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O fim do meu sabático. Ou não?

Meu sabático tem exatamente 19 meses e 5 dias. Pergunto-me se faz sentido contar tempo, afinal não sei como determinar o fim do meu “período sabático“. O que define o fim dele? E qual a importância disso?

Talvez, o sabático não seja propriamente um espaço de tempo, mas sim uma filosofia de vida. De repente a resposta está por aí. Eu pensei no título “A briga por me manter no sabático” para este post, mas depois achei que não faria sentido.

Tem 3 fatos acontecendo na minha vida que vem colocando o meu sabático à prova. 

FATO 1

Em julho deste ano eu me juntei à excelente equipe do Leading Zone. E, dentro da iniciativa Helping Hands, tenho participado ativamente de mentorias individuais gratuitas. Já são 53 pessoas na minha lista de “mentees” (incluindo mentorias realizadas, em realização e por realizar), que abraça profissionais de diversas formações, idades, culturas e regiões geográficas. Está sendo uma experiência maravilhosa e de muito aprendizado. Cada mentee é uma nova amizade, que conta com a minha admiração e agradecimento por me permitir fazer parte de suas histórias pessoais. 

Cada conversa com um mentee provoca um turbilhão dentro da minha cabeça, que desperta sensações difíceis de explicar. Mas o que mais me chama atenção é o despertar do desejo de voltar a trabalhar e participar de uma rotina em uma organização, interagindo com pessoas em busca de objetivos comuns e propósito de realização. Em um destes devaneios, eu lembrei de um post que publiquei há poucos anos chamado “Sensações estranhas no trabalho“, onde fiz uma descrição das sensações que estava vivendo em um dia típico de trabalho. Aquele post foi quase um desabafo, uma epifania. Ao ler de novo esse artigo, foi inevitável exorcizar os pensamentos de voltar à uma rotina de trabalho em uma empresa. Adoraria que você lesse esse artigo antes de continuar para entender o meu ponto. É muito provável que você se identifique com a minha história. 

FATO 2

Desde o início do sabático que tenho recebido alguns convites para palestras (online), algumas remuneradas outra não. Inevitavelmente eu tenho negado todas, as vezes sendo deselegante porque não dou margem para as pessoas evoluírem no convite e apresentarem detalhes. Apesar da aparente grosseria, esta é uma fórmula usada por mim para evitar que eu caia na tentação. Desculpe! Trata-se daquela situação: não me deixe dar uma mordida em uma barra de chocolate porque vai ser impossível não comer a barra toda.

No entanto, duas semanas atrás, eu não resisti e mordi a barra de chocolate, ou melhor, aceitei um convite para fazer uma palestra, online, remunerada, para uma grande empresa. Será o tema “Liderança Inovadora”, seguindo uma abordagem já feita por mim anteriormente e que eu descrevi no post deste blog chamado ” Liderança Inovadora – como fomentar inovação e criatividade no ambiente de trabalho“. 

Ao aceitar o convite, eu criei a responsabilidade de revisitar um conteúdo sobre um tema que adoro. No entanto, como me conheço bem, essa atividade já gerou um enorme e contínuo desconforto, porque quero montar a melhor palestra que já fiz na vida, o que me exige um alto nível de estudo, preparação e capricho superior a tudo que já fiz no passado. E será assim até o dia da palestra. E garanto que farei a melhor palestra que já fiz na vida.

O fato é que esse trabalho, além da exigência de um estudo profundo, já gerou duas boas consequências. A primeira é de autoreconhecimento, evidenciando que o meu conhecimento e experiência profissional têm valor. A segunda é o despertar do interesse em voltar a estudar com regularidade e disciplina, especialmente na área de desenvolvimento de pessoas e liderança, porque é um assunto que realmente amo.  

FATO 3

Esse não é um propriamente um fato, mas um comportamento de minha parte que diz respeito ao uso e relacionamento com pessoas através do LinkedIn. Tenho feito uma autoavaliação desde o início do meu sabático no ano passado.

