top of page

A beleza de permitir que a noite venha

  • Foto do escritor: Mauro Segura
    Mauro Segura
  • 4 de set.
  • 7 min de leitura
Noite na Chapada dos Veadeiros com céu estrelado
Noite da Chapada dos Veadeiros, Goiás - Foto de Mauro Segura, feita da varanda do chalé durante a madrugada

 

Eu passei dois ou três dias muito introspectivo. Se alguém me visse de longe, assumiria equivocadamente que eu estava triste. Em determinado momento a Valéria se virou e disse: “Você está estranho”. Eu não neguei, eu realmente estava estranho, mas comigo mesmo.

 

Dias depois tudo estava bem novamente. Porém, a reflexão sobre “aqueles dias” não foi esquecida. Acho que “aqueles dias” foram uma janela extemporânea onde questionei se a minha vida atual tem sido vivida com a plenitude que almejo.

 

Curiosamente isso ocorreu dias depois da minha vivência de respiração holotrópica já contada no blog. Será que a vivência, que se propõe a expandir a consciência, mexeu com algumas coisas dentro de mim? Talvez.

 

 

O peso do mundo exterior e a contaminação das mazelas sociais

 

Nas minhas ponderações sobre o “meu jeito estranho”, eu constatei que não era algo somente que vinha de dentro de mim, mas também do mundo exterior. De alguma forma, me sinto contaminado pelas mazelas atuais da sociedade, o mundo extremista, polarizado, que nos cerca e se traduz nos pequenos fatos do cotidiano, como o trânsito e a fila do supermercado. Isso me desmotiva com a perspectiva do mundo nos próximos anos.

 

As pessoas não estão bem, temos uma redução considerável no nível de compaixão, generosidade e aceitação da diversidade.

 

Isso me faz pensar sobre viver fora de uma grande cidade, “fugir” para o interior de Goiás, ir para Chapada dos Veadeiros, sei lá! Será que o isolamento realmente ajudaria? Talvez funcionasse apenas como uma fuga.

 

 

Do tédio à busca por desafios: um insight revelador

 

No meio da minha salada de reflexões, entre um e outro devaneio fortuito, surgiu um insight. Será que estou me sentindo entediado? Será que é isso? Tédio?

 

Será que eu preciso de algo novo na minha vida?

 

Fiquei pensando nessa pergunta por alguns dias até ouvir o episódio 11 do Videocast (e podcast) “Tantos Tempos”, de Candice Pomi, onde ela entrevista Silvia Ruiz, jornalista, e Eduardo Gianetti, filósofo e economista. Candice Pomi é psicóloga, tem especialização em Gerontologia no Einstein e é pesquisadora em longevidade.

 

O “Tantos Tempos” é muito especial, mais do que isso: é uma pérola! Candice conduz entrevistas com conteúdo de muito valor, leveza e bom humor. Merece ser assinado. Recomendo muito!

 

O episódio 11 me gerou muitos insights e despertou indícios de respostas para a “minha pergunta da hora”. Por volta do tempo 17min do episódio citado, Gianetti fala a seguinte frase:

 

“O que mantém a gente realmente vivo são desafios”.

 

Essa frase está em loop infinito na minha cabeça desde que a ouvi no podcast. Será que estou sentindo falta de desafios? Será que estou vivendo uma vida confortável demais?


O que mantém a gente vivo são os desafios
O que mantém a gente vivo são os desafios - Montagem de Mauro Segura via Canva

 


Observador ou fazedor? O dilema de uma nova fase

 

A filosofia, a paz interior adotada, o minimalismo, a consciência da desaceleração intencional na velocidade da vida, tudo isso está me levando para um estado de ”observador do mundo” em vez de “fazedor”, que foi como eu vivi as minhas primeiras 60 décadas de vida.


  • Será que o meu momento atual passa por esse estado de coisas?

  • Será que passa pela redução da ambição de novas conquistas magnânimas na vida?

  • Atualmente viver um bom dia, curtir o sol na cara, celebrar a paz de espírito e ser grato por tudo que recebo tem sido a minha fórmula de vida. Será que estou acomodado?

  • Será tédio?

 

Às vezes penso que estou ficando desinteressante. Ainda não tenho respostas.

