Ao ler o livro “A Psicologia Financeira”, de Morgan Housel, me deparei com os dois seguintes parágrafos.
Era uma festa oferecida por um bilionário em New York. Estavam lá pessoas bem-sucedidas e destacadas da sociedade. Em determinado momento, em uma conversa entre duas pessoas, rolou o seguinte comentário: “O bilionário desta festa ganhou mais dinheiro em único dia do que nós dois juntos a vida toda”. E então veio a resposta: “Certo, mas eu tenho uma coisa que ele nunca vai ter… o suficiente”.
Para uma enorme parcela da sociedade, que engloba boa parte dos mais ricos e mais bem sucedidos, parece não haver um limite que defina o que é o “suficiente”. Esse é um conceito fundamental e muito poderoso.
Ler o capítulo do livro sobre este tema me fez retornar no tempo, alguns poucos anos atrás, exatamente quando me fiz a mesma pergunta: O que é o suficiente para mim?
Por trás desta simples pergunta, vem um caminhão de perguntas:
Qual é o suficiente de dinheiro? Qual é o suficiente de patrimônio? Qual é o suficiente de casa para morar? Qual é o suficiente de trabalho? Qual é o suficiente de reconhecimento e crescimento de carreira? Qual é o suficiente de tempo, e horas da minha vida, dedicado a coisas que eu não gosto, mas que são necessárias por que a sociedade e família exigem? Quais são as coisas realmente necessárias? Por que são necessárias?
Esta sequência de perguntas explodiu na minha cabeça nos últimos anos… e minha busca pelas respostas continua em um loop sem fim, mas já tenho indícios de boas respostas para várias delas.
Porém, tudo começa a partir da pergunta fundamental: o que é suficiente para mim?
Quando algo não está suficiente, desperta dentro de nós uma necessidade e/ou um desejo, e este desejo não atendido nos causa ansiedade e insatisfação, e, por fim, uma sensação de incompletude e infelicidade nos abraça.
Ter consciência do que é suficiente acalma o nosso ser interior.
RIQUEZA E FORTUNA
Este mesmo livro apresenta uma reflexão importante sobre as diferenças entre riqueza e fortuna.
As aparências definem como avaliamos o sucesso das pessoas, especialmente o sucesso financeiro: viagens, imóveis, carros, fotos no instagram etc.
RIQUEZA tem a ver com rendimento atual. Provavelmente alguém que dirige um carro de 300 mil reais é rico, porque mesmo que a pessoa tenha financiado o veículo, é preciso um certo nível de rendimentos para pagar as prestações. Não é difícil identificar pessoas ricas. Elas com frequência se esforçam para serem notadas.
Já a FORTUNA é algo escondido. É receita não gasta. É a opção, ainda não posta em prática, de comprar alguma coisa. O valor dela reside em proporcionar opção, flexibilidade e crescimento para que, um dia, você possa comprar mais coisas do que é capaz hoje.
A verdade é que a fortuna é aquilo que você não vê. Fortuna são os carros de luxo não adquiridos e os diamantes não comprados.
Este conceito diferenciador apresentado por Morgan Housel abriu a minha mente, porque levei este conceito de riqueza e fortuna muito além do aspecto financeiro… levei para uma visão de vida.
Fortuna é não ter a vida controlada pelos outros, não ter a necessidade de alimentar o meu ego, não ter a obrigação de parecer bem-sucedido e feliz, de não me sentir obrigado a atender as demandas de outras pessoas, inclusive da minha família.
Fortuna é me conhecer muito bem e saber o que realmente alimenta minha alma e espírito.
Morgan afirma que as pessoas são boas em aprender por imitação. É fácil encontrar modelos de riqueza, até porque atualmente elas reverberam intensamente nas mídias sociais como fogo em capim seco. No entanto, é muito mais difícil encontrar pessoas afortunadas, porque, por definição, o sucesso delas está escondido.
O mundo está cheio de pessoas que parecem modestas, mas que, na verdade, possuem fortunas, e de pessoas que parecem ricas, mas que vivem no fio da navalha. Ter este ponto em mente nos traz mais elementos no julgamento precipitado do sucesso dos outros e para definir parâmetros e objetivos de vida.
QUANTO JUNTAR PARA PODER PARAR DE TRABALHAR
Lembro de uma situação que aconteceu comigo há muitos anos. Estávamos em um restaurante conversando sobre aposentadoria e independência financeira.
Eu e meus três amigos de longa data entramos nessa conversa por um motivo comum: todos se sentindo cansados do trabalho, do chefe, da pressão, das metas impossíveis, da correria, da falta de tempo de valor com a família, da rotina pouco significativa etc. O papo era como acumular mais e crescer patrimônio para, no futuro, parar de trabalhar e curtir a vida.
