Os meus rótulos são as minhas principais fortalezas
- Mauro Segura
- há 2 dias
- 8 min de leitura

O retiro que mudou minha perspectiva
No ano passado, eu e Valéria participamos de um retiro chamado “Imersão para Um Novo Humano”. O evento ocorreu nos dias de carnaval na Pousada Morro da Baleia, na Chapada dos Veadeiros, Goiás.
Aqui tenho que parar para recomendar a Pousada Morro da Baleia, porque ela é especial por muitas razões. A pousada é eco friendly, os chalés são simples, mas maravilhosos, confortáveis, com sala, varanda, quarto, cozinha equipada e banheiro. O visual é extraordinário, porque fica de frente para o mágico Morro da Baleia. Ali é um campo de energia diferente, no meio da natureza. Podemos pegar hortaliças na horta e explorar as opções que a pousada oferece. Por fim, é impossível não se apaixonar pelos donos da pousada: Manoel e Michelle.
O primeiro dia da imersão foi um dia de mensagens interessantes, na tentativa de nos posicionar sobre a proposta das atividades e preparar nossa mente adequadamente para o que ainda iríamos viver.
Falou-se em “despertar da consciência”, auto-observação, não julgamento, auto acolhimento, ego e muitas reflexões ao redor desses temas. Acho que o objetivo dos palestrantes foi nos bombardear com conceitos diversos para criar uma base de conhecimento e abrir nossas cabeças para as dinâmicas dos dias seguintes.
A frase que despertou minha reflexão
Porém, ainda no primeiro dia, foi passado o seguinte exercício para turma: “Escrever uma carta para você mesmo, com tudo que você se enxerga como maravilhoso”.
Antes de partimos para o exercício, o condutor da atividade nos provocou com algumas ponderações.
Ele disse que desde criança nos acostumamos a receber rótulos. Em determinado momento ele soltou uma frase despretensiosa, no meio de sua argumentação, que grudou na minha mente:
“Aprendemos a olhar tudo como um erro em vez de olhar como potência”.
Duas palavras me soarem importantes em sua frase.
A primeira palavra foi “erro”, que pode ser interpretada em uma visão mais ampla como fraqueza, defeito, desvio, deficiência, debilidade ou vulnerabilidade.
A segunda palavra foi “potência”, palavra que pouco utilizo em meu vocabulário cotidiano, e que num sentido mais abrangente pode ser lida como fortaleza, força, superioridade, poder, vigor, capacidade ou potencial.
O que realmente me despertou foi o palestrante conectar estas duas palavras, que parecem se chocar por estarem em extremos opostos. Isso disparou algumas reflexões.

