Pular para o conteúdo

O luto é a prática de lembrar e esquecer

“Quando você quer alguma coisa, todo o universo conspira para que você realize o seu desejo”. Ao ler isso no livro “O Alquimista”, de Paulo Coelho, foi impossível não relacionar a frase aos meus lutos recentes.

Os meus lutos se foram, me parecem algo remoto e distante. Não estão mais dentro de mim. Não consigo mais descrever tal sentimento, o que justifica a latente dificuldade de falar sobre isso no meu atual contexto de vida. Estou bem resolvido, feliz e de paz com a vida. E isso parece ainda mais irônico quando digo que a pessoa que me moldou como ser humano partiu desse mundo há quase 2 meses: o meu pai! Puxa, tão pouco tempo.

A estrada que cruzei nos lutos (descritos em detalhes no meu blog) me tornaram mais forte e cascudo. Isso não significa que fiquei mais frio e racional, muito pelo contrário. Na verdade, fiquei mais sensível. Estou mais consciente do que é a morte, de que a vida é feita de ciclos e que eu tenho poder e autonomia de fazer as minhas escolhas. Sou eu que escolho o dia de sol ou a noite sombria.

Ainda continuo recebendo mensagens de pessoas dividindo comigo suas histórias de perda. De alguma forma, o que vivi e o que compartilhei no blog e redes sociais ainda serve de conforto e inspiração para algumas pessoas.

Alguns me perguntam qual é a fórmula mágica para percorrer o ciclo de luto, como se existisse uma receita passível de ser duplicada. Eu ensaiei esse exercício ao publicar o post chamado “O quebra-cabeça da minha vida“, onde apresentei uma lista de 35 ações que realizei na minha jornada desde o ano passado. Mas a resposta, verdadeira e decepcionante, é: não sei! Não existe uma fórmula ou receita.

Apesar de não pensar mais no luto, situações no dia a dia me fazem lembrar dele, me estimulando a especular sobre possíveis respostas. Confesso, contudo, que ao tentar racionalizar o luto, posso estar me afastando da verdadeira fórmula para superá-lo.

Gruta Santo Antônio – entre Benedito Novo e Dr. Pedrinho, em SC

Esse artigo é mais uma tentativa de abordar o tema. Provavelmente, o título mais adequado e justo para o artigo deveria ser: “Comportamentos e atitudes que me ajudaram a lidar com o luto e fazer dele um aliado para minha transformação pessoal”. No entanto, optei por um título com viés polêmico, quando afirmo que o luto envolve a prática de esquecer. Como esquecer alguém que amamos e que partiu? Mas falo de um esquecer diferente, que explicarei a seguir, tentando conectar os pontos que pulam na minha cabeça.

Na busca do elixir da superação do luto, conto abaixo 3 aprendizados que aconteceram em momentos diferentes e que se tornaram importantes no lidar com a perda de pessoas amadas. Foram mais que aprendizados, foram lições.

LIÇÃO 1

Em 2015, eu tive o privilégio de mediar uma longa conversa com Luiza Trajano, em um grande evento. Ao longo do debate, por diversos momentos, ela citou uma frase ao falar sobre as suas decisões de vida pessoal e profissional: “Você quer ter razão ou quer ser feliz?”

Essa frase não é da autoria de Luiza Trajano. Tentei descobrir o autor. Alguns atribuem a Ferreira Gullar. A frase é brilhante, profunda e permite diferentes interpretações. A princípio, a frase gera a seguinte reflexão: vale a pena discutir pelo que você acha certo ou, simplesmente, o melhor é relevar para ter paz e ser mais feliz?

A frase “quer ter razão ou quer ser feliz” me encantou e me fez pensar muito ao longo dos dias seguintes ao evento. O que era somente uma frase, passou a ser uma espécie de filosofia de vida. Claramente eu precisava repensar as minhas prioridades e valores, dar um novo peso para as coisas ao meu redor e rever algumas atitudes cotidianas de minha parte.

A frase me fez aprender o seguinte:

  • A minha felicidade depende da minha capacidade de buscar e brigar pelo que realmente vale a pena, daquilo que verdadeiramente alimenta a minha alma.
  • A minha felicidade é construída a partir do que eu penso e valorizo. Portanto, a felicidade é consequência direta dos meus pensamentos.
  • A minha felicidade não está do lado fora, mas dentro de mim.
Eu, Luiza Trajano e Adriana Ferreira

LIÇÃO 2

No mesmo ano de 2015, na 13a. Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling participaram de uma mesa de debate chamada “Brasil: uma aula”, em homenagem ao lançamento do livro “Brasil: uma biografia”, de sua autoria.