Sem dúvida, o LinkedIn foi a única rede social relevante e de real contribuição o para meu desenvolvimento profissional e pessoal nos últimos dez anos, além de viabilizar a construção de um networking de valor e crescente. Neste meu sabático, o LinkedIn tem sido para mim a real e única ponte de conexão com o mundo profissional, onde consigo me relacionar com amigos e colegas que fizeram e ainda fazem parte da minha história profissional, mas também novos relacionamentos e aprendizados. 

Um dos cuidados que venho tendo é usar o LinkedIn de maneira muito criteriosa, de forma limitada e não deixar me levar pelo vício de explorar a timeline infinitamente. Ali vejo as novidades das amigas e amigos, colegas, notícias de empresas, histórias profissionais de todos os tipos, em um ambiente de minha intimidade, que é o mundo dos negócios e do trabalho. Esse ambiente é a “minha casa”. A questão é que ler as notícias e histórias me provoca uma enorme vontade de voltar para esta “minha casa”. Mas é mais do que isso. O fato, real e verdadeiro, é que muitas vezes eu sinto um forte desejo de estar de novo no spot, de estar em evidência, de ser relevante, de me destacar entre tantos. Não sei dizer o que é isso. Será egocentrismo? Que necessidade é essa?

Às vezes, ao ler publicações de amigos e colegas, eu sinto vontade de voltar a trabalhar em uma empresa para poder contar histórias bonitas e de conquistas, de liderar, de ser “o cara” e ser referência. Por outro lado, também confesso que essa vontade vem… e vai embora. Ela é bem rapidinha. Ela vem e passa. O desafio é que a vontade tem surgido mais vezes nas últimas semanas. 

PERGUNTAS SEM RESPOSTAS

Na minha cabeça pulam perguntas por todos os lados. Se eu estou curtindo o sabático, por que o desejo de resgatar determinadas sensações do passado? Qual é o gatilho da boba vontade de voltar a ficar em evidência? O que me move para esta direção? Por que esse despertar inicial de pertencer a uma organização? Afinal, o que está acontecendo comigo? 

Passei muitos anos dando palestras, participando de reuniões discutindo como mudar o mundo, construindo e liderando times de alto valor, cultivando eminência pessoal no LinkedIn, desenvolvendo referência nas áreas de comunicação e marketing, etc, etc, etc. Mas esse é o lado bonito da moeda. O outro lado era uma agenda insana de trabalho, repleta de stress, insatisfação, cansaço extremo, sensação da vida escorrendo por entre os dedos, desequilíbrio, cortes de orçamento, demissão de pessoas, reuniões intermináveis, vida com questionável propósito e sensação de distância do melhor que a vida pode me oferecer.  

No ano passado, ao quebrar o ciclo maluco que eu vivia, parece que entrei em um portal mágico. Já descrevi isso de diversas formas em meu blog, porém nunca havia usado antes o termo “portal mágico”. Me veio agora tal termo, mas talvez nem seja o melhor, poderia usar “túnel mágico”, porque ainda me sinto atravessando um túnel de descobertas e transformações. É algo contínuo e crescente. Na confusão da minha cabeça, talvez o tal “túnel mágico” seja o período sabático.  

Voltando ao ponto inicial do meu artigo: acho simples e fácil definir o início de um período sabático, mas o que define o fim dele? Será que todo fim de sabático significa uma volta ao trabalho? Ou é o começo de um novo trabalho? Ou um novo ciclo profissional? E se eu pudesse imaginar um sabático para sempre? Se seu conseguisse alinhar o meu trabalho com sentido de realização, propósito de vida, paz de espírito, sensação constante de desenvolvimento e crescimento como ser humano, ajudar outras pessoas para tornar o mundo um pouco melhor para se viver, talvez isso pudesse caracterizar um sabático para sempre. Mas como alcançar isso?

Fiz uma autoanálise, identificando as minhas fortalezas, habilidades, competências e skills. E, dentro desse leque, me perguntei: o que eu mais gosto na essência? O que me satisfaz e me faz bem? Todo mundo deveria fazer esse exercício. 