 

 

Quando é que a gente fica velho? A percepção da finitude

 

No “Tantos Tempos”, Candice sempre inicia com a mesma pergunta para os convidados: “Quando é que a gente fica velho?”

 

É interessante ver como os convidados lidam com a pergunta. Vejo que eles não têm uma resposta redonda e elaborada. As respostas, de forma geral, são longas, vagas e carregadas de metáforas. A percepção da velhice é muito individual.

 

Dos episódios que assisti, eu gostei muito da resposta do Marcelo Gleiser, no episódio 32:

 

“Idade é um número e velhice é um estado de espírito. Você pode ser velho com 30 anos e pode ser jovem com 80. É uma questão de perspectiva”.

 

Marcelo fala sobre a atitude que precisamos ter em relação à passagem do tempo. E diz também: em vez de vermos o tempo como uma perda diária, precisamos ser gratos por tudo que recebemos do universo e celebrar cada dia como um presente da vida.

 

Penso na minha juventude. A consciência sobre a passagem do tempo parece que só surgiu mais tarde para mim. Quando eu era mais jovem, eu me sentia imortal, porque não havia preocupação com o tempo, afinal eu “tinha todo o tempo do mundo”. Já escrevi sobre isso no blog, apesar desta ser uma declaração trivial feita por muita gente.

 

Pensando em uma possível resposta para a pergunta da Candice – quando é que a gente fica velho? - talvez a gente fique velho quando descobrimos, finalmente, que somos mortais. A finitude muda completamente a perspectiva de vida.


Vista da Via Láctea sobre o chalé no Chapada dos Veadeiros, em Goiás
Vista da Via Láctea sobre o chalé no Chapada dos Veadeiros, em Goiás - Foto de Mauro Segura com celular

 

 

Age-Free.World e a luta contra o etarismo

 

Nos últimos anos eu entrei na melhor fase da minha vida. Tenho escrito sobre isso no meu blog regularmente. Isso me parece estar bem conectado ao conceito de “melhor idade”, que várias vezes substitui termos como “terceira idade” ou “velhice”. A verdade é que realmente vejo a minha fase atual como um período de novas oportunidades, mais sabedoria e consciência. Isso tem moldado a minha percepção sobre “maturidade”.

 

Esse estado de espírito de descoberta constante, sob uma armadura de leveza genuína, não é só meu. No delicioso Age-Free.World, onde o amigo e “jovem” Fabio Betti bate papo com outros “jovens”, esse “espírito de Benjamim Button” surge reluzente no meio dos episódios do videocast/podcast, das conversas postadas no canal do Youtube e nos streamings de áudio, sempre livres e amplas de contexto.


O que mais gosto no Age-Free.World é o seu propósito: promover o debate sobre etarismo, aberto e sem vieses, em um ambiente de liberdade total de opiniões. E isso o Fabio Betti faz brilhantemente, através de conversas deliciosas com seus convidados, de múltiplas visões e experiências, sem pauta ou agenda amarrada, deixando “o barco navegar livre mar adentro conforme o sabor das ondas”. O que mais gosto são as histórias e vivências pessoais, sempre surpreendentes e repletos de insights poderosos.

 

O Ag-Free.World, fundado por Fabio Betti, é mais do que um podcast, é um projeto e hub ambicioso, indo bem além dos podcasts semanais. São artigos, abordagens práticas, vivências e eventos buscando combater o etarismo em todas as fases da vida. Eu faço parte da equipe de colaboradores do projeto. Vale muito entrar no site para escarafunchar... para garimpar as pepitas de ouro.

 

“Etarismo vai muito além da discriminação aos mais velhos, que é o que a maioria das pessoas pensam. Etarismo é o preconceito ou estereotipagem contra indivíduos com base na sua idade, que pode ser tanto em relação a pessoas mais velhas quanto mais jovens. Quando falamos que a ´geração tal´ é assim ou assado, estamos praticando etarismo”.

 

Capa do site Age-Free.World
Capa do site Age-Free.World

 

Permitir a noite para ver os vagalumes

 

No episódio 14 do Age-Free.World, rola uma conversa do Fabio com Clarice Niskier. Sou fã da Clarice. Ela fala coisas como “a consciência não tem nada a ver com a idade”, “viver contemplando o aqui e agora” e “manter a curiosidade viva”. Mas o que mais gostei foi uma frase despretensiosa dita por ela, solta no meio de um devaneio:

 

“Na noite querendo ver os vagalumes”.

