenéticas pela expectativa do dia.

O amanhecer no 7o e última dia da expedição – Acampamento do Rio Tek
Café da manhã, com muita tranquilidade e relax, no 7o dia da expedição – Acampamento do Rio Tek
Chover Benavides, eu e Eliu Garcia

Fizemos uma foto de todo o grupo, com os guias e indígenas, e familiares que vivem naquela localidade. Adorei esta foto.

O grupo da expedição ao Monte Roraima com indígenas moradores do Acampamento do Rio Tek, no 7o dia da expedição

Tomamos café da manhã. Comemos domplin. Dia lindo, céu azul, saímos para fazer os 12 km previstos finais da expedição, com sol baixo em nas nossas costas.

Deixamos o acampamento por volta de 6h30.

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Três integrantes do grupo fizeram esse último trecho em motos devido ao cansaço e condições físicas. Estes transportes de moto vieram da Aldeia de Paraitepuy.

Nos últimos dois dias eu estava me sentindo mais quente, talvez pelo excesso de sol e sensação de insolação no corpo todo. Me sentia um pouco desidratado. Minha digestão também não estava legal. Eu comia e bebia, mas sentia algo na garganta, como se houvesse um refluxo. Talvez fosse efeito do esforço físico e da altitude, mas também poderia ser efeito da água e da comida local. Porém, nada disso abafava a satisfação de estar vivendo o dia final da expedição, com boa disposição e alta energia, física e mental.

No 7o e último dia da expedição, fomos brindados com um lindo dia de sol, encantados com a imensidão e beleza da Grande Savana
Cruzamos a Grande Savana no último dia da expedição tendo o sol em nossas costas
Minha última foto de registro da expedição é um quadro completo: os Montes Kukenan e Roraima, a Grande Savana e o indescritível céu do Parque Nacional de Pacaima

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Atravessamos a Grande Savana em 3h45 com poucas paradas. A caminhada foi em ritmo forte, sob calor intenso e sol forte.

Cheguei na Aldeia de Paraitepuy por volta de 11h15.

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A minha chegada em Paraitepuy

Passei pela inspeção (para checar se estávamos levando algo do Monte, como cristais ou mudas de plantas) e assinei o livro de controle registrando a minha volta do Monte Roraima.

Inspeção em Paraitepuy

Aos poucos todos foram chegando. O ambiente estava festivo e divertido. Descansamos. Conforme os carregadores iam chegando, as mochilas e malas de todos eram colocadas no 4×4.

Carregando os 4×4 em Paraitepuy

Fomos presenteados com cerveja e refrigerantes gelados! Um brinde pela conquista e pelos novos Amigos e Amigas!!

Por volta de 13h deixamos Paraitepuy em carros 4×4 para almoçar na comunidade indígena em San Francisco de Yuruani.

Encaramos 1 hora de viagem em estrada de terra em más condições (aquela mesma que viajamos no início da expedição). Foi bem desconfortável, batendo muito e bancos duros.

Almoçamos muito bem em um restaurante simples em San Francisco de Yuruani. No final do almoço foi feita uma gentil cerimônia da MRT (Monte Roraima Travel) onde cada integrante da expedição ganhou uma medalha pela conquista. Eu recebi minha medalha das mãos do Eliu Garcia, “meu carregador” e, também, um dos guias da expedição.

Almoçamos em um restaurante na comunidade de San Francisco de Yuruani
Almoço em restaurante na comunidade de San Francisco de Yuruani
Eu e Eliu Garcia, guia, carregador e, agora, amigo!
Medalha recebida da MRT – Monte Roraima Travel
Medalha recebida da MRT – Monte Roraima Travel

Nos despedimos dos guias, agradecendo a experiência, o carinho e o excelente serviço prestado durante todo o tempo. Fica claro o amor e a seriedade que eles dedicam para aquela atividade. Uma parte considerável da excepcional experiência que vivi no Monte Roraima veio deste pessoal, que gera uma conexão genuína com todos.

Continuamos em 4×4, só que agora pelo asfalto. Chegamos na fronteira com Venezuela, carimbamos o passaporte no posto venezuelano. Mudamos de carros. Deixamos os Toyotas 4×4 venezuelanos e entramos em Spins da Cooperativa Intermunicipal Pacaraima.