Cheguei a um número legal de alternativas, mas algumas se destacaram. Tenho bons skills de comunicação oral e escrita, gosto de pessoas, gosto de trabalhar em time, sou agregador e conciliador, funciono melhor na diversidade do que na uniformidade, e adoro compartilhar conhecimento e desenvolver pessoas/equipes. Sou apaixonado por estudar e usar tecnologia. Minha formação em engenharia e análise de sistemas me tornou um profissional com pensamento analítico e sistêmico. Tenho 31 anos de experiência como gerente de pessoas e nos meus últimos 25 anos de trabalho eu me reportei diretamente a presidentes de empresas. Tudo isso, naturalmente, me direciona a buscar uma atividade ligada ao desenvolvimento de profissionais, lideranças e equipes. Essa é uma atividade que me faz bem e me realiza.

Por outro lado, eu não desejo voltar a trabalhar no mundo corporativo, em um cargo executivo e liderando organizações. Acho que essa fase já passou e não gostaria de retornar a ela. E nem cabe aqui falar das minhas evidentes fraquezas e deficiências, que são velhas conhecidas de minha parte.

TALVEZ EU TENHA ENCONTRADO A RESPOSTA

Ao fazer o exercício acima de autoanálise, do que me faz bem, eu acho que consegui encontrar uma possível resposta para as sensações despertadas nos fatos que contei no início do artigo.

Nos 3 fatos citados por mim, salta os olhos a minha satisfação por me relacionar, compartilhar e desenvolver pessoas. Aqui está a incontestável chave para o meu próximo passo profissional, que já estava se desenhando nos últimos meses: desenvolvimento de pessoas. 

Ainda não tenho clareza do meu alvo final, mas já sei a direção do meu caminhar. E, por isso, decidi alimentar os 3 fatos acima. Em vez de questioná-los, eu vou tratar de nutri-los, dar espaço para eles evoluírem e me levarem para novas oportunidades e caminhos, como venho fazendo com muitas outras coisas na minha vida atualmente. 

São 3 decisões:

1- Mentoria voluntária no Leading Zone / Helping Hands

A experiência no #LeadingZone tem sido gratificante para mim. Por isso tomei a decisão de continuar e aumentar lentamente a minha participação nessa jornada. Ao conversar com profissionais de todos os tipos, eu estou me atualizando do momento contemporâneo do trabalho e dos negócios, através da melhor via possível, que é o aprendizado através de histórias reais, pessoais, de desafios e transformações. Cada conversa com um mentee é uma injeção na veia do que acontece no mundo. Estou fazendo uma espécie de MBA prático da vida profissional em múltiplos segmentos e experiências. Eles pensam que aprendem comigo, mas sou eu que aprendo com eles… até mais do que fazer cursos, estudar papers, ler livros e acessar conteúdo diário no linkedIn. 

2- Palestras

Vou me abrir paulatinamente para dar palestras sobre temas que tenho conhecimento e experiência. Entrar no mundo das palestras significa entrar em um ciclo contínuo de estudo e atualização. Vou me obrigar a ler e estudar mais, atividades que adoro e me fazem crescer. Vou me concentrar no que mais gosto: desenvolvimento de pessoas e liderança. Não sou um expert e nem PhD no assunto, mas tenho quilometragem rodada e uma história repleta de cicatrizes, de real transformação e reinvenção. Meu primeiro emprego foi técnico de manutenção de máquinas de escrever e impressoras. No meu último emprego eu trabalhava com inteligência artificial aplicada a marketing. No meio de tudo isso teve o surgimento dos computadores, da internet, do email, dos celulares, das redes sociais e do air fryer (sou fã do air fryer!!!). Ou seja, muita reinvenção e transformação dos negócios, organizações, trabalho e sociedade. Enfim, estarei mais aberto a palestras. 

3- A volta para o LinkedIn

Decidi voltar a escrever para o LinkedIn. E esse é o primeiro post do meu retorno. No ano passado, ao decidir apertar o botão RESET de minha vida, eu escolhi me afastar do LinkedIn parando de publicar artigos e posts regulares. A única atividade que mantive foi usar a rede social para divulgar os artigos publicados no meu blog, já que eles tinham cunho mais pessoal do que profissional. 