A Jornada do Autoconhecimento
Eu passei muitos anos sem investigar as minhas potencialidades, muito menos elaborá-las e desenvolvê-las. Eu nunca dei muito chance para isso. A minha vida foi moldada a partir de modelos e expectativas que eu recebia das pessoas ao meu redor, sem entender muito bem o que eu poderia fazer de diferente, melhor e com mais competência.
O passar do tempo só fez aumentar as minhas responsabilidades: cuidar da família, alimentar o casamento, educar os filhos, ter um bom trabalho, crescer profissionalmente, acumular patrimônio, ser uma pessoa de bem e ter sucesso (seja lá o que isso quer dizer) e por aí vai.
Não havia tempo para olhar para dentro de mim. Confesso que isso não me incomodava tanto porque o importante era seguir em frente e não olhar para os lados. Porém, isso começou a mudar , lentamente, a partir dos 50 anos de idade.
O supermercado de rótulos: quando os carimbos viram prisões
Esse processo de despertar interior, se conecta aos rótulos que recebi ao longo da vida, desde criança. Então, passei a procurar entender mais sobre rótulos e carimbos que colocamos em nós mesmos.
Em um mundo em que mais e mais pessoas buscam conhecimento para tratar de suas mazelas mentais, eu não posso deixar de fazer uma metáfora perversa a respeito deste atual momento da sociedade. Peço desculpas se crio algum constrangimento ou ofendo alguém, mas a minha intenção aqui é ser um pouco extremista para fazer o meu ponto.
O dilema mental, que grande parte da sociedade está vivendo, parece uma ida ao supermercado.
Ao longo da vida vamos colecionando uma enorme lista de rótulos e carimbos sobre o que achamos que somos, a partir do que as pessoas falam da gente e do que a sociedade nos impõe. E pessoas, aqui, são todas aquelas que nos cercam: família, amigos, colegas de trabalho, chefes, vizinhos etc.
Então, com a lista de compras em mãos, partimos para o supermercado da vida, colocando dentro do carrinho um monte de novos rótulos que desejamos levar para nossa casa. Assim, nossas compras são os crachás que elencamos para nutrir o personagem do mundo que idealizamos. São compras caras, de alto custo, por conta do preço que pagamos por não respeitarmos a nossa verdadeira essência.
O caminho da vida plena deve seguir um caminho diferente. O melhor caminho é aquele tem foco no autoconhecimento, permitindo a descoberta e a aceitação de quem verdadeiramente somos, criando meios de desenvolvimento centrados em nossa individualidade, em nossa verdadeira identidade e não admitindo rótulos. É aqui que terapeutas, psicólogos e psiquiatras podem ajudar muito.
No entanto, confesso, quase sempre somos nós mesmos que buscamos por rótulos, pois eles simplificam o processo, funcionando como uma espécie de bengala, servindo como apoio e justificativa das mazelas da vida.
Rótulos: quando as certezas limitantes viram profecias
Cabe dizer que rótulos são carimbos, que podem ser fraquezas, fortalezas ou quaisquer coisas.
Rótulos podem ser perversos porque podem se transformar em certezas limitantes sobre nós mesmos, criando muros e portas fechadas que nos impedem de seguir adiante, limitando o nosso jogo da vida... não nos permitindo voar... limitando a nossa evolução.
Ficamos presos dentro dos muros que nós mesmos construímos. É a prisão do “que achamos de nós mesmos”. Para evoluirmos como seres humanos, é preciso nos desfazemos destas certezas.
Como diz Claudia Colnago, em seu post no LinkedIn sobre rótulos:
"Você é assim - e não pode mudar.
Você tem que fazer como os outros fazem.
Fique onde está. É mais seguro.
Assim, talvez ninguém perceba - e você não será questionado.”
Rótulos viram álibis para nossa frustração existencial, nos travestindo com a capa de vítimas do universo. Quando isso acontece, rótulos se transformam em profecias para nossa existência, nos restando, apenas, o cumprimento de nosso destino.
Sobre essa questão, convido você a ouvir o episódio 114, chamado “Rótulos”, do excelente podcast “Elefantes na Neblina”. Recomendo muito.
As perguntas que me libertaram
Naquela palestra no retiro, alguns pensamentos surgiram aleatórios na cabeça a partir daquela fala do palestrante.
Acho até que me desliguei um pouco do resto da apresentação pois fiquei remoendo as perguntas que surgiram em minha mente.
Quais são as minhas potencialidades?
Quais eram e quais são agora?
O que são potencialidades?
Quando chegou a hora de escrever a tal carta, foi impossível fugir daquilo que o palestrante falou. A conexão das palavras “erro” e “potência” ainda estava fervilhando na minha cabeça.
A palavra "rótulo" aparecia piscante como um letreiro luminoso em noite escura. Lá no fundo, eu buscava fazer uma ponte conectando estes conceitos, enquanto passava um filme da minha juventude e do meu aprendizado ao longo da vida.
Sem ter muita certeza de onde ia dar, eu simplesmente peguei caneta e caderno, me coloquei diante de uma folha pautada em branco e comecei a escrever o que vinha na minha cabeça.
O resultado me soou surpreendente. Eu escrevi quase duas folhas de papel, praticamente sem rasuras e numa narrativa superfluida, parecendo ter sido produzido por alguém que já havia pensado muito no assunto e que tinha um ponto de vista muito bem fundamentado e estruturado.