Andamos mais um pouco de carro e passamos pela Polícia Federal no lado brasileiro onde nossos passaportes foram carimbados. A viagem de quase 4 horas para Boa Vista foi feita em estrada de asfalto bem ruim. Chegamos já noite em Boa Vista e fui para o Novo Hotel. Tomar banho quente, em ambiente com ar condicionado, água corrente na pia, com travesseiro… um prêmio pelo retorno.

Obs. Na passagem pela Venezuela para o Brasil nos deparamos com uma cena incrível: centenas ou milhares de venezuelanos tentando atravessar a fronteira para o Brasil, em um ambiente visualmente caótico de filas imensas, famílias carregando trouxas e bolsas com pertences pessoais desejando entrar no Brasil. Os motoristas que nos transportavam disseram que isso é assim todos os dias.

Resumo do 7º dia
Caminhada do Acampamento do Rio Tek até a Aldeia de Paraitepuy – 14 km em 3h45
Viagem de 4×4 até a fronteira com a Venezuela (com parada para almoço) – 113 km – 4h40
Viagem de carro da fronteira até Boa Vista em carros Spin – 214 km – 4 horas

O CORPO

É interessante observar o próprio corpo em uma empreitada como essa. Nos primeiros dois dias tudo parece muito difícil, o corpo ainda está rígido, os músculos frios e as articulações enrijecidas. Nos sentimos inseguros para enfrentar o desafio. A partir do terceiro dia as coisas mudam, o corpo fica mais lubrificado, os músculos se alongam, corpo e mente entendem que o esforço físico intenso será constante e, magicamente, ocorre um melhor equilíbrio entre o físico e o psicológico.

O QUE LEVAR PARA EXPEDIÇÃO

Na web encontramos muitos artigos apresentando “o que levar para o Monte Roraima”. Mas apresento a seguir a lista de algumas coisas que foram fundamentais para a minha maravilhosa experiência: vaselina sólida nos pés (para evitar bolhas), colchão auto inflável, isolante térmico, luvas, saco de dormir (de zero a 5C), bandana, tela mosquiteira de rosto, protetor solar, repelente, capa de chuva, bastões de caminhada (especialmente para as subidas, descidas e terrenos molhados e escorregadios), lenços umedecidos, rapadura e barrinhas de cereal.

ÁGUA

Em minhas caminhadas de longo curso, água é sempre uma das minhas principais preocupações. No Monte Roraima isso não acontece. Em todo o percurso temos acesso a água limpa e potável, reduzindo muito a necessidade de carregarmos grande volume de água na mochila. Não é por acaso que os índios dizem que o Monte Roraima é a “Mãe das Águas”. O único local que tivemos menos facilidade de acesso à água foi no “Hotel Balbina”, exatamente no topo do Monte.

AS PLANTAS DO MONTE

O Monte Roraima tem um ecossistema peculiar e único. As plantas do Monte se encontram precariamente em fissuras, nos precipícios erodidos, onde exista um escasso solo onde elas possam se agarrar. Trata-se de um ambiente com poucos nutrientes e solo muito pobre. É fácil constatar que se trata de um ambiente muito frágil, onde chuvas fortes e constantes lavam rotineiramente o cume.

Em áreas rochosas mais expostas, pequenas ilhas de vegetação endêmica formam belos conjuntos ajardinados, muitas vezes com pequenos lagos formados por poças de água acumulada da chuva. Eu fiquei fascinado com essas estruturas e, confesso, fiz dezenas ou centenas de fotos ao longo dos dias.

Além dos “jardins”, o Monte apresenta uma grande variedade de bromélias, plantas carnívoras e plantas com flores exóticas, que não existem em outros locais na face da Terra. As folhas da maioria das plantas são grossas, com consistência dura, porém frágil, especialmente adaptadas para poder resistir a uma alta radiação solar sem perder a umidade.