Dias antes, no anúncio do debate, foi dito o seguinte: “as autoras vão falar de uma forma ‘impiedosa e ao mesmo tempo afetiva’ sobre a história do país”. A proposta era que Lilia e Heloisa fizessem uma síntese de 500 anos da história do país, num estilo agridoce de conversa, ou seja, com doçura, mas também com muita acidez. Eu fui atrás, de todas as formas, para conseguir comprar um lugar na plateia. E consegui.

O debate foi formidável, mas uma frase dita pela Lilia entrou na minha cabeça e nunca mais saiu: “História é a prática de lembrar, mas também é a prática de esquecer”. Ou seja, a história pode ser contada de várias formas, dependendo de quem está contando. Você pode, perspicazmente ou não, esquecer determinadas coisas numa determinada história. E assim, você muda a história, conscientemente ou não.

E Lilia disse: “Foi assim que construímos uma história bonita e heroica do Brasil, quando na verdade a nossa história é muito mais negra e sórdida”. E o debate tangibilizou claramente essa abordagem com muitas evidências citadas pelas professoras.

Lilia Schwarcz e Heloisa Starling na Flip

LIÇÃO 3

Recentemente, li o livro “O Alquimista”, de Paulo Coelho. Lá uma frase é repetida ao longo da história: “Quando você quer alguma coisa, todo o universo conspira para que você realize o seu desejo”.

A tendência é banalizarmos a sentença, interpretando-a de forma superficial, no viés de autoajuda, isto é: a partir da nossa força de vontade, nós somos capazes de transformar nossos desejos em realidade.

O segredo da frase não está em sua superficialidade aparente, mas sim no que está por trás. Os nossos reais desejos são aqueles que nunca confessamos, nem a nós mesmos, porque eles estão no fundo do nosso subconsciente e da nossa alma: são os nossos pensamentos escondidos, as nossas intenções, a vitimização reconfortante e a alegria macabra da tragédia pessoal. Para a maioria de nós, essa é uma tampa que temos medo de abrir. Portanto, preferimos deixá-la intocável. Nós mesmos nos iludimos.

No topo da Pedra da Macela – em Cunha, SP

O subconsciente é um mundo de luzes e sombras. Reconhecer as trevas dentro de nossa alma é uma viagem cruel de autoconhecimento e consciência pessoal, que denuncia a nossa verdadeira essência. É preciso coragem para olhar fundo dentro de nós, identificar as sombras, por mais difícil e doloroso que isso possa aparecer.

JUNTANDO TUDO

A história dos meus lutos está transcrita em 25 longos artigos no blog, onde descrevo a montanha russa que passei. Mas agora, ao olhar pelo retrovisor, na serenidade do mar calmo, eu vejo que vivi os lutos praticando os conceitos que citei anteriormente.

Quando o ciclo do luto começou, fui arremessado contra a parede. Me senti em uma armadilha, preso em uma teia, sem ter por onde escapar, em uma espécie de beco sem saída, ou poço profundo.

Aqui surgiu o primeiro aprendizado. Em minhas alucinações de “vida sem saída”, em me perguntava: o que eu quero para mim? Quero mesmo passar o resto da vida melancólico, me lamentando por um passado que não volta mais? A vida daqui para frente será assim? Sem sentido e triste? Ou eu mereço uma vida feliz, harmoniosa e com novas possibilidades? Era a Luiza Helena, dentro de mim, repetindo: Você quer ter razão ou quer ser feliz? Você tem todas as razões para se lamentar da vida e se considerar uma vítima do destino, mas tenha consciência de que essa opção transformará você em um ser infeliz e rancoroso para o resto de sua existência. Por outro lado, você pode escolher por uma nova vida iluminada, vivendo feliz e em paz. A resposta era óbvia. Que se foda a razão, eu quero e preciso ser feliz!!

Parque da Barra – Rio de Janeiro, RJ

Mas como tratar o luto que me corroía por dentro? Como amenizar a dor? Como transformar o luto em algo bom? Eu tomei a decisão de sair do poço, mas como sair dele?

Aí veio a segunda lição, com a Lilia cochichando no meu ouvido: lembre-se de que a sua história pode ser contada de várias formas, dependendo do que você, conscientemente, desejar lembrar ou esquecer. A sua história está dentro da sua cabeça. Você é o único responsável por construí-la, mais ninguém. Qual a história que você quer contar para você mesmo?

Um raio de luz iluminou o meu espírito: a superação do meu luto dependia apenas da minha capacidade de guardar na mente aquilo que me fazia bem. O restante, aquilo que doía e me machucava, eu tinha a responsabilidade de colocá-lo em um lugar distante e remoto dentro da minha cabeça. Eu havia sacado que era necessário fazer um exercício de um “esquecer consciente“, ou um “esquecer intencional” de algumas coisas. Dessa forma, eu manteria na minha cabeça a história que eu gostaria de lembrar e contar para os outros… e para mim mesmo.