 

Me imaginei nesse contexto: vivendo a noite vendo os vagalumes.

 

Nas minhas inúmeras idas e estadas na Chapada dos Veadeiros, no interior de Goiás, diante do céu mais incrível de todo planeta, eu passo longas noites e madrugadas olhando para as exuberantes estrelas daquele céu majestoso, incrivelmente estrelado, como se fossem reluzentes vagalumes no céu. Ali, a Via Lactea surge imponente, lembrando de nossa insignificância.

 

No mesmo episódio 14 do Age-Free.World, postado no youtube, existe um comentário de Cynara Bastos (@cynarabastos9669), onde ela escreve:

 

"O envelhecer como permitir que a noite venha"

 

Fiquei encantado com essa frase porque diz que o envelhecer é uma coisa natural, não pode ser evitado e faz parte do ciclo natural do universo.

 

Então, finalmente, veio um grande insight, motivador principal por me fazer escrever esse texto. Acho que descobri o que é ficar velho, de forma leve, sutil e encantadora.

 

Envelhecer faz parte do ciclo natural, como os dias e noites. É um processo, de idas e vindas, como as ondas no mar. Tem momentos que fico velho, em outros estou jovem de novo, e depois volto a ficar velho. Quando fico velho, ganho olhos de super-herói, vejo coisas que como jovem eu não vejo, passo a olhar estrelas e vagalumes, que surgem na minha frente espontaneamente, que me fazem ser mais contemplativo e a velocidade da vida desacelera. Então, em determinado momento, surge o jovem outra vez.

 

Eu estou nesse ciclo, como num mar de ondas leves, deixando bruma na areia da praia, com um céu azul e estrelado por vagalumes no céu. É isso que estou vivendo agora. Pode parecer puramente poético, mas não se iluda porque vai muito além disso, é uma descoberta... uma espécie de alvorecer da alma... quase uma iluminação, que muda a perspectiva sobre a existência. Isso torna tudo mais bonito, cresce a gratidão com a vida e nos sentimos mais elevados.


Em algum momento você vai viver isso também. Não é propriamente uma questão de tempo, mas uma questão de despertar interior.

 

E, talvez, não seja sobre ser mais ou menos interessante, mas sobre um tipo diferente de interesse: o de quem aprecia a luz suave dos vagalumes, noturna e serena, em vez do sol escaldante do meio-dia

 

Concluo esse artigo com o meu insight poderoso, que incrivelmente iluminou a minha mente e reforçou o meu estado de felicidade absoluta.

 

Envelhecer é permitir que a noite venha para olhar os vagalumes.

...

Final de tarde, quase noite, na estrada que corta do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás
Final de tarde, quase noite, na estrada que corta do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás - Foto de Mauro Segura

7 comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
Lucia Koury
20 de set.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Nossa, me identifiquei tanto com este texto. Desafios me deixam linda, cheia de energia, cheia de vida! Estou em compasso café com leite. É um saco! Beijo, Mauro.

Curtir

Carlos Massett Lacombe
12 de set.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Impossível não ler este belíssimo texto sem parafrasear Lulu Santos: "A vida vem em ondas como um mar, num indo e vindo infinito". Parabéns, Mestre. Mais um texto irretocável. Gratidão por sua entrega.

Curtir

Gabi
08 de set.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Sou fã dos seus textos!

Curtir

Ingrid
06 de set.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Envelhecer ainda está sendo um processo para mim. Sua reflexão me fez pensar sobre a minha vida e o que eu quero para o meu futuro. Obrigado.

Curtir

Convidado:
05 de set.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Mauro, como sempre, uma excelente reflexão! Para mim, envelhecer tem sido um encanto: poder acompanhar minhas descendentes no dia a dia, compartilhar momentos com elas e, ao mesmo tempo, ajudar pessoas em meu projeto de recolocação profissional. Isso me faz sentir plenamente realizado!

Curtir

Assine o blog

Obrigado(a)!

bottom of page