Os “jardins” do Monte Roraima
Os “jardins” do Monte Roraima
Uma flor exótica do Monte Roraima

ROCHAS E PEDRAS

Muitas rochas no Monte têm formato de animais, pessoas e objetos. Algumas delas em posições inusitadas. Em determinados momentos me peguei usando a minha criatividade na identificação destas formações rochosas. Vi tartaruga, galinha, elefante, camelo, foca etc. Eis algumas fotos que fiz.

A galinha
O Elefante
O Camelo

OS APRENDIZADOS DE LA RAMPA

Ao vivenciar a famosa La Rampa por duas vezes, na subida e na descida, eu aprendi muitas coisas:

  • Atravessar La Rampa é realmente a parte mais difícil de toda expedição. Quando fazem essa afirmação, considere que é a mais pura verdade. A razão é simples: La Rampa é uma combinação de problemas: longo trajeto muito íngrime com rochas, floresta, terreno muito escorregadio, lama e pedras caídas do paredão que se movimentam facilmente quando pisamos. Com chuva vira um rio perigoso, no sol vira uma estufa gigante. O caminho é um sobe-desce que parece que não acaba nunca;
  • A subida exige enorme esforço físico e a descida exige equilíbrio de malabarista. O segredo é não ter pressa;
  • Os bastões ajudam demais. Na subida eles funcionam como alavanca. Na descida como bengalas. Uma boa alternativa é usar apenas um bastão, deixando uma mão livre;
  • La Rampa deve ser vencida tendo, minimamente, a imagem de um tripé na cabeça, ou seja, dois pés no chão e um bastão (pelo menos) em mão, o que permite três pontos de apoio no chão e nas rochas. E ainda ficamos com a outra mão livre, o que nos transforma em felinos;
  • O caminho é repleto de pedras soltas, portanto muito cuidado para não chutar ou escorregar em pedras que podem se deslocar e atingir companheiros de caminhada, atrás ou na frente;
  • Nunca fique sozinho. Caminhe sempre em dupla ou em trio, pelo menos;
  • Quando cansar, peça o grupo para parar por alguns minutos para recuperar fôlego, recobrar energia ou até alongar alguma parte do corpo;
  • Regras básicas: Não pular de uma rocha para outra, não pisar em raízes, não segurar em galhos de árvores e raízes porque são traiçoeiros.

A EQUIPE DE APOIO

A equipe de apoio era formada por muitas pessoas. Destaco os guias e carregadores: Manuel Benavides, Eliu Garcia, Chover Benavides, Coraima Sucre, Kevin Marin e Jan Montenegro. Todos venezuelanos, jovens (com exceção do Chover que era “menos jovem”) e de origem indígena da região de Canaima. Além dos citados, a equipe integrava mais pessoas na realização de outras tarefas, como transporte de mantimentos, transporte de materiais diversos, transporte e montagem das barracas, transporte e montagem da casinha (inclusive dos dejetos) etc.

Como já dito anteriormente, parte da super experiência que vivi veio deste grupo: pessoas dedicadas que estão sempre disponíveis, dispostos, alegres, colaborativos e agindo sempre com cuidado e da melhor maneira possível para garantir o bem-estar, segurança, conforto e alimentação de todos os integrantes da expedição.

O líder foi Manuel Benavides, que atuou no papel de líder integralmente, em todos os momentos, demonstrando conhecimento, experiência e influência. Com ele nos sentimos seguros e protegidos.

Veja a seguir a “contação de história” do Manuel sobre o Monte Roraima. Estávamos no Cânion dos Gacharos quando gravei este vídeo.

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CARREGADORES

Uma das visões que convivemos ao longo de todo este tempo na expedição do Monte são os carregadores. Eles cruzam os nossos caminhos, indo e vindo, com muita agilidade e rapidez, desde o primeiro até o último dia. São eles que garantem a alimentação, conforto e serviços ao longo do trajeto para as diversas expedições que acontecem ao mesmo tempo no Monte.

Eles carregam uma espécie de cesto de vime nas costas, transformando-os em totens móveis gigantes. Eles não apenas carregam todos os materiais e infraestrutura da expedição, mas também podem carregar as mochilas dos trilheiros, quando contratados para isso. Foi esta a minha opção.