Foi isso que me levou a “esquecer” as dores das perdas, do vazio inevitável, das ausências, do passado que não volta mais e do saco de lamentações que carregamos no luto. Passei a ouvir menos o que pessoas lamuriosas me falavam. Passei a identificar os alimentos maliciosos que nutrem a tragédia pessoal da perda.

Esse exercício fez aflorar na minha cabeça os bons momentos, a gratidão por ter vivido e construído histórias lindas com pessoas que amei, o agradecimento pelo que elas me deram e uma certeza de que elas estão agora em outra dimensão espiritual, ajudando outros espíritos e vivendo uma nova fase. Tal dinâmica ajudou a purificar as minhas lembranças, privilegiando na minha cabeça a aceitação, a gratidão e o amor que tenho por essas pessoas maravilhosas com quem dividi a minha vida.

No final de tudo, no fundo da bateia, as verdadeiras pepitas de ouro surgiram. Senti um entusiasmo crescente e contagiante pela minha nova fase de vida, abarrotada de esperança, plena de novas possibilidades, com um novo mundo se descortinando diante de mim que antes eu evitava.

São José das Três Ilhas, em MG

Com essa jornada em curso, surgiu o último aprendizado, que só ficou claro para mim recentemente: quando você quer muito alguma coisa, todo o universo conspira para que o seu desejo se realize. Portanto, não tenha cuidado somente com o que você fala e como você age. Mas cuide principalmente do que você pensa, dos seus desejos escondidos no canto mais profundo de sua alma, porque o universo vai conspirar para que eles se realizem. Se você escolhe por pensamentos rancorosos e melancólicos, o universo transformará isso em sua realidade de vida.

Eu aprendi a ter coragem para me olhar por dentro, sem filtros. E, também, a ter mais entendimento do que realmente quero para a minha vida. O período sabático tem sido fundamental porque me desnudei completamente: sou eu comigo mesmo! Todos deveriam experimentar um sabático de verdade.

Estudar filosofia vem me instrumentalizando de conceitos e diferentes visões da realidade. Estou mais consciente do sentido das coisas. Passei a olhar com coragem para as sombras de minha alma. É um exercício doloroso, de misericórdia, de desapego e frustração, porque me descobri vulnerável e limitado.

Além de uma viagem interna de autodescoberta, eu descobri que a minha vida estava direcionada para um futuro que nunca chegaria. Eu vivia em função de um futuro imaginário, improvável e inalcançável. A linha de chegada era distante e soberba, porque ela era móvel, eu sempre colocava novas coisas para serem perseguidas, em uma roda viva sem fim. Na verdade, eu não vivia para mim. Acho que vivia uma vida de expectativas.

Finalmente descobri que o segredo está em viver o presente e me abrir para o mundo. Entendi que eu precisava sair da casca, abrir a minha ostra imaginária, colocar a cabeça para fora, sentir o calor do sol e deixar a luz entrar.

Eu e as extraordinárias mulheres no Vale Europeu – em SC

Cabia a mim prestar atenção ao presente, aos pequenos sinais, aos pequenos detalhes, de vivê-los de verdade, aproveitar os pequenos e bons momentos, consciente de que posso aprender com eles, um pouquinho a cada instante. E, se eu melhorar um pouquinho hoje, amanhã será ainda melhor, e isso vai se transformar em um círculo virtuoso.

O segredo não está nas grandes transformações, que parecem hercúleas e difíceis. Mas, sim nos pequenos sinais de oportunidade de transformação que aparecem na nossa frente no dia a dia. Essas são oportunidades de mudança de curso que o universo nos envia, a cada minuto que vivemos, que muitas vezes não vemos, ou ignoramos intencionalmente, por imobilidade, medo ou por ter a mente fechada. A frase da Lilia, o encontro com a Luiza e a leitura do livro do Paulo Coelho são exemplos de sinais que o universo colocou no meu caminho. Eu consegui interpretá-los, aprendi com eles e mudei um pouquinho o meu entendimento da vida.

Foi dessa forma que o universo conspirou para que os meus desejos se tornassem realidade. Ele mandou sinais… e eu segui os sinais. Me abri completamente para o mundo. Me tornei um ser permeável e pervasivo, buscando novos caminhos o tempo todo, menos preocupado com a chegada, mas aproveitando a viagem da minha nova vida, que nunca terminará porque estarei sempre viajando.

Assim cruzei o deserto do luto… e cheguei em uma praia linda, de horizonte azul, onde encontrei um amor brilhante e infinito, que hoje alimenta o meu coração e a minha alma, que me dá propósito e vontade de viver. Agora estamos viajando juntos, por caminhos novos e desconhecidos, em uma viagem interminável de descobertas, atendendo e abraçando os sinais enviados pelo onipresente. O meu futuro é o presente. E assim sempre será. Todo o universo conspira para isso.

BR-393, perto de Vassouras, RJ