Voltarei a escrever artigos no LinkedIn, paulatinamente, sem assiduidade e sem disciplina, na tentativa de experimentar se vou curtir a ter novamente uma atividade regular na rede social. O risco é cair no vício indesejável de buscar relevância e audiência para ganhar exposição na rede. Isso não é o meu objetivo. Porém acredito que uma atividade saudável no LinkedIn vai me ajudar nas minhas duas atividades citadas acima: mentorias e palestras. 

O LADO PESSOAL CONTINUA EVOLUINDO

O sabático tem me ensinado muitas coisas e, verdadeiramente, me sinto um ser humano melhor. Já venho, de alguma forma, compartilhando muito disso no blog. O exercício de autoconhecimento, que citei anteriormente, teve o objetivo de me ajudar a pensar o lado profissional. Mas ao fazer isso, foi inevitável esbarrar no lado pessoal, afinal é impossível separar profissional e pessoal. E foi aí que identifiquei claramente 3 dimensões comportamentais que estarei mais atento daqui para frente, porque pretendo exercitá-las em meu desenvolvimento pessoal.  

Cabe dizer que os 3 comportamentos que citarei a seguir parecem ser contraintuitivos. Aliás, é mais do que isso, são características normalmente citadas como perversas para o sucesso nos negócios e na carreira profissional, para a inovação e para a liderança. Por outro lado, nessa minha fase de crescimento espiritual e aceitação do onipresente, essas dimensões me parecem fazer mais sentido do que nunca.   

Comportamento 1: SER MENOS PERFECCIONISTA

Essa é a mudança comportamental mais desafiadora. Preciso relaxar um pouco. Aceitar que o “bom” pode fazer a vida melhor do que tentar ser “excelente” o tempo todo, em tudo que faço. Ser menos perfeccionista implica em ser menos disciplinado, menos regrado, ter um comportamento mais relax, me exigindo menos, o que ajuda a migrar para um estilo de vida mais minimalista e leve. Ou seja, ter a cama desarrumada e a incerteza de quando vai vencer o seguro do carro não é de todo ruim.    

Comportamento 2: SER MENOS INQUISITOR

Ser menos questionador faz a vida ficar mais fácil. Muitas vezes as coisas são, porque são. Para o mundo do trabalho isso é quase impossível, mas na vida pessoal isso me parece necessário e benéfico. Ser menos interrogativo, contribui para ser menos perfeccionista. Não preciso entender tudo detalhadamente para ter uma vida feliz e realizada, muito menos ter tudo sob controle. Cabe dizer que ser menos perfeccionista não é deixar de ser curioso. 

Comportamento 3: PRATICAR A SERENDIPIDADE 

Esse é o mais legal! De algum modo, eu já venho praticando isso desde o ano passado. Serendipidade é o ato ou capacidade de descobrir coisas boas de forma casual, de modo imprevisto, inesperado e casual. Quando temos uma vida muito regrada, controlada e organizada, a tendência é que tenhamos uma vida mais previsível e com poucas chances de surpresas e mudanças de curso. Se levamos uma vida questionadora, significa dizer que racionalizamos muito as coisas e não damos chance de viver e experimentar algo diferente do que a razão nos aponta. 

Praticar serendipidade significar se abrir mais para o imprevisível, para novos conhecimentos, novas conexões e novos caminhos… é se permitir mudar o curso mesmo que pareça não fazer muito sentido, é aceitar o imponderável, simplesmente pelo prazer e oportunidade de experimentar. 

VIAGEM FANTÁSTICA

A minha viagem sabática tem sido fantástica. Tenho a sensação de ter feito um twist radical de minha vida pessoal… que ainda está acontecendo… é um processo. Ao me abrir para novas possibilidades, tem surgido diante de mim dezenas de novas portas para a minha existência terrena. Todas na minha frente para serem abertas.

Agora sinto que estou entrando na fase de pensar a minha nova vida profissional. Vejo as estrelas se alinhando para os meus primeiros passos e decisões, me permitindo imaginar cenários e futuros possíveis. Mas tudo será sem pressa. Tudo acontecerá no passo que tiver que acontecer, de forma imperfeita, com mais curvas do que retas, com menos questionamentos e racionalidades, dando chance para que a casualidade da vida me leve para novas possibilidades que, provavelmente, eu nunca havia pensado antes.