Lembrando agora daquele almoço, era tudo muito irônico. Além da ansiedade natural da pressão do trabalho, nós mesmos criávamos ansiedade adicional ao falarmos de acumular dinheiro. Que pobreza de espírito!
Não tenho certeza da data, mas acho que este encontro ocorreu por volta de 2005, algo ao redor disso. Portanto, há quase 20 anos.
As respostas giraram ao redor de milhões. Posso estar me confundindo, mas acho que o “número mágico” que concluímos foi algo ao redor de 10 milhões de reais.
Eu lembro de ter pensado comigo mesmo que aquilo era um valor inalcançável. Eu precisaria trabalhar várias vidas inteiras para chegar perto daquilo. Por dentro eu até ria daquele papo de maluco. Papo inútil!
Lembro também que eu fui o mais comedido nas ponderações. E isso ocorreu por um conceito simples: enquanto os meus amigos simulavam um futuro mantendo o mesmo padrão de vida que viviam naquela época, eu tratava de imaginar uma vida mais simples, mais “rural”, mais minimalista e intimista. Lembro que todos eles, sem exceção, colocavam como premissa uma viagem internacional por ano quando aposentados. Enquanto eu falava em uma viagem internacional a cada cinco anos. Eu também falava em mudar de residência, sair de uma casa grande para um apartamento pequeno em uma cidade no interior. Nenhum deles considerou esta hipótese em seus exercícios.
Enfim, aquela conversa me caiu um pouco esquizofrênica, porém ela foi muito boa e transformadora para mim. Naquele dia eu realizei que a “grande pergunta” não era quanto eu precisava juntar de dinheiro para o meu futuro. Obviamente que esta pergunta tinha a sua importância, mas ela precisava ser elaborada a partir das respostas para outras perguntas, que precisavam vir antes.
A pergunta que surgiu mais importante depois daquela conversa foi: Que futuro eu quero para mim?
Esta é uma pergunta ampla e de difícil resposta. Ela precisa ser pensada individualmente e coletivamente. Tem que considerar o cônjuge, filhos, pais, aspirações profissionais, contextos individuais de cada um etc.
Portanto, esta primeira pergunta deflagra uma série de outras perguntas e reflexões, que necessariamente precisam ser pensadas, debatidas e acordadas. É um processo que leva tempo, que despertam questões de foro íntimo, a até questões existenciais.
Naquela conversa, com amigos, eu estava nos meus 45 anos de idade. Imaginei uma aposentadoria com 60 anos de idade (hoje eu tenho 62 anos!!). Mas logo depois pensei que este negócio de aposentadoria é besteira. Afinal, o que é aposentadoria? Ou melhor, o que seria aposentadoria para mim? É ficar no sofá, vendo TV, recebendo INSS e passeando na praça da esquina? Ou seria viver mais plenamente a vida, fazendo coisas que eu gosto, crescendo internamente e com sentimentos de propósito e significado sendo alimentados todos os dias? E porque eu preciso esperar uma determinada data, que chamo de aposentadoria, para fazer isso começar a acontecer?
Então, já naquela época, joguei fora o conceito tradicional de aposentadoria. O conceito de aposentadoria é um conceito velho e vencido pelo tempo.
Recentemente, assisti um pequeno vídeo do Mujica, que contém uma mensagem de impacto.
EM QUE VOCÊ GASTA O TEMPO DE SUA VIDA?
Mujica, neste trecho cortado de uma longa entrevista, diz o seguinte:
A vida não é só trabalhar. Tem que deixar um bom capítulo para as loucuras que cada um tem. Você é livre quando gasta o tempo de sua vida com coisas que te motivam, que você gosta. Pode ser jogar futebol, escrever, dançar, trabalhar, fazer esportes radicais, atender em um hospital, estudar filosofia… pode ser qualquer coisa, ou pode ser uma combinação de várias coisas, afinal somos muito diferentes uns dos outros.
Mas ter uma causa, ter uma paixão, isso leva tempo. É uma filosofia da vida. A filosofia não está na moda porque não custa dinheiro.
O problema é: em que você gasta o tempo de sua vida? Em que você gasta o milagre de ter nascido?
Se você não se fizer essa pergunta, não se preocupe. O mercado vai fazer isso por você, e você passar a vida toda pagando contas e comprando coisas etc. Até que você seja um velho destruído. E você não compra com dinheiro. Compra com o tempo de sua vida que gastou para ter esse dinheiro. Mas o tempo da vida não se repõe. A vida é uma aventura.
Veja o vídeo do Mujica a seguir:
Escutei esta mensagem do Mujica várias vezes. Me caiu como uma aula de vida em poucas frases.