Minha carta para mim mesmo
A seguir está a carta que escrevi naquele dia, sem nenhuma mudança ou ajuste, apenas com alterações de quebra de parágrafos para facilitar a leitura. A carta é algo pessoal e confidencial. Como tudo no meu blog é pessoal e confidencial, aqui vai!
“Chapada dos Veadeiros
10/02/2024
Querido Mauro.
Ainda me sinto uma criança.
Carrego ainda dentro de mim os mesmos sentimentos, características e comportamentos ao longo do tempo. Ainda sou a criança tímida, calada, introspectiva, insegura e reflexiva.
Estas características que sempre considerei (e que foi considerado pelos outros) como imutáveis, algo preso a mim de forma inquebrantável, foram sempre encaradas como necessidades de desenvolvimento para minha evolução. Mas o tempo, especialmente em tempos atuais, vem trazendo uma nova perspectiva sobre minhas características e o meu jeito de ser.
Essas características que sempre foram tratadas como fraquezas, são na verdade, minhas fortalezas, meu potencial, meus diferenciais.
Ser tímido e introspectivo, é saber observar, é saber olhar os detalhes, é saber conectar a diversidade que está à frente dos meus olhos.
Ser calado e antissocial é saber ouvir, é ter escuta ativa, é respeitar e privilegiar primeiro a voz dos outros, para somente depois dar a minha voz.
Ser reflexivo é saber juntar o olhar com o ouvir, entender o todo, ler o contexto, entender os diversos pontos de vista de todos que estão ao meu redor, dar tempo ao tempo. Ser reflexivo é não ter pressa, é usar o tempo a meu favor, entendendo que tudo tem seu tempo, e eu sou o decisor deste tempo.
Se sentir inseguro é reconhecer que não tenho domínio e conhecimento das coisas, que eu preciso sempre estudar e aprender mais, que eu preciso ser sempre humilde, fazer mais perguntas do que dar respostas, pedir ajuda para me sinalizar o caminho e aceitar ser conduzido sempre que necessário.
Aprendi que os meus rótulos de inseguro, calado, reflexivo, introspectivo, tímido e antissocial são rótulos bons, pois traduzem fortalezas e minhas principais potências, que é ser humilde, saber ouvir, sempre procurar olhar para entender o todo e o contexto, buscar e interpretar os detalhes, ser empático com as pessoas, saber lidar com o tempo, sem pressa e sem ansiedade, e viver como um eterno aprendiz.
Meus rótulos são as minhas principais fortalezas. Eu não preciso de nenhum esforço para deixá-los fluírem livremente no meu dia a dia, basta estar aberto, viver de forma natural, que elas surgem naturalmente e abraçam as minhas escolhas e decisões de vida.
Tudo isso é maravilhoso e me sinto abençoado por me sentir assim.”

O que mudou depois dessa carta
Esta é a minha carta. Ainda tenho o caderno comigo.
De certa forma, o que está nesta carta, se conecta profundamente com o que escrevi nos artigos “A ilusão do ‘quando eu chegar lá’” e “Eu decido os meus sucessos e fracassos”, ambos no meu blog.
Eu só consegui escrever essa carta por conta da minha maturidade, da minha lucidez em relação à vida e do livre arbítrio de decidir o que é sucesso e fracasso para mim.
Se essa carta fosse escrita tempos atrás, a “síndrome do impostor” que me habita e o meu desconhecimento interior me levariam para uma confecção de carta completamente diferente daquela que escrevi.
Não estou falando que são duas pessoas diferentes, afinal eu continuo sendo a mesma pessoa de sempre. Tal qual a gravura de Jade Rivera, citada em um post passado, eu carrego dentro de mim o meu passado porque fui moldado por tudo que fiz, realizei e conquistei. Portanto, a minha essência continua a mesma.
No entanto, o ser que hoje escreve este artigo, se conhece mais internamente, tem consciência de seus rótulos, limitações e motivações, olha mais dentro do que para fora e tem uma visão de vida diferente daquela que tinha no passado. Isso se traduz em mais lucidez, satisfação e realização pessoal.
Me sinto plenamente feliz com o que sou.
O que o mundo exterior rotula como meus maiores defeitos e deficiências, provavelmente são as minhas maiores fortalezas e capacidades.
Bem, daqui onde estou, por trás da ferrugem do meu corpo, tudo me parece muito bem!




Gratidão pela partilha, Mauro. Te compreendo demais. Você conseguiu colocar em palavras, a partir da sua vivência da vida, o que eu percebo em mim e na maioria dos atores. O senso comum é de que os atores são aqueles que eram os mais extrovertidos e que apareciam mais na escola, etc. Sim, alguns atores eram assim, mas a grande maioria dos grandes atores e atrizes que admiramos eram como você introvertidos e reflexivos. Sempre percebi que é isso que dá a profundidade e sensibilidade que eles têm em cena. Sim, num mundo egocentrado, narcisista e onde predomina o modelo do fazer, fazer, fazer, se destacar e vencer a qualquer custo, as características citadas são fraquezas. Mas no reino do ser, timidez, ser mais calado,…