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Você só conhece o meio quando vive os extremos

Uma querida amiga me enviou uma mensagem sobre a história de Sean e Walter que contei no recente post que publiquei chamado “Todas as possibilidades estão no agora”.

Ela fez a seguinte pergunta: “Por que o fotógrafo não fez o registro fotográfico? Era somente um click”.

O fotógrafo estava diante da oportunidade de fotografar um animal raro, tudo já estava pronto para o click, mas ele escolhe não olhar pelo visor da câmera para viver integralmente aquele momento único. Em certo instante, ele afirma: “Às vezes, eu não faço a foto. Se eu pessoalmente gosto de um momento, eu não quero ser distraído pela câmera”.

O artigo faz uma reflexão sobre “viver o presente”, porém a história de Sean e Walter carrega outro ensinamento poderoso que é ter “a coragem de mudar os objetivos”. 

Se algo na sua vida acontece, se algo muda o contexto ou se algo muda dentro de você, é preciso ter sabedoria e bravura para aceitar a mudança, reconhecê-la e, então, tomar a iniciativa de mudar o curso de sua história através de um ajuste de objetivos.

Por que o fotógrafo não fez apenas uma simples foto? Porque ele sabia que uma única foto não seria suficiente. Sean é fotógrafo profissional, exigente, detalhista e habilidoso. Ele não faz fotos, ele produz obras-primas. Ele não subiu o Himalaia para fazer um registro qualquer do raríssimo leopardo das neves. O fotógrafo foi lá para fazer a foto mais extraordinária do animal já produzida na face da Terra.

Portanto, naquele momento do surgimento do animal diante de sua câmera, ele estava diante de duas situações: viver intensamente o momento ou fazer a foto extraordinária. Ele tinha consciência de que não conseguiria fazer as duas coisas. Ali ele teve que fazer uma escolha. Ele decidiu, em poucos segundos, mudar o objetivo de sua escalada ao Himalaia.

A conversa com minha amiga gerou um excelente papo filosófico e me fez refletir sobre MUDANÇAS.

MUDANÇA RADICAL DE VIDA

Existem muitas histórias de mudanças radicais de vida. A minha história pessoal recente (contada e recontada no meu blog) me soa como um exemplo de uma drástica mudança de direção, que ainda está em curso. Há livros com biografias maravilhosas que ilustram grandes transformações. Aqui quero contar a breve história de Eckhart Tolle.  

Eckhart Tolle é autor de vários livros de sucesso, entre eles o espetacular “O Poder do Agora”. Ele viveu uma série de episódios depressivos e questionamentos de vida. Em certo momento de sua existência, ele abandonou a carreira acadêmica para viver a maior parte do tempo sentado em parques públicosna cidade de Londres, sem fazer nada além de observar tudo ao redor, em uma espécie de estado de êxtase espiritual. Ele conta que as pessoas pensavam que ele estava ficando louco. Enquanto viveu sentado em bancos de parques, com quase nada no bolso, sem trabalhar ou realizar qualquer atividade chamada produtiva, ele dependia da ajuda de alguém para viver e/ou comer, sobrevivendo por conta de pessoas generosas. Esse processo durou aproximadamente dois anos. Gradualmente, então, ele começou a se reconectar com o mundo. Aos poucos, aquele afastamento radical e intencional do mundo tradicional foi se reduzindo e ele voltou a se reintegrar à sociedade. O que se seguiu foi uma dedicação a entender e aprofundar-se no significado daquela sua experiência e consequente transformação. Echkhart viveu uma intensa jornada interior que o transformou para sempre.

Recomendo assistir este vídeo de apenas dez minutos, dublado em português, onde Eckhart Tolle conta um pouco de sua história e o conceito do “viver o agora” (este vídeo é um trecho do documentário “O Segredo da Felicidade”.  

VIVER OS EXTREMOS PARA CHEGAR NO EQUILÍBRIO

Pessoas que vivem crises, que se submetem a situações extremamente graves e de perigo, tendem a ser as mais capacitadas para chegar ao equilíbrio quando comparadas a outras pessoas que nunca viveram algo parecido.

A história de Eckhart é exemplo de um processo de mudança de uma pessoa que se submeteu a uma experiência extrema e depois alcançou um ponto de equilíbrio, porém com transformação definitiva e profunda, com cicatrizes na alma.

Filosoficamente, só percebemos a luz do branco quando conhecemos a escuridão do preto. E só conseguimos entender a concepção do cinza após conhecermos o branco e o preto.

Os contrastes nos dão consciência, lucidez, abrindo uma nova perspectiva de possibilidades.  