Este vídeo me oferece indícios de caminhos para aquela minha pergunta importante: “Que futuro eu quero para mim?” Estes caminhos, vêm através de outras perguntas:
1- Quais são as coisas na vida que eu gosto e me motivam? Aquelas que me fazem crer que a vida vale a pena? 2- Quais são as minhas paixões? Quais são as minhas causas? O que eu desejo estabelecer para mim como filosofia de vida? 3- O futuro não existe, é apenas uma aspiração. Ele nunca chega. O presente é a vida de verdade. Portanto, o que eu quero para a minha vida de todos os dias? 4- Por fim, quais são as minhas escolhas? O que eu aceito abrir mão para que a minha vida seja voltada para minhas paixões e causas?
Perguntas, como estas acima, surgiram mais fortes dentro de mim a partir dos 50 anos de idade. Até esta idade, eu não pensava nelas. Quando elas surgiam, eu tratava de abafá-las. O meu lobo sabotador aparecia forte, quase gritando: “pare de ficar criando caraminholas na cabeça”, “você fica procurando problema onde não tem”, “não vai perder tempo com isso” e coisas deste tipo.
Apesar de conviver com estas perguntas durante muito tempo, as respostas para elas só foram surgir em minha mente nos últimos anos. E, tais respostas, vieram a reboque da grande fase de ressignificação de minha vida, já descrita em meu blog detalhadamente, e que ainda vivo.
A FÓRMULA DA LEVEZA
Nos últimos anos, amigos e amigas têm me dito que estou mais leve. E eu realmente me sinto assim. Estou mais leve por fora e por dentro. Me vejo caminhando e esvaziando continuamente a minha mochila da vida.
Estou mais leve por fora porque escolhi uma vida minimalista, doando e dispensando tudo que eu carregava, optando por uma vida mais simples, custos baixos, moradia menor, pouca sofisticação, com poucas exigências e dependências. Ao fazer isso, ganhei flexibilidade e liberdade… isso é leveza. Com o tempo, este estilo se transformou em uma filosofia de vida e não me vejo mais diferente daqui para frente.
Estou mais leve por dentro porque passei a priorizar meu coração, mente e espírito. Parece bobo e clichê, até porque já falei isso muitas vezes em outros artigos, mas optei por investir minha vida na auto-observação, no autoconhecimento e no autodesenvolvimento. O processo flui exatamente nesta sequência: se observar para se conhecer melhor, e, ao se conhecer, escolher por caminhos que gerem autodesenvolvimento, bem-estar e realização pessoal.
Um amigo meu me disse que gostaria de conhecer a minha fórmula da leveza para ele poder também se sentir mais leve. Quando ele me disse isso, eu anotei “fórmula da leveza” em meu caderno, porque achei um termo interessante.
Qual é a fórmula de uma vida mais leve, mais prazerosa, com mais bem-estar e significado?
SUFICIENTE, LIBERDADE, LIMITES E AVENTURA
A cada dia que passa, a frase do Mujica parece fazer mais sentido para mim: “A vida é uma aventura”.
Pensando e repensando sobre esta frase, eu avalio que a minha vida passada girava ao redor da construção de uma segurança estruturada e financeira para “garantir” um “futuro tranquilo” para minha família. Esta segurança estruturada incluía casa própria, bom emprego, carreira crescente etc. Ou seja, o máximo de controle e previsibilidade, uma vida sem aventuras, sem sobressaltos e mudanças de curso. Tudo isso é importante e tem valor, mas este não pode ser o pilar principal da vida de ninguém. A essência da vida é outra e precisa ser elaborada por cada um, individualmente.
Viver é estar aberto, provocar e aceitar mudanças, experimentar e saber conviver com o desconforto de novas descobertas e possibilidades. Aventura significa imprevisto, risco, peripécia, eventualidade, sorte, ventura, façanha, ousadia, proeza, mudança de direção, superação e êxtase. Por isso a frase do Mujica é simples e poderosa: vida e aventura parecem ser sinônimos!!
Eu não sei a fórmula da leveza, nem ouso me arriscar, mas eu consigo falar um pouco sobre meus aprendizados.
Tudo ficou mais fácil quando eu coloquei a pergunta “O que é suficiente para mim?” como prioridade.
A sede de buscar mais, de juntar mais, de ser mais e fazer mais, foi saciada quando comecei a moldar em minha cabeça alguns conceitos de “vida suficiente”, porque a partir disso, simultaneamente, eu também comecei a estabelecer limites e objetivos. Abraçar uma vida mais simples e minimalista mudou muita coisa. Transformar o futuro no presente também foi mágico.
Ao estabelecer limites e trazer o meu horizonte futuro para a vida presente, a minha mochila de vida ficou mais leve, trouxe luz e leveza para o que eu quero da minha vida, e gerou a maior fortuna que um ser humano pode aspirar: paz e liberdade.
Com a mochila mais leve, com a alma em paz e vivendo com pleno sentimento de liberdade, aceitando e curtindo o presente que a vida me oferece, eu me sinto afortunado, pronto e pleno para viver a aventura da vida.
Você é capaz de responder a pergunta: O que é suficiente para você?