Olhei para as caixas sentindo um misto de orgulho e melancolia. Puxei uma cadeira, sentei e estiquei as pernas, pousando-as em cima da caixa mais alta. Fiquei olhando as caixas de papelão, enquanto um filme passava na minha cabeça. Voltei no tempo e repensei a minha trajetória ao longo dos últimos doze meses, até chegar aos dias de hoje. Foi um bom momento. Eu estava em paz.
Me veio à cabeça que iniciei um curso de Filosofia em janeiro. Lembrei da primeira aula online. Depois de duas horas de aula, olhando ainda para as pessoas participantes na telinha do computador, pensei: o que estou fazendo aqui? Foi a mesma sensação que senti na minha caminhada de 220km em Santa Catarina com treze mulheres, onde eu era o único homem, ou quando me joguei na maior tirolesa das Américas, considerando que sofro de vertigem. Em todas essas situações, no calor do momento, eu me perguntei o que estava fazendo ali. A resposta eu sabia, eu não estava vivendo aquelas ocasiões por acaso.
Enquanto via as caixas de papelão, evidências de que a mudança de casa estava se aproximando, a minha cabeça voava para longe, levada pelas lembranças que pulavam em minha mente. Era fácil constatar que aquele momento só estava sendo possível porque eu vivi um processo para chegar até ele. Não seria concebível visualizar e imaginar tal momento no início de 2020. Diferentemente de alguns conselhos que recebi, o luto é um processo que tem que ser vivido na plenitude, impossível de ser escondido ou evitado.
Mudei de casa!!! A visão daquelas primeiras caixas de mudança, lacradas com fita gomada, etiquetadas, preparadas para partir, tem um simbolismo muito grande. Mas a mudança principal não é de residência. Isso é apenas um viés de todas as mudanças que estão em curso na minha vida.
No início do meu luto, a sensação é que eu estava diante de um vazio, uma espécie de abismo onde eu me encontrava em queda livre, cercado de uma penumbra infinita, sem clareza das coisas, muito menos quando alcançaria o fundo do poço em que me encontrava. Contei muito sobre essas sensações nos meus textos do blog. Colocar para fora o que se passava na minha cabeça foi uma espécie de catarse, que me fazia bem, apesar do incômodo desnude público da minha alma.
Com o passar o tempo, pequenos fragmentos de luz começaram a surgir. Eu me permiti observá-los e tentar entender do que se tratava. Eu não aceitava a escuridão do luto, apesar de me sentir protegido na minha caverna.
Comecei a não aceitar o pensamento de um futuro limitado. Na minha viagem declinante no despenhadeiro escuro, eu me permiti bater asas, me aproximar de pontos brilhantes e coloridos que acenavam para mim, sinalizando que a vida estava ali ao meu redor e ao meu alcance. Comecei a experimentar coisas novas, sem me lamentar pela realidade crua de um tempo presente que eu não queria viver.
Iniciei um auto exercício duro de desapego dos bens materiais que me prendiam ao passado. Me afastei momentaneamente de amigos queridos, alguns de longa data, para fazer novas amizades, buscar novas descobertas, desafiando minhas predileções, gostos e atitudes. Eu escolhi fazer e viver diferente.
O exercício de desapego radical só foi possível pelas minhas escolhas. Essa foi a principal razão que me levou a bater asas dentro do túnel escuro do desfiladeiro. Tais escolhas me trouxeram luz e me despertaram para a possibilidade de uma nova vida. Com o passar do tempo, o abismo diante de mim foi se transformando em um céu azul, cristalino, de horizonte infinito e desconhecido. A cada dia, que eu vivia, eu queria ir mais na direção desse horizonte sem fim. A cada dia, eu conseguia bater as asas mais fortemente e voar mais rápido e mais alto.
A minha atitude de fazer escolhas pelo futuro se tornou um hábito. Ele deixou de ser algo imposto, para ser algo natural. Optar por escolhas não tradicionais se tornou um estilo de vida, uma espécie de mantra.
Tudo isso me levou para o surgimento de um novo amor. Eu me permiti isso! Eu me preparei, talvez meio sem querer, para esse momento. Meu coração estava leve, pronto, seguro e aberto. Com o despertar deste novo amor, eu ganhei uma razão de vida. O que antes era um voo em céu azul, mas sem direção, ganhou um norte.
Tudo que eu fiz nos últimos meses fazem sentido agora, tudo se combinou maravilhosamente para me alçar a um novo estágio de minha existência. Depois das fases do desapego e das escolhas, eu entrei na fase das mudanças. Mas não são mudanças ocasionais ou fortuitas, são mudanças intencionais, voltadas para a direção que tenho na minha mente, rumo a um futuro radiante, que será ainda mais brilhante do que o meu passado. Não estou mais no escuro, agora estou na luz infinita.
Valéria é o meu farol. Ela conseguiu dar propósito para minha vida, emergindo dentro de mim o amor e o desejo de construir um futuro maravilhoso. Com ela, a vida voltou a fazer sentido. Ela é a minha luz, iluminando e sinalizando o caminho, dando direção ao meu voo.
Ao longo de um ano, eu não aceitei os lamentos e o clamor impiedoso da perda. Optei por escolher os ganhos e as possibilidades. Optei por me abrir para um futuro possível, tendo por base tudo que aprendi e conquistei como ser humano ao longo da minha vida.
Aprendi que o meu futuro não é fruto do destino. O meu futuro é construído e conquistado a partir das decisões que tomo diariamente. E não são apenas as grandes escolhas que fazem a diferença, mas principalmente as dezenas de pequenas escolhas que faço minuto a minuto, ao longo de cada dia. As mudanças que tanto almejo e sonho, são consequências da soma das minhas atitudes e iniciativas, apenas isso. Portanto, aprendi que o meu futuro está em minhas mãos.