Por conta deste singelo conceito, faz sentido pensarmos em viver e se entregar a novas experiências, especialmente aquelas que nos subvertem, que nos desafiam, que nos perturbam e geram desconforto, porque são elas que nos levam a um estado de maior potencial e horizontes possíveis, por vivenciarmos extremos que não conhecíamos ou imaginávamos.

Como podemos saber o meio se não conhecemos as pontas?

Como encontrar o equilíbrio se não vivemos os extremos?

É preciso viver os extremos para chegar no equilíbrio.

AJUSTE DE OBJETIVOS

A racionalidade nos conduz a pensar que “o nosso viver” deve estar centrado nos objetivos e desejos de vida que estabelecemos para nós mesmos. Isso me parece correto e não devemos negligenciar este “viés de viver a vida”. No entanto, a maior riqueza não está na capacidade de estabelecer e perseguir objetivos rígidos e perenes, mas sim na sabedoria de aprimorá-los, ajustando-os a partir de nossos aprendizados e experiências ao longo de nossa existência. E mais ainda: criar e agregar novos objetivos, até então invisíveis ou inimagináveis.  

Conforme o tempo passa, sonhos se ajustam e novos desejos emergem dentro de nós. E está tudo bem ser assim. É como se nos lançássemos em uma estrada tendo em mente um certo ponto de chegada, mas ao longo do caminho o ponto de chegada vai se deslocando, bifurcações aparecem diante da gente, o que nos exige a tomada de decisões, mudando o percurso e rota inicialmente traçadas. Isso é viver. Essencialmente, a gente nunca chega no ponto de chegada, ele é móvel e o caminho muda o tempo todo.

MUDANÇAS INTENCIONAIS

Ao longo de minha vida conheci pessoas que evitam mudanças a todo custo. Os motivos são muitos. Podem ser crenças, valores, insegurança, procrastinação, conforto, medo etc. Para estas pessoas, transformações quase sempre acontecem a partir de mudanças no contexto externo, muitas vezes inesperadas, o que faz dos processos de transformação algo penoso e assustador, com risco de se tornarem dramas e traumas.

Obviamente que a grande parte do que está ao nosso redor não está sob nosso controle, portanto a mudança de contexto é algo que faz parte da vida. Saber lidar com isso pode ser prazeroso ou doloroso, depende de como encaramos os acontecimentos diante de nós.  

Segundo o filósofo Epiteto, para sermos felizes devemos procurar mudar apenas o que pode ser mudado. Devemos aceitar as coisas como são e a realidade como é apresentada a nós. Ou seja, devemos nos concentrar no que podemos controlar, e aceitar o que não podemos.

Já o filósofo Heraclico, afirma: “Tudo flui, tudo se move. Nada permanece igual, exceto o próprio movimento”.

Portanto, o grande lance está em provocarmos as mudanças que estão ao nosso alcance, em uma espécie de autoestímulo, tomada consciente de decisões que muitas vezes podem parecer contrassenso ou riscos desnecessários. Estas tais provocações dependem da nossa capacidade de se auto desafiar, de autoquestionarmos a forma como vivemos, de crenças e valores limitantes que muitas vezes não temos consciência.

Só conhecemos os nossos verdadeiros limites quando esticamos a corda de forma quase insuportável. Quando atingimos nossos extremos, muito provavelmente uma pequena mudança acontece dentro da gente e, assim, determinamos ajustes de objetivos, ou até novos objetivos para nossa existência.

Enfim:

Obrigado, Vania Biazolli, nossa conversa foi ótima.

Obrigado por me despertar tudo isso.

Para concluir o artigo, compartilho dois TEDs muito interessantes, que provocam uma reflexão sobre nosso jeito de pensar e agir. Ambos têm legendas em português.

O primeiro TED chama-se “Os pequenos riscos que podemos correr para aumentar nossa sorte”. Neste TED, a professora da Escola de Engenharia de Stanford, Tina Seelig, compartilha três maneiras de pensar e agir para aumentar a nossa capacidade de identificar e aproveitar oportunidades. Acho interessante quando ela afirma: “Correr riscos não é algo binário”, “Precisamos mudar o relacionamento com as pessoas e com as nossas ideias”.

O segundo TED é do aclamado escritor Tim Ferris e chama-se “Porque você deve definir seus medos em vez de seus objetivos”. Nesta apresentação de 13 minutos, o palestrante fala como superar a auto paralisia e agir. Ele afirma que, em muitas situações, as escolhas mais difíceis são exatamente o que precisamos fazer para mudar a direção de nossa vida. Ao longo da vida, sofremos mais na imaginação do que na realidade. Por fim, ele explora algo que considero fundamental: o custo da inatividade.