Com o objetivo de ter uma experiência mais prazerosa, eu optei por contratar um carregador para todo o trajeto, do primeiro ao último dia. O preço foi R$ 150 por dia. Como foram 7 dias de expedição, o total foi R$ 1.050. O carregador apontado para mim foi Eliu Garcia, um jovem de sorriso largo e super ágil. Nos demos muito bem.

A minha mochila cargueira pesava, aproximadamente, 11 kg. Além desta mochila cargueira, Eliu levava também o meu saco de dormir, o meu colchão inflável e o meu isolante térmico. Eliu também carregava outras coisas além do meu material.

Eliu me explicou que um carregador leva nas costas um peso aproximado de 30kg. Ele disse que já teve vezes que levou quase 40kg nas costas. Como pode? E o mais incrível é vê-los caminhando sobre as rochas e subindo ou descendo La Rampa com vigor, agilidade e leveza.

SUPORTE E AGÊNCIAS

Este foi um ponto crucial para o bem-estar, segurança e encantamento da minha experiência.

Saber escolher as organizações (agências) que vão te ajudar no planejamento e realização do seu sonho é uma das decisões mais importantes em uma aventura de trekking.

A expedição foi organizada pela PÉS NO CERRADO e pela MRT – MONTE RORAIMA TRAVEL. Tudo funcionou bem, com boa organização, disciplina, planejamento e disponibilidade. A expertise do Monte Roraima estava 100% centrada na MRT. O fornecimento de informações detalhadas, o engajamento prévio do grupo e a disponibilidade total da Shirlene (Pés no Cerrado) e do Marcelo (Monte Roraima Travel) fizeram a diferença.
Obrigado, Shirlene e Marcelo!

Obviamente que várias coisas podem ser melhoradas em termos de planejamento e execução, afinal sempre existe algo a ser aprimorado ou acrescido. Alexandre Cardoso, integrante do grupo, preparou um excelente documento com uma série de itens que podem ser melhor trabalhadas para expedições futuras. Particularmente, itens relativos à segurança e ajustes de roteiro merecem atenção pela MRT, porém nada grave, apenas melhorias. Parabéns, Alexandre, pelo excelente documento.

VÍDEO EXPEDIÇÃO AO MONTE RORAIMA

Na fase de preparação para a expedição, eu busquei e assisti vários vídeos no YouTube sobre o Monte Roraima. A maioria eram bons materiais, com boa produção e conteúdo. Entre todos que assisti, o que mais gostei foi produzido por Lohana Monaco, que publicou o seu vídeo em seu canal no Youtube.

O que mais me agradou no vídeo de Lohana de 120 minutos foi a espontaneidade da gravação, sem filtros, repleto de emoção e autenticidade, mostrando a “vida real” e com cenas “ao vivo” do que estava rolando. Enfim, se houver interesse, recomendo muito este vídeo. Obrigado, Lohana.

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MATERIAL ADICIONAL SOBRE O MONTE RORAIMA

Por fim, apresento abaixo vários links com conteúdo relevante sobre Monte Roraima, que foram material de estudo de minha parte para melhor me preparar para a expedição.

Monte Roraima: Guia Completo para Visitar – Blog Vida Sem Paredes
https://vidasemparedes.com.br/monte-roraima/

Monte Roraima: Tudo sobre trekking e preparação – Blog Viagens e Caminhos
https://www.viagensecaminhos.com/2022/10/monte-roraima.html

As atrações no topo do Monte Roraima – Blog 7 Cantos do Mundo
https://7cantosdomundo.com.br/as-atracoes-no-topo-do-monte-roraima/

Como são os acampamentos no Monte Roraima – Blog Vida Sem Paredes
https://vidasemparedes.com.br/como-sao-hoteis-acampamentos-no-monte-roraima/

O que levar para o Monte Roraima – Blog Leve na Viagem
https://levenaviagem.com.br/o-que-levar-para-o-monte-roraima/

Monte Roraima em 3 capítulos – Alta Montanha
https://altamontanha.com/monte-roraima-parte-1/
https://altamontanha.com/monte-roraima-parte-2/
https://altamontanha.com/monte-roraima